Do arquipélago no Atlântico ao do Pacífico: Uma experiência sabática no Japão
Texto e fotografias por Pedro Vale
Explorar o Japão em todas as suas vertentes sempre foi um desejo meu antigo.
Impulsionado sobretudo por diversas particularidades tipicamente japonesas, nomeadamente o meu interesse em animes, o facto de ter praticado karaté durante vários anos e a curiosidade pela cultura tão diferente da portuguesa. Porém, nunca me tinha surgido a oportunidade de o fazer.
Realizei o mestrado em Portugal Continental e ainda durante o meu estágio em Évora, deparei-me com a necessidade de avaliar qual seria o meu próximo passo na vida. Sendo natural dos Açores, ponderava sobre as diferentes alternativas e questionava-me onde me via futuramente a viver e trabalhar.
Considerei todas as opções, tais como um possível doutoramento, ou uma oportunidade profissional que me permitisse regressar à minha terra natal, mas, por fim, também me surgiu a ideia de realizar um gap year, para refletir sobre o meu caminho futuro e aquilo que considero verdadeiramente significativo e relevante para a minha vida. Não pensei duas vezes e acabei por embarcar na última opção, o ano sabático!
Após a mais longa viagem de avião da minha vida, realizada no dia de Natal, finalmente cheguei ao aeroporto de Haneda, em Tóquio. Com um voo de 4 horas e meia até Istambul e outro de 11 horas até à capital japonesa, Tóquio, a emoção de estar no outro lado do mundo superou o receio do desconhecido.
"a emoção de estar no outro lado do mundo superou o receio do desconhecido"
Os primeiros dias na maior cidade do mundo foram uma experiência única. A excitação de explorar um lugar totalmente novo contrastava com a solidão, já que a diferença de 9 horas em relação a Portugal dificultava a comunicação com amigos e familiares durante o dia. O choque cultural foi evidente, mas a organização característica da cultura japonesa facilitou muito a minha adaptação.
Rapidamente, apercebi-me que o inglês não é um forte dos japoneses, talvez pelo seu isolamento geográfico natural e contexto histórico, bem como pela sua natureza mais introvertida. Isso tornou a comunicação não essencial praticamente inexistente. Como português, acostumado à conversa fácil, mesmo com desconhecidos, senti-me muito isolado no início desta experiência.
Apesar deste início solitário, mantive o ânimo, pois já tinha a minha primeira atividade de voluntariado agendada em Kawaguchiko, perto do Monte Fuji. Foi na K's House Fuji View que encontrei as minhas primeiras amizades. Como voluntário, atuando como rececionista e auxiliar de limpeza, tive a oportunidade de interagir com viajantes provenientes de diversos países, como os Estados Unidos, Austrália, Noruega e Israel. Foi com base nestas interações que obtive diferentes visões sobre como é viver, visitar ou ainda trabalhar no Japão, o que ampliou ainda mais as minhas perspetivas nesta jornada única.
Foi com o intuito de aproveitar as minhas habilidades sociais e a vontade de realizar uma imersão cultural inicial que escolhi esta atividade. Estando agora a dar início à segunda semana, posso afirmar que esta atividade de voluntariado tem sido extremamente enriquecedora.
Apesar de estar no Japão há menos de um mês, já consegui identificar muitas diferenças em relação à nossa cultura. A começar, a abordagem em relação aos estranhos, difere significativamente da nossa. A única alternativa aos nossos bares e cafés são os onsens (os típicos banhos termais japoneses), sendo estes os principais locais de socialização. Além disso, a presença constante de santuários xintoístas e budistas, as festividades locais, a arquitetura peculiar e até mesmo a moda local revelam contrastes distintos em relação aos costumes que conhecia até então.
Além disso, são inúmeros os detalhes do dia-a-dia que contribuem para a singularidade do Japão. Desde as tampas de esgoto decoradas de acordo com a região em que nos encontramos, à impecável limpeza das cidades, onde não encontrei uma única beata de cigarro no chão, até às estações de metro, que são verdadeiras cidades subterrâneas. As particularidades continuam com as sanitas que contam sempre com assentos aquecidos e os carros, predominantemente em formato de pão de forma, que apesar de esteticamente diferentes do usual em Portugal, possivelmente visam otimizar o espaço de estacionamento nas grandes cidades japonesas.
Outros aspetos interessantes incluem as diversas opções culinárias, como ovos crus, muito presentes na alimentação tradicional japonesa. Os cartazes de animes estão por toda a parte. A cortesia dos restaurantes, que oferecem água gratuitamente em todas as refeições. A preocupação com a inclusão também se reflete nas indicações para deficientes visuais, assim como na fácil acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida. E, ainda, o sistema de saúde japonês, segmentado de acordo com os rendimentos pessoais, proporciona uma perspetiva interessante em comparação com o Serviço Nacional de Saúde português, ressaltando a possibilidade de aprender e incorporar práticas benéficas de outros países no nosso quotidiano.
Num país onde o tradicional e o moderno se entrelaçam de maneira única, cada passo nesta jornada pelo Japão é uma descoberta, uma experiência que procura ir além do superficial e do que nos é familiar no Ocidente. A cada nova interação com culturas tão distintas da nossa, percebo que este gap year não se trata apenas de encontrar respostas, mas também de questionar e expandir os horizontes do que consideramos normal.
A riqueza das diferenças, o calor das novas amizades e a profundidade das reflexões tornam esta jornada pelo "país do sol nascente" uma verdadeira aventura de autodescoberta. E, enquanto continuo a explorar, sei que as próximas páginas desta narrativa pessoal estarão repletas de mais surpresas, aprendizagens e conexões inesperadas, pois o Japão, com a sua cultura fascinante e diversa, continua a revelar-se um capítulo infinitamente enriquecedor na minha vida.
O Pedro saiu da ilha Terceira, nos Açores, para uma das maiores do mundo, o Japão! Irá descobrir o país do Sol Nascente durante 6 meses, explorando a cultura e paisagens, com a perspetiva de poder aprender e trazer uma nova visão, especialmente ao nível do turismo sustentável para os Açores. Podem acompanhar as suas crónicas no SAPO Viagens ou no Instagram.
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