O Sri Lanka é o melhor país do mundo para observar elefantes asiáticos na natureza, contudo, é também o país onde o conflito entre humanos e elefantes acontece de forma mais intensa, causando baixas em ambos os lados todos os anos. Fomos conhecer um projeto que traz uma nova esperança para esta questão, envolvendo ciência, turismo e comunidade de forma a preservar a vida selvagem.

Números oficiais indicam que ainda existem cerca de cinco a seis mil elefantes livres na natureza neste pequeno país asiático do Pacífico, mas é difícil contá-los. O que se sabe é que os elefantes têm cada vez menos espaço para circular sem que se encontrem com humanos. Destroem plantações e danificam estruturas. Os humanos tentam afugentá-los com armadilhas que são, por vezes, fatais. No ano passado, morreram 433 elefantes e 145 pessoas neste conflito.

Sri Lanka: há uma nova esperança para o conflito entre elefantes e humanos
Elefante no Parque Nacional Kaudulla, Sri Lanka créditos: Alice Barcellos

A maioria dos turistas não tem acesso a esta realidade quando visita o Sri Lanka pois procura observar os elefantes selvagens nos parques nacionais através de safaris. Fica a faltar, todavia, o enquadramento geral da situação, bem como conhecer o outro lado, o das comunidades locais que têm de conviver com os maiores animais terrestres do planeta.

Não sendo um conflito novo, existe agora uma abordagem inovadora em curso para tentar mitigá-lo. E se a solução passasse não por afugentar os elefantes de onde estão os humanos, mas sim proteger as áreas habitadas da passagem dos elefantes? Parece complicado, mas depois de conhecer este projeto da TUI Care Foundation, em parceria com o Centro de Conservação e Pesquisa do Sri Lanka (CCR) e o operador turístico Cinnamon Nature Trails, vai perceber que pode ser mais fácil estar do lado da solução do que do lado do problema.

Encontro marcado com os elefantes

Estamos a meio de setembro, no auge da estação seca no norte do país, o que faz com que hordas de elefantes se desloquem em busca de água e alimento. Numa coluna de jeeps, saímos de Habarana, uma pequena cidade do estado de Anuradhapura, porta de entrada para dois parques nacionais que nesta altura do ano recebem um fenómeno conhecido como The Gathering. E é para lá que nos dirigimos.

“É o maior encontro de elefantes asiáticos do mundo, sendo possível ver cerca de 200 elefantes durante um safari”, explicou, na noite anterior, Chitral Jayatilake, responsável de ecoturismo da cadeia hoteleira Cinnamon Hotels & Resorts.

Além de Chitral, segue connosco no safari Prithiviraj Fernando, conhecido como Pruthu, um dos cientistas responsáveis pelo CCR e um grande estudioso dos elefantes do Sri Lanka – acompanha-os há 30 anos e estuda o The Gathering há mais de uma década.

Encontro marcado com os elefantes
A caminho do Parque Nacional Kaudulla para observar o "The Gathering" créditos: Alice Barcellos

Desde que a Lonely Planet elegeu esta reunião de elefantes como um dos maiores encontros de animais do mundo, aumentou também o interesse turístico em acompanhar o evento. Assim, enquanto nos dirigíamos ao Parque Nacional Kaudulla não nos surpreendemos com o tráfego intenso de jeeps de vários operadores turísticos que realizam safaris pela região. Mesmo antes de chegarmos ao parque, conseguimos ver um grupo de elefantes que se alimentava à beira da estrada. Depois de observação e muitas fotografias, seguimos caminho em direção ao parque pois o melhor ainda estaria por vir.

Entre a vegetação, nas estradas de terra batida do Kaudulla, os guias da Cinnamon Nature Trails que nos acompanham têm olhos afiados e indicam-nos vários animais pelo caminho: pássaros, macacos e lagartos, há muita vida selvagem para observar. Até que chegamos numa planície, com um grande lago ao fundo, e começamos a avistar os protagonistas do dia.

Encontro marcado com os elefantes
créditos: Alice Barcellos

Dezenas de elefantes conviviam e circulavam pelo espaço. A maioria eram hordas compostas por fêmeas e crias, já que os machos são expulsos quando atingem 12 a 13 anos. Alguns grandes machos vagueavam solitários, talvez em busca de uma companheira para acasalar. Crias brincavam umas com as outras, num verdadeiro cenário de “BBC Vida Selvagem” ou de “National Geographic” que assistíamos através das janelas e tetos abertos do nosso jeep.

Naquela tarde, observamos cerca de 50 a 60 elefantes livres na natureza, comprovando a afirmação de que o Sri Lanka é o melhor país do mundo para contemplar elefantes asiáticos selvagens (saiba mais sobre os elefantes asiáticos na galeria de fotos acima). Isso acontece também porque é nesta ilha com forma de lágrima que existe a maior densidade de elefantes asiáticos, ou seja, o maior número de elefantes em relação ao tamanho do país.

Elefantes e humanos, vive e deixa viver

Não muito longe dali, na aldeia de Bendiwewa, cerca de 180 famílias tentam encontrar o equilíbrio na convivência pacífica com estes animais. Vidas simples, dedicadas à agricultura, onde o cultivo de arroz tem um papel relevante e é o sustento de muitos.

A cerca de 45 quilómetros de Habarana, num caminho que passa por estradas de terra batida, casas modestas entre a floresta e crianças que acenam à passagem de cada jeep, chegamos a Bendiwewa sob um sol escaldante.

À chegada, avistamos um elemento que marcava a diferença: cercas elétricas delimitavam casas da aldeia, algo que, até então, não tínhamos observado noutros povoados que passamos durante a viagem.

Elefantes e humanos, vive e deixa viver
Chegada a Bendiwewa créditos: Alice Barcellos

Estas cercas fazem parte do projeto levado a cabo pela TUI Care Foundation. Chama-se Live and let live: a solar solution for Sri Lankan communities and elephants (Vive e deixa viver: uma solução solar para as comunidades e os elefantes do Sri Lanka, numa tradução livre).

Caminhamos até um pequeno quadro elétrico com um painel solar no topo que alimenta os quatro quilómetros de cercas colocadas, há um ano, de forma a proteger as casas da aldeia, em lugares que os elefantes habitualmente tentam aceder. Um sistema simples que pode ser mantido pela própria comunidade. Aí estão duas grandes diferenças e trunfos deste projeto.

Em primeiro lugar, ao invés de isolarem os elefantes nos parques nacionais e áreas protegidas, como já acontece com outras cercas elétricas, neste caso, tenta-se proteger apenas áreas habitadas, onde os elefantes, potencialmente, podem causar estragos à procura de comida, e não travar a rota dos animais. De acordo com dados apresentados pelo CCR, as cercas elétricas instaladas nos parques nacionais não resultaram como o esperado pois os animais acabaram por danificar as estruturas de forma a conseguir passar ou a falta de manutenção levou ao seu deterioramento.

Elefantes e humanos, vive e deixa viver
Prithiviraj Fernando, conhecido como Pruthu, um dos cientistas responsáveis pelo CCR junto ao quadro alimentado por energia solar créditos: Alice Barcellos

Além disso, a maioria dos elefantes no Sri Lanka não vive apenas nas áreas protegidas, onde não há presença humana, pelo contrário, os animais dividem o espaço com os humanos, o que leva ao aumento do conflito. “Em 62% do país há elefantes, e em 44% do país há elefantes e pessoas”, afirmou Pruthu, um dos responsáveis pela execução do projeto no terreno.

Em segundo lugar, estas cercas são da responsabilidade da comunidade, que tem ao seu encargo a instalação e a manutenção, sendo, portanto, mais fácil conseguir reparar possíveis danos. As cercas que visitamos protegem a área habitacional, existindo, ainda, uma outra cerca que pode ser instalada nas plantações de arroz. Com o fim da colheita, a cerca é retirada, abrindo caminho à passagem dos elefantes.

O acompanhamento destes animais pelo CCR provou que “deslocá-los não é a melhor solução”, disse Pruthu, lembrando que “agressão causa agressão”. Sentindo-se ameaçados, os animais podem ter comportamentos agressivos com os humanos. Portanto, a solução pode passar por “proteger as pessoas e deixar os elefantes onde estão”, declarou o professor especialista nestes animais e no conflito entre humanos e elefantes, sublinhando também que o choque elétrico das cercas não magoa elefantes nem humanos.

Visitar Bendiwewa e conhecer esta realidade

A aldeia de Bendiwewa foi escolhida para receber o projeto por ter havido um consenso entre todos para a instalação e manutenção das cercas, o que nem sempre acontece em outras povoações. O contentamento dos habitantes que nos receberam com sorrisos tímidos é a prova mais visível de que a solução está a funcionar.

“Se isso for implementado, podemos ajudar os elefantes e as pessoas a conviver”, afirmou, num tom cerimonioso, Hendrik Ekanayaka, um dos líderes da aldeia, antes de convidar o nosso grupo a experimentar iguarias tradicionais confecionadas especialmente para a ocasião.

Visitar Bendiwewa e conhecer esta realidade
Mulheres de Bendiwewa créditos: Alice Barcellos

Conhecer esta realidade e contactar com os habitantes locais é a outra vertente do projeto. “Consiste numa experiência em que os turistas conhecem o projeto e a aldeia. É algo que lhes toca o coração. Os turistas veem a vida selvagem, mas não conhecem o outro lado de viver com os elefantes. É uma forma de consciencializar as pessoas”, enquadrou Chitral Jayatilake, responsável de ecoturismo da Cinnamon Hotels & Resorts.

Num pequeno atelier, emoldurado pela vegetação luxuriante que cerca a aldeia, um artesão trabalhava a prata e criava pequenos pingentes de elefantes que podem ser levados para a casa como um souvenir especial que também é uma forma de ajudar estas famílias. Apesar do conflito, “as pessoas são tolerantes com os elefantes”, considerou Pruthu. Este é um animal simbólico no país, tanto na cultura como na religião.

Crescimento da população e alterações climáticas

Com a conclusão do projeto em vista, em dezembro, um dos objetivos passa por apresentar um relatório ao governo numa tentativa de que o modelo de Bendiwewa possa ser aplicado em mais lugares, com o apoio e financiamento de entidades públicas.

“Estamos a trabalhar com o governo, no departamento de conservação. Ter exemplos como este ajuda a fazermos pressão”, referiu Pruthu.

O cientista reconhece que o futuro reserva grandes desafios ao conflito entre humanos e elefantes no Sri Lanka. Um deles prende-se com o crescimento populacional e o outro com as alterações climáticas. Para o cientista, “os elefantes não serão afetados diretamente pelas alterações climáticas, mas os humanos, sim”. A necessidade de expandir a atividade agrícola vai fazer com que haja menos espaço para os elefantes, bem como o crescimento da população.

Não existem respostas simples para um problema complexo, mas a aposta na conservação da vida selvagem e no bem-estar das comunidades deve estar no topo das prioridades das soluções apresentadas, em que o turismo sustentável também tem um papel importante.

O SAPO Viagens foi ao Sri Lanka a convite da TUI Care Foundation