Mas era tempo de rumar até uma das maiores pérolas da costa do Adriático, a charmosa Kotor, que deve o seu nome a Lobceb, a montanha negra, assim apelidada devido à tonalidade dos bosques que cobrem o seu cume. Esta cidade do sudoeste de Montenegro, erguida entre imponentes montanhas, que assistiram à sua fortificação, consequência dos constantes ataques do império otomano, é classificada como Património Histórico e Cultural da Humanidade pela UNESCO. Apesar de haver alguns trechos danificados devido ao terramoto de 1979, as muralhas permanecem relativamente conservadas, sendo a parte mais antiga do século XI e a mais recente do século XIV. Embora inundada de turistas, na sua maioria de cruzeiro, e de gatos, tendo estes inclusive um museu que lhes é dedicado, conseguimos nas nossas caminhadas e subida à muralha encontrar tranquilos cenários idílicos e suspirar por tais fiordes!
Situada dentro de uma das mais belas baías do mundo, ladeada por imponentes cadeias de montanhas, motivo pela qual é frequentemente comparada aos fiordes noruegueses, o acesso à Cidade Antiga (Stari Grad) faz-se através de três portões que preservam as relíquias medievais desta urbe. O seu denso labirinto, caracterizado pela estrutura simétrica das ruelas sinuosas e empedradas, assim como das suas praças, deve ser desfrutado, aos poucos, de modo a se conseguir absorver a ancestralidade das igrejas centenárias, dos palácios e das casas senhoriais.
Em verdade, muitos são os locais a visitar, pelo que acabamos por dar especial atenção à Praça de São Lucas, às Igrejas de São Lucas e São Nicolau (as duas únicas basílicas ortodoxas na cidade, ainda que com uma diferença de sete séculos entre ambas), e à Igreja de Santa Maria, a primeira da cidade e que está localizada muito próxima do Portão do Rio. Um destaque nesta igreja são os portões de bronze com representações de fases da vida da Beata Hosana de Kotor.
Outra praça importante é a de São Trifão, onde se situa a Catedral de São Trifão, sendo esta uma das poucas igrejas católicas em estilo românico, além de uma das mais antigas da Europa. Possui uma rica coleção de obras de mestres locais da época dos séculos XIV‑XVIII e relíquias de ouro e prata. De destacar ainda a Praça das Armas, alcançável diretamente através do Portão do Mar, e a Torre do Relógio, edificada em 1902, durante a ocupação napoleónica.
Depois de revelados os recantos do centro histórico é absolutamente obrigatória a subida até ao topo da fortaleza, no Castelo de São João. Uma estirada de 1350 degraus pela cintura defensiva que serpenteia a colina presenteia-nos com um miradouro lindíssimo sobre a Cidade Velha e a Baía de Kotor. Entre pequenas paragens, para melhor desfrutar da senda, esforço e vista, como por exemplo na Igreja da Nossa Senhora da Saúde, íamos entretendo o pequeno X com um poema de Eugénio de Andrade trauteado, ainda que deveras improvisado, tal a sua alegria com os inúmeros gatos que havia avistado naquele dia:
“Gato dos quintais, gato dos portões, gato dos quartéis, gato das pensões. Vêm da Índia, da Pérsia, de Ninive, Alexandria. Vêm do lado da noite, do oiro e rosa do dia. Gato das duquesas, gato das meninas, gato das viúvas, gato das ruínas. Gatos e gatos e gatos. Arre, que já estamos fartos!”
Finalmente alcançado o topo, reinou o silêncio, tal o cansaço e o deslumbre com o panorama, apenas interrompido pela súbita e empolgada expressão do Viajante X: “ O GA!!!”
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