
Não foram os suíços que trouxeram o cacau para a Europa, nem inventaram o chocolate. Então, porque é este alimento é tão famoso na nação helvética? A resposta não é simples e exige estudar alguma história, mas prometemos que a descoberta se torna mais fácil quando é possível ir saboreando (muitos) chocolates durante a explicação.
É mesmo o aroma a chocolate que nos envolve quando desembarcamos do barco que havíamos apanhado no centro de Zurique com destino a uma das atrações mais visitadas do país: o museu da Lindt.
Marca que dispensa apresentações, o Lindt Home of Chocolate é a primeira paragem deste nosso roteiro e recebe os visitantes com a sua enorme fonte de chocolate que, de acordo com Walter Webber, guia que realizou a visita, é mesmo chocolate verdadeiro que escorre pelos 9,3 metros da estrutura, enchendo os olhos e fazendo crescer água na boca de quem visita o lugar. “O chocolate da fonte vem da fábrica que funciona desde 1889, é a mais antiga da Lindt”, conta o guia.

A partir daí, embarcamos por uma viagem interativa pela história do cacau que começa junto a uma réplica de um cacaueiro, a árvore originária das florestas tropicais da América do Sul, responsável pela matéria-prima por trás de tudo, sem ele não haveria chocolate.
Numa altura de alterações climáticas e mudanças provocadas no planeta pelo homem, ganhamos também consciência de que a sustentabilidade é palavra de ordem para a Lindt, em particular, e para a indústria de chocolate na Suíça, como um todo. Mas do presente e do futuro falaremos adiante, agora, regressamos ao passado.
Há vestígios do consumo do cacau desde o quarto milénio a.C. pelos povos originários da Bacia Amazónia; já na América Central, o consumo data do segundo milénio a.C. Alimento consumido de forma sagrada pelos maias, o cacau chegou na Europa pelas mãos dos exploradores espanhóis, no século XVI, e começou a ser consumido em forma líquida, como também o era pela civilização que se desenvolveu na região da Mesoamérica. A diferença é que os europeus juntaram à mistura açúcar para quebrar a acidez do cacau.

Durante muito tempo o chocolate era consumido apenas por membros da realeza e nobreza, tendo ficado popular na época da Revolução Industrial quando foram desenvolvidas máquinas e técnicas que permitiram o refinamento de processos, culminando no chocolate que consumimos hoje em tabletes, trufas ou bombons.
E é aí que os suíços, com o seu espírito criativo e empreendedor, tiveram um papel relevante, uma vez que foram personalidades do país que desenvolveram processos e tiveram ideias inovadoras no setor do chocolate.
Por exemplo, em 1879, Daniel Peter, chocolatier suíço, utilizou o leite condensado, inventado pelo químico Henri Nestlé em 1867, para criar o chocolate de leite.
Nesse mesmo ano, o inventor e fabricante de chocolate Rodolphe Lindt inventou um processo para melhorar a qualidade do alimento: a conchagem, responsável por refinar a textura e desenvolver o sabor do chocolate. Diz a lenda que o inventor deixou por acaso as máquinas de conchagem da fábrica a funcionar durante o fim de semana, o que resultou num chocolate bem mais suave e com aquela textura que derrete na boca.
Sendo difícil identificar apenas um responsável pela invenção do chocolate, a verdade é que a Suíça teve um peso significativo no desenvolvimento do produto que consumimos nos dias de hoje.

Apenas neste minuto em que está a ler estas palavras estão a ser consumidas 700 trufas Lindor, um dos produtos mais famosos da Lindt. Se visitar o museu da marca, saiba que existe uma sala unicamente dedicada a este género de bombom que derrete na boca através de vários sabores – e pode tirar quantas trufas quiser. Esta é uma das salas interativas do museu onde os visitantes estão autorizados a degustar chocolate à vontade, enquanto aprendem sobre o mesmo. E, nestes momentos, todos voltamos a ser crianças.
Além de poder saborear, o visitante também tem a oportunidade de fazer o seu próprio chocolate através de um workshop na chocolateria do espaço. Foi lá que desenvolvemos a nossa tablete de chocolate ao estilo do Dubai. Uma experiência que proporciona mais conhecimento sobre os processos de confeção, além de ter como resultado um souvenir especial. Saiba mais na galeria de fotos abaixo.
Sustentabilidade, palavra de ordem no setor
As barras de chocolate são também o principal produto da Halba, empresa pertencente ao grupo Coop que detém a fábrica de chocolate mais sustentável do país e a segunda a nível mundial, só ficando atrás da Tony’s Chocolonely, marca holandesa.
Isso significa que a Halba está certificada ao mais alto nível em critérios como agrofloresta, uso de pesticidas, deflorestação e clima, rendimentos dignos, proteção à criança, bem como transparência e rastreabilidade, explica Romena Sutter, diretora de sustentabilidade da marca no centro de produção localizado em Pratteln, a poucos quilómetros da cidade de Basileia.
Com o aumento do consumo, a monocultura foi adotada na produção de cacau em muitos países, o que acabou por se revelar um erro, prejudicando o crescimento dos cacaueiros e, por conseguinte, provocando uma diminuição de produção e um aumento de preço. Também a exploração dos agricultores, o trabalho infantil e as alterações climáticas são problemas enfrentados nos países de origem. Atualmente, os maiores produtores de cacau estão no continente africano. Costa do Marfim e Gana lideram na produção.

A Halba desenvolve projetos de sustentabilidade em todos os países dos quais importa cacau, com foco na implementação da agrofloresta, em que o cacaueiro cresce juntamente com outras árvores que o protegem e melhoram os solos, bem como no apoio às comunidades locais. “Somos pioneiros da sustentabilidade”, garante a CEO da empresa, Réka Szalay.
Se as práticas da Halba fazem desta empresa um exemplo de sustentabilidade, a verdade é que o tema é comum a todo o setor do chocolate na Suíça. “Todas as marcas têm esta preocupação”, afirma Lydia Toth, responsável pela comunicação da Chocosuisse, associação dos produtores industriais de chocolate do país. As 16 fábricas que fazem parte da associação têm um papel de peso na produção anual de 200 mil toneladas de chocolate. Cerca de 30% é consumido internamente e os restantes 70% são exportados.
Os números não mentem, o chocolate é uma paixão nacional e o consumo anual per capita do alimento situa-se nos dez quilos. Também além-fronteiras, o chocolate que leva a bandeira suíça na embalagem é considerado um exemplo de qualidade e apreciado por milhares de pessoas.

Descobrir Basileia ao sabor do chocolate
Foi a paixão pelo chocolate que levou Stephanie Greiner a desenvolver o projeto Xocotour. “Tudo começou quando regressei a Basileia e tinha amigos que queriam visitar a cidade e conhecer o chocolate suíço”, lembra Stephy, como também é chamada, durante este tour que começa junto à catedral e vai passando por vários pontos do centro histórico da terceira maior cidade suíça.
Porém, aqui, ao contrário das habituais visitas guiadas, o tema é outro, o tour é dedicado ao chocolate, mas não às grandes marcas. “Decidi criar estes tours dedicados a pequenos negócios, sítios que conheço desde sempre”, realça Stephy. Depois de uma breve introdução sobre o cacau com vista para o rio Reno, a primeira paragem é a porta de entrada perfeita para o universo “bean to bar” (do grão à tablete).
Na Xocoalt, podemos encontrar uma grande variedade de pequenos produtores suíços e estrangeiros que seguem o processo “bean to bar”, ou seja, controlam todos os estágios de produção do chocolate, desde a escolha dos grãos, normalmente, de pequenas quintas onde o terroir tem um peso importante no sabor, passando por todos os processos até ao produto final.
A Schiesser também faz parte do roteiro, sendo uma das lojas mais antigas de Basileia, fundada em 1870. Não são “bean to bar” pois compram a massa de cacau já pronta para produzirem os seus próprios bombons e trufas, muito procurados pelos habitantes locais. Um dos mais populares é o kirschtangeli, um bombom recheado com licor de cereja.
Famosa pelos seus chocolates e bolos, a Beschele é outra paragem deste doce roteiro por Basileia, ideal para os verdadeiros amantes do cacau. Stephanie também realiza tours em Zurique, uma cidade com muito a descobrir não só no que toca ao método “bean to bar”, como nas pequenas chocolaterias de produção artesanal.
Mesmo com o desenvolvimento de novas combinações de sabores, o chocolate de leite permanece como o preferido dos helvéticos e a nossa última paragem seria na mais antiga fábrica do país que continua a produzir o primeiro chocolate de leite inventado na Suíça, tendo mudado pouco a receia original. Próximo destino: Maison Cailler.
A magia do chocolate na Cailler
Se chegaram até aqui, já perceberam que os suíços contribuíram para o desenvolvimento do chocolate que consumimos hoje, além de estarem a trabalhar para um futuro mais sustentável da indústria. O chocolate de leite foi inventado por um suíço, Daniel Peter, e fabricado naquela que era, na época, a maior fábrica de chocolate do mundo, a Cailler, também a mais antiga marca de chocolate do país, fundada em 1819 por François-Louis Cailler.
A melhor forma de lá chegar é apanhar o Chocolat Express, um comboio que parte de Berna e que, numa viagem de cerca de uma hora e meia, nos leva à porta da fábrica, na paragem final, Broc. Durante o percurso, o cenário vai mudando: deixamos o ambiente citadino para trás, vamos apreciando belos cenários bucólicos, vilas pitorescas e os Alpes vão ganhando dimensão na paisagem. Tal como já pudemos comprovar noutra viagem, vale muito a pena viajar de comboio pela Suíça.

Da janela do comboio temos o primeiro vislumbre do edifício branco da Cailler, encaixado num vale, entre as montanhas. “Foi o lugar perfeito para construir a fábrica”, conta Fleur Helmig, diretora do museu da Maison Cailler.
No sopé dos Alpes, o lugar transporta-nos para um o mundo mágico do chocolate, aquele retratado nos filmes e publicidades antigas. “Esta região [Gruyères] tem tudo o que representa a Suíça: vacas, montanhas, castelo, queijo e chocolate”, indica Fleur.
Nos campos à volta da fábrica, pastam as vacas que fornecem o leite que, depois, é condensado e utilizado no chocolate da Cailler, tal como foi inventado na receita original e o que torna este chocolate único, uma vez que grande parte das marcas usa, atualmente, leite em pó. A diferença nota-se no sabor mais rico do chocolate de leite que podemos degustar durante a visita ao museu. Aí aprendemos de forma interativa e lúdica sobre o chocolate.
Entramos, literalmente, num túnel do tempo por onde vamos percorrendo os diversos capítulos desta história, até culminarmos um espaço interativo onde podemos tocar, cheirar e experimentar. “Muitos dos nossos visitantes nunca tocaram ou viram grãos de cacau”, refere Fleur Helmig, que destaca que os frutos secos usados nos chocolates da marca são também torrados na fábrica.
Disponível no museu estão os workshops onde é possível conhecer mais sobre a arte de temperar chocolate e, claro, confecionar tabletes para levar para a casa – ou para comer pelo caminho. Garantimos que é difícil resistir a esta doce tentação.
O SAPO Viagens visitou o país a convite do Turismo da Suíça
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