E se as mãos – do nosso imaginário – se enchessem de pincéis, e os pincéis tivessem todas as cores e se todas se juntassem e formassem a cor da luz – aquela que reflecte todos os raios luminosos sem absorver nenhum? Branco. Tudo branco. Todo branco: assim é o Wat Rong Khun, assim, tal qual o seu criador - Chalermchai Kositpipat - o imaginou.
Ao longe: parece feito de paz, diríamos tratar-se do paraíso, é idílico. Só pode ser: o bem. O começo. Entre o branco surge o prata espelhado, a lembrar a sabedoria de Buda, a trazer a luz.
Há uma ponte que se ergue sobre um lago, desenha o caminho mais bonito e dá vontade de atravessá-la, para fazer parte.
Ao perto: desvanece-se o conto de fadas, o que parecia ser feito de leveza torna-se pesado, perturbador; o lago é o abismo e a ponte ergue-se sobre as mãos dos que lhe tentam escapar. Só pode ser: o mal. O fim.
As mãos: sem corpo, petrificadas, arrancadas, secas, sem vida. Rostos – aflitos – entre elas, que se mostram num último sopro, como quem pede (a última) ajuda.
São aqueles que ainda não venceram as paixões e desejos do mundo para obterem a entrada na morada de Buda, a porta do paraíso que se abre depois da travessia da ponte. É o ciclo de renascimento.
E ele lá está, o homem grande, de rosto fantasmagórico, na mão direita uma espada, do lado esquerdo o braço estendido e o indicador apontado, como se escolhesse os que merecem o céu, os que vão arder no inferno, numa espécie de dia de julgamento que pesa o bem e o mal da alma que o corpo traz.
Dentro, no ubusot (edifício principal): perde-se o branco, há uma explosão de cores, que ardem. É tragédia, é o fim do mundo num mural pintado de laranja-vermelho fogo. Pelo meio: ícones do mundo pop, personagens de filmes, actores, cantores; é a crítica – pelo meio da arte – à falta de paz e à vida sem fé do mundo ocidental onde, nas palavras do criador da obra, nenhum dos super-heróis venerados é capaz de salvar o mundo de guerras, de trazer paz ao mundo. Só os ensinamentos de Buda serão o caminho.
A estas imagens opõe-se um céu com pessoas que esvoaçam entre nuvens e, no centro de tudo, Buda.
Pelos caminhos que percorremos a seis pés, entre risos, curiosidade e amuos da Mia, percebemos que até as pedras do chão parecem ter sido pintadas de branco. Encontramos o poço da sorte e lançamos-lhe uma moeda enquanto pedimos um desejo. Escrevemos os nossos nomes numa medalha e acrescentámo-la à estrutura cónica feita delas, com a Mia a tentar apanhá-las, a brincar às escondidas através delas.
E parámos para ver as árvores com rostos suspensos, rostos sem vida, olhos arregalados, erva seca, branca a cair-lhes boca abaixo.
Regressámos à paragem dos autocarros e esperamos, à face da estrada – com a Mia sentada numa cadeira azul – pelo autocarro, o mesmo autocarro local que nos trouxe até cá, aquele em que preenchi o tempo de espera da partida com as tranças que lhe viram no cabelo. Regressamos, num lugar que não seria lugar (nos nossos autocarros de cá). Regressamos com o nosso imaginário mais rico em caminhos de céu e inferno.
Curiosidades
- Chalermchai Kositpipat, artista originário de Chiang Rai, construiu o templo com o seu próprio dinheiro. Pensou-o como uma oferta a Buda, numa espécie de troca pela imortalidade.
- O templo, que junta tradições budistas e hindus, é uma obra inacabada. O início da construção foi em 1996 e prevê-se que apenas termine em 2070 e que inclua mais uns quantos edifícios, museus, salas de meditação e habitação para os monges.
- A entrada é gratuita e o templo fecha uma hora – durante o almoço. Aproveite-a para tirar alguma fotos que apanhem o templo limpo de multidão.
- Na estação de autocarros de Chiang Rai há um autocarro local que para perto do templo por 20 bahts/pessoa (aproximadamente 50 cêntimos de Euro). Aproveite a viagem, faz parte da experiência.
Este artigo foi originalmente publicado em Menina Mundo.
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