Olá – kistá (in tharu) Namasté
Como está? – Kastousa
Obrigado – Anibar
Por favor – kirpaiá
Rinoceronte – (em tharu) – ghaira
No início da viagem deu logo para entender que ia ser uma longa aventura. Em Hong Kong duas nepalesas, já de idade, sentaram-se ao nosso lado. Apesar do calor, as mulheres tinham vestidas, pelo menos, quatro camisolas de lã grossa. Só o ar asfixiante do avião as levou a tirar algum vestuário. Depois destes preparativos arranjaram um adorno, um cordão que atravessava a orelha e era preso no nariz.
A tripulação proibia a colocação de bagagem de mão nas prateleiras. Como os nepaleses levavam inúmeros sacos e caixotes de papelão, tinham de os colocar entre os bancos. As mulheres que seguiam ao nosso lado tinham todo o espaço ocupado e tiveram de fazer a viagem com as pernas dobradas em cima dos volumes. Uma surpresa. Difícil de perceber com tantas medidas de segurança!
Mais fatalistas foram outros dois turistas que, apesar de o avião já ter as portas fechadas, após vários berros, obrigaram a tripulação a suspender a partida. Os turistas alegavam falta de condições de segurança. Abandonaram o aparelho. Eram capaz de ter razão. Após algumas horas de voo e sofrimento, chegámos a Kathmandu.
O aeroporto parecia uma estação rodoviária de uma vila do interior de Portugal. Num balcão de madeira tivemos de pagar 10$USD para o visto de entrada. A chegada foi de noite e o aeroporto estava cheio de turistas ocidentais. A reserva das duas primeiras noite tinha sido feita na agencia de viagens. Nesta altura, final dos anos 80, não havia internet, só telefone ou fax e o único suporte era um livro/guia.
Fomos para o Mount Makalu e o transporte foi num táxi que já devia ter mais de 50 anos. O hotel também não era novo e o serviço deixava muito a desejar. Tinha uma piscina mas, com o tempo que estava, seria mais útil uma lareira. O Makalu não era barato e ficava longe do centro da cidade. O ideal era mudar de alojamento.
Os dias seguintes foram ocupados com passeios na zona histórica de Kathmandu. Regredimos um século. Uma estupidez (valia mais não a estar a contar) inviabilizou o registo de muitas imagens no primeiro dia – carreguei mais de 30 vezes no botão da máquina fotográfica. Estranho. O rolo era de 22 fotogramas. Pois é. Esqueci de colocar o filme! Perdi a imagem da barbearia debaixo de uma árvore, mas numa elevação de terra que fazia de rotunda. O barbeiro estava a fazer a barba a um homem completamente alheados do que se passava em redor.
As ruas eram estreitas, cheias de gente, de lixo e quase tudo com ar degradado. As casas tinham um a dois andares. O rés-do-chão era muito pequeno e, em alguns casos, eram pequenas lojas de produtos agrícolas ou de artesãos.
As casas eram feitas de madeira ou de pequenos tijolos avermelhados. As praças estavam cheias de gente. Nos largos havia vendedores ambulantes de frutas e souvenirs. Nas esquinas vendia-se haxixe e ópio.
Além dos nepaleses encontravam-se muito ocidentais. A maioria com aparência de hippies. Estavam por todo o lado. Nas praças, ruas estreitas e nos hotéis mais baratos. Em alguns pontos de maior interesse turístico, também havia muitas bancas a vender artesanato do Nepal e do Tibete.
Fora da China, este era o único ponto de passagem para os produtos tibetanos. Um desses produtos eram quadros pintados minuciosamente. Com figuras religiosas muito pequenas e em tons predominantemente dourados. Nos grandes hotéis, mais caros, era também frequente a venda de artesanato. De outros países desta região.
Comprámos um tapete de Kashmir por 50 $USD. Tinham pedido o dobro. Para ir embora, porque só queria ter uma ideia do preço, regateei com este valor. O vendedor aceitou e tive de o comprar. A maioria destes hotéis ficavam na zona mais moderna da cidade, que é praticamente dividida pelo rio Bishnumati.
Do outro lado do rio fica a Ghantaghar Clock Tower e o Kathmandu Durbar Square, considerado património mundial pela UNESCO.
A Ghantaghar Clock Tower, significa casa das horas, é um edifício histórico em Kathmandu. Foi a primeira torre com um relógio. A torre actual foi reconstruída após o terramoto de 1990.
O Kathmandu Durbar Square era uma área extensa, cheia de pequenas construções, praças, ruas estreitas, mercados e templos.
Os lugares religiosos estão em quase todos em largos e são budistas ou hindus. Figuras alusivas a cada uma destas religiões encontravam-se em vários locais dos templos, como também altares onde são colocadas oferendas e pivetes.
Em Kathmandu havia um número significativo destes templos. No entanto, do que vimos, talvez a maior concentração de templos fosse no distrito de Lalitpur, em particular na cidade de Patan. Fica a cinco quilómetros de Kathmandu e a zona histórica da Praça Darbar ou Darbar Hanuman Dhoka faz também parte da lista de património mundial. Nesta praça havia inúmeros templos.
Na zona onde estava o museu e três templos Vishnu, destacava-se a Yoganarendra Malla’s Column. Um pilar muito alto e em cima estava uma estátua em bronze do rei Yoganarendra Malla (1684–1705) com uma cobra atrás e várias aves.
Uns metros mais à frente, um tanque onde mulheres lavavam roupa. Na praça Darbar o ambiente era diferente. Havia mais turistas e as crianças aproveitavam para captar a atenção e uma gorjeta. Uma delas, convencida de que eramos espanhóis, citou meia dúzia de cidades espanholas.
Uma outra particularidade desta zona mais procurada pelos turistas é que estava repleta de pontos de venda de artesanato, essencialmente em cobre. Em Patan, como também em Kathmandu, havia muitas vacas a circular livremente nas estradas. Por vezes os polícias eram obrigados a parar o trânsito nos cruzamentos e dar algumas palmadas nas vacas para elas passarem depressa. Kathmandu tinha, em 1988, muitos carros mas não de forma a provocar longas filas de trânsito.
Um outro meio de transporte, largamente utilizado, era a bicicleta. Onde se notou menos o efeito do trânsito e da forte densidade populacional de Kathmandu foi nas zonas novas. Eram espaços abertos, com árvores e estradas mais largas. É aqui que fica o Palácio de Narayanhity, no fim da Darbar Marg, uma das vias principais. Era a residência do rei cuja fotografia se encontrava espalhada pelas paredes oficiais e também em casas particulares. Após grandes convulsões políticas, o governo foi destituído, o Partido Comunista (maoísta) tornou-se a maior força partidária, a monarquia foi abolida e em 2008 realizaram-se eleições presidenciais.
O palácio era um edifício imponente, desenhado como um pagode oriental, com jardins e, além de cercado, era fortemente policiado. O Palácio de Narayanhity fica também na história do Nepal quando, em 2001, o herdeiro do trono, o príncipe Dipendra, matou os pais e mais seis pessoas e suicidou-se de seguida.
Era neste quarteirão que se encontrava um grande número de agências de viagens. Tinham uma oferta variada. Visitas a locais próximos de Kathmandu, preparação e organização de viagens até aos Himalaias, onde muitos turistas fazem trekking na companhia dos Sherpas. A preparação destas viagens demora alguns dias. Tem de haver tempo e uma preparação prévia. Para quem não quer ir aos Himalaias, pode ver o pôr do sol com os Himalaias em fundo. Foi o que fizemos. Fomos até Nagarkot ver o pôr do sol no Evereste. Os 32 km de distância foram cansativos. Muitos buracos na estrada e o caminho foi a serpentear as montanhas. Se por um lado a viagem era cansativa, por outro lado, revelou uma visão mais concreta do dia a dia dos nepaleses nessa altura. As povoações aqui eram mais pobres, sujas e o povo ficava no campo ou na estrada a ver passar os turistas.
Em Nagarkot, tivemos de fazer uma caminhada. Até ao ponto mais alto que fica a 2,175 metros de altitude.
Sentia-se o efeito da pressão e do frio. O que não deu foi para ver o cume do Evereste devido ao nevoeiro.
A montanha era uma torre de babel. Observámos os Himalaias durante alguns minutos, com o pôr do sol. Apesar do nevoeiro, o efeito foi espectacular. Os olhos tinham dificuldade em acompanhar a profundidade de campo.
A vastidão do horizonte, ao mesmo tempo que se sentia um vazio, um esquecimento, com o silêncio por vezes interrompido com o silvar do vento.
Ao fim de algum tempo, ficou desagradável. Gélido.
Descemos o monte e fomos a um restaurante/hostel com dois quartos. Tomar chá. Devido ao negro dos copos não chegámos a beber.
Pode parecer ridículo mas nunca fomos a um restaurante de rua. A falta de confiança levou-nos sempre a restaurantes de hotéis.
O do Makulu não era muito bom e passados os dois dias da reserva, mudámos de hotel. Fomos parar ao norte da cidade, próximo do Palácio, ao hotel Ambassador.
Além de ficar mais bem situado, era hospitaleiro e com uma excelente relação qualidade/preço. Tinha (e ainda tem) um jardim e era muito mais asseado. No primeiro dia fomos recebidos por uma barata no quarto. Foi apenas para dar as boas-vindas. No restaurante do hotel provámos vários pratos, a várias horas do dia. A única dificuldade é que eram muito picantes. Tomei nota do Masu Ra Bhat: galinha com caril, verdura com caril mais picante, batatas com tomate e couve flor em caril, arroz branco com ovo estrelado, dhal (molho de lentilhas com salsa e caril) e, por último, salada de rabanetes, cenoura, tomate e cebola. Nesta refeição a sobremesa foi iogurte com canela e raspa de limão. Saboroso.
Na partida para a Índia a história não acabou. No aeroporto, na entrada para a “sala de espera” os passageiros não podiam entrar com isqueiro. Teve de se colocar na bagagem de porão. Resultado: quando cheguei a Nova Deli o cadeado estava rebentado, o fecho estragado, sem isqueiro, despertador, maços de tabaco e, pior de tudo, sem vários rolos fotográficos com imagens do Nepal. Já não bastava uma tarde perdida sem o rolo na máquina!
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