A preparação para a caminhada começa próximo do glaciar. Tem de se colocar grampos antiderrapantes no calçado.
"Afastar os pés, fazer força quando se pisa, subir com os pés em posição V. As luvas são obrigatórias por causa das quedas, o gelo corta", cumpridas estas regras ditadas pelos guias o passeio fica mais fácil.
Na verdade, pouca gente dava atenção ao que diziam, era maior a ansiedade, o deslumbramento com a diversidade de tons e formas do gelo e o fascínio de registar a experiência em fotografias e vídeos.
No nosso grupo apenas uma senhora, com alguma idade, decidiu regressar ao abrigo, após uma experiência de cinco minutos. Os guias estavam muito atentos, com um machado abriam caminho no gelo, faziam escadas nas subidas mais íngremes, procuravam evitar longas paragens e avisavam com frequência os turistas para não se aproximarem das falésias com receio de quedas devido ao vento.
O tempo estava excelente mas inconstante: chuva, sol, enevoado, aguaceiros, chuva intensa, tudo mudava com muita rapidez, menos o vento que se manteve constante.
A experiência de andar no glaciar foi fascinante.
A preocupação inicial em seguir as regras da caminhada, olhar para os pés e saber como colocar os grampos, retirou alguma da atenção à beleza da paisagem.
Mas, pouco a pouco, ganhou-se naturalidade e os olhos descobriram formas irregulares e imaginativas, as inúmeras variações de tom do azul, a água que corre em sistemas de drenagem no meio do glaciar e as filas multicoloridas de outros grupos de visitantes que contrastavam com a cor fria do gelo.
Valeu a pena pegar e depois saborear a água com milhares de anos. Eu enchi uma garrafa de ¼ de litro. Bem fresca mas, segundo o guia, sem sais minerais. Talvez tivesse alguns milhares de anos devido ao ciclo natural da formação do glaciar.
O final da caminhada foi celebrado com um ritual: beber whisky no meio do gelo. Pequenos copos com gelo natural.
Na verdade, a fotografia, lá do alto, das pessoas em redor de uma mesa no meio do gelo, foi bem mais interessante.
A hora e meia passou bem depressa e foi visível a emoção nos rostos das pessoas que fizeram a caminhada.
Já na base, quase todos deram um último olhar para o Glaciar em jeito de despedida. Merecia. A memória da experiência funciona como os grampos: não deixa derrapar no esquecimento a vivência singular.
Miradouro do Perito Moreno
Há várias estruturas de apoio, restauração e plataformas de madeira que permitem observar o glaciar de várias perspetivas. Há percursos mais longos e outros que se resumem a ficar de frente para a área de fratura do Perito Moreno.
Ao contrário da caminhada, onde se viam poucos visitantes, no miradouro havia muita gente, de várias idades, e era permanente o vai-vém de pessoas a descer e a subir as escadas de madeira.
Na Patagónia há cerca de três centenas de glaciares, mas o Perito Moreno é um dos que tem maior projeção. Um dos motivos é a sua extensão (tem 5 km de largura), a facilidade de acesso ao parque e, em particular, à parede frontal do glaciar, à zona de fratura.
O Perito Moreno avança até à outra margem do canal, mas a pressão da água acaba por abrir brechas, o que provoca quedas de fragmentos de gelo e o consequente estrondo que se ouve a muitas centenas de metros.
É o momento máximo, muito aguardado pelos visitantes, que estão armados de máquina fotográfica em punho à espera do derradeiro instante. Na nossa visita foi permanente o barulho das quedas, pareciam trovões, e uma das vezes especialmente intenso quando caiu uma grande massa de gelo.
Dois minutos antes estávamos mesmo em frente, no balcão mais próximo do miradouro, a aguardar, e nada se passou!
Como chegar:
Em Calafate tem de se madrugar para ir a Perito Moreno e aproveitar o dia. A distância é de 80 quilómetros por estrada de asfalto.
No nosso caso foi levantar às 5.30h para estar nos escritórios da Hielo y Aventura às 7h, com equipamento adequado para frio e vento. O programa era fazer um trekking de hora e meia sobre o glaciar. A Hielo é concessionária do Parque Nacional Los Glaciares e prestou um serviço profissional e simpático. A viagem de autocarro levou mais de uma hora.
Deu para ver um pouco mais da estepe patagónica com muitas vacas e cavalos. Alguns dos animais estavam dispersos na vastidão da paisagem. A estrada abria caminho para o nada. O horizonte, amplo, era dominado, ao longe, pelos Andes, castanhos, desnudados, apenas com alguma vegetação rasteira.
Quando entrámos na zona montanhosa, tudo mudou. A vegetação era semelhante à savana. Árvores cobriam a encosta e o contraste com o Lago Argentino já não era tão intenso.
A estrada até ao parque era toda asfaltada e muitos dos turistas não resistiram a uma soneca: uma das particularidades dos programas em Calafate é que começavam todos muito cedo, nem se percebia bem porquê e foi razão de queixa de alguns turistas.
O bilhete para ingresso no parque foi de 260 pesos para os portugueses. Os do Mercosul pagavam menos e era ainda mais barato para os locais (este é um procedimento habitual em estruturas públicas na Argentina e Chile).
Ao contornarmos uma montanha, abriu-se no horizonte uma visão espetacular: o verde do lago era confrontado com uma barreira alta, estática, azul e branca, com meios tons e formas pontiagudas no topo. Parecia o exército de terracota de Xian mas em matéria branca. Tivemos sorte, praticamente não choveu e ainda deu para termos as boas-vindas com um arco-íris.
Atravessámos de barco o Lago Rico, com vista para a frente do glaciar e com a promessa de, no regresso, a viagem ser próxima do Perito Moreno. Não foi bem assim. Na verdade, um outro barco fazia essa travessia, mesmo em frente à parede do glaciar. Devia ser o outro programa da Hielo.
Já em terra firme, fomos até um refúgio, onde foi possível deixar algumas coisas e ficar mais leve para a caminhada no gelo.
O caminho até ao glaciar demorou cerca de 20 minutos a percorrer e deu para comer bagas do arbusto Calafate. Frutos silvestres escuros e não muito doces. Alguns membros do grupo aproveitaram esta primeira caminhada para se darem a conhecer e apreciar a perspetiva do espaço aberto frente ao glaciar.
Após a caminhada, deu-se o regresso ao abrigo, tempo para comer alguma coisa, muitas fotos, transporte de barco e rodoviário até ao Miradouro e depois regresso a Calafate.
Para a caminhada no Perito Moreno deve levar calçado apropriado de caminhada e com sola dura para ajudar a estrutura de grampos a fixar-se. Roupa para frio e vento, água, óculos de sol, protetor solar e nada mais, caso vá com a Hielo.
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