Por Emília Matoso Sousa
Os Caminhos de Santiago
Falar dos Caminhos de Santiago é falar de uma tradição que vem do séc. IX. É falar dos percursos feitos a pé até Santiago de Compostela para venerar as relíquias do Apóstolo Santiago Maior, um dos doze de Jesus Cristo. Crê-se que este apóstolo terá pregado a doutrina cristã na Hispânia (nome dado à Península Ibérica durante a Roma Antiga) e que, não tendo sido bem sucedido, voltou à Judeia, onde acabou por ser martirizado. O seu corpo terá, então, sido transportado para a Galiza para ser sepultado, tendo o seu túmulo sido, alegadamente, descoberto por volta dos anos 820/830. Aí se ergueu a catedral em sua homenagem e aí cresceu Santiago de Compostela, que se tornou destino de uma das mais importantes peregrinações da Europa Medieval. Apesar de, durante alguns séculos, essas movimentações terem perdido alguma força, a partir de 1980, a prática foi sendo gradualmente recuperada e, atualmente, muitos milhares de peregrinos, provenientes de muitos países, percorrem essas rotas.
Sobre o Caminho Português
O Caminho Central, cujo início é em Lisboa, ocupa um lugar relevante na tradição jacobeia. Porém, considerando o reduzido número de estruturas de apoio entre Lisboa e Porto, é a partir desta última que grande parte dos peregrinos ruma à Galiza. É um itinerário muito importante, sobretudo a partir da independência de Portugal no séc. XII, e do seu traçado fazem parte estradas e caminhos antigos, como a Via XIX, estrada romana construída no séc. I d.c., que ligava Braga a Astorga, passando por Ponte de Lima, Tui, Pontevedra, Santiago e Lugo. Como curiosidade, a relevância deste fenómeno em Portugal era tal que a própria rede rodoviária se viria a configurar, de Sul para Norte, de acordo com os lugares que o Caminho ia fixando para a Galiza: Lisboa, Santarém, Coimbra, Porto, Barcelos, Ponte de Lima, Valença do Minho.
Do Porto a Santiago
É este o percurso feito pela maioria dos peregrinos que fazem o Caminho Português. Há ainda quem prefira iniciar a sua peregrinação apenas em Valença do Minho (circa 124 Km), ou em Tui, a última cidade de onde é possível partir sem se perder o direito à Compostela. Já os ciclistas terão de percorrer, no mínimo, 200 Km.
A Compostela é o documento que certifica a realização do Caminho, é atribuída pelas autoridades eclesiásticas e recolhida no Gabinete de Atendimento ao Peregrino da Catedral de Santiago. É também aqui que se obtém o certificado de distância dos quilómetros percorridos. Para a obtenção da Compostela e do Certificado de Distância, o peregrino deverá ter uma Credencial, a qual tem de ser carimbada pelo menos duas vezes por dia.
O meu ponto de partida: Valença
Simbolicamente, iniciámos o Caminho em terras lusas. Viajámos, de véspera, para Valença, onde pernoitámos, e revisitámos esta cidade fronteiriça dona de um património histórico e arquitetónico de grande interesse. O destaque vai para a sua fortaleza, uma das principais fortificações militares da Europa, cujos cinco quilómetros de muralha guardam um rol de memórias com muitos séculos. Um passeio descontraído pelas suas ruas, onde já são visíveis marcas do Caminho, encerrou em grande o nosso processo de preparação.
O dia terminou com um jantar no sugestivo Fronteira Gastro Bar, mesmo ali à beira da ponte sobre o Minho. Um espaço muito agradável, onde se servem petiscos tradicionais e outros inspirados na gastronomia dos ‘nuestros hermanos’ a preparar-nos já o palato para os dias se seguiriam. O Caminho esperava-nos no dia seguinte bem cedinho. Agora, era hora de ir descansar.
O relato da Emília continua em Os primeiros quilómetros e a primeira lição do Caminho: "precisamos de muito pouco para estar bem"
A Emília Matoso Sousa é a autora do blog Caminhos Mil, onde escreve sobre as suas caminhadas pelo país. "Apenas pretendo guardar algumas das histórias e memórias que trago desses percursos e partilhá-las com quem, como eu, aprecia as coisas simples da vida..", conta.
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