“A forma de sapato maior que temos aqui é número 46, mas tivemos de nos reinventar para fazer uma 53. Levei uma semana a fazer os dois pares de sapatos do miúdo”, conta à Lusa o sapateiro, de 64 anos, enquanto segura um tecido de pele de crocodilo usado para fazer calçado.
Abílio Sumbana aprendeu o ofício com o seu tio, aos 14 anos, e depois continuou a trabalhar em duas fábricas.
Passados 12 anos, com apenas “um banco pequenino e umas três ferramentas”, decidiu abrir a sapataria Afrybunhe no quintal de casa, no bairro Chamanculo, no subúrbio de Maputo, onde hoje mostra a sua coleção.
Os pais do adolescente chegaram até Abílio por indicação do gerente de uma fábrica de sapatos, depois de percorrerem todas as lojas da capital moçambicana sem que encontrassem um par que lhe servisse.
“Quando vi o pé do miúdo, disse a mim mesmo que não seria fácil, mas aceitei o desafio. Foi tudo feito à mão”, diz Abílio, referindo que é o maior número de sapato que já fez nos 33 anos de trabalho.
Logo à entrada da fábrica artesanal estão à vista sapatos pendurados numa pequena montra e tecidos de peles de diversos animais, entre as quais de crocodilo, avestruz e vaca, aguardando para serem usados.
Lá mais para o fundo da oficina, há três homens sentados a fabricar sapatos, um dos quais filho de Abílio, rodeados de diversas ferramentas, montes de formas e moldes, máquinas de costura e garrafões de cola.
“Aqui é tudo feito à mão, as máquinas que tenho são só para lixar e costurar”, explica Abílio, referindo que é um trabalho que requer “muita paciência e cuidado”, enquanto faz os últimos ajustes no sapato de uma senhora.
Os preços da sapataria Afrybunhe variam entre 5.800 meticais (82 euros) e 18.000 meticais (255 euros) a avaliar pelo tipo de sapato e, acima de tudo, pelo tipo de pele usada no fabrico - crocodilo e avestruz na lista das mais caras.
O material para a produção é obtido na África do Sul e na China, o que acarreta grandes custos, explica Abílio, lamentando a morte do seu amigo português que lhe comprava o material em Portugal.
Além do número 53, o sapateiro já fez sapatos para uma pessoa com elefantíase, doença que pode causar crescimento desmesurado de alguns membros, além de fabricar também para pessoas com deficiência.
“Uma organização contactou-me para fazer sapatos para crianças com pé boto e que são depois distribuídos pelas casas ortopédicas do país”, destaca Sumbana.
Em média, a sapataria leva dois dias a fabricar um par de sapatos e, por isso, os calçados são feitos apenas por encomenda, sendo a pele de vaca a mais procurada.
Segurando um sapato castanho feito com este material, Abílio garante qualidade no que produz, referindo que os seus sapatos podem ser usados por mais de um ano sem que se estraguem, para quem os souber conservar.
Aliás, passados dois anos, o adolescente de 16 anos ainda não voltou à Afrybunhe o que, para o sapateiro, significa que os sapatos “ainda estão em dia”.
“Eu invisto muito na qualidade para evitar que o cliente reclame depois de um ou dois meses, pois por se tratar de uma produção local e artesanal esse retorno ia custar-me muito caro”, frisa.
Apesar de ter os homens como o principal público-alvo, a sapataria Afrybunhe tem sido também uma alternativa para mulheres com dificuldades em encontrarem sapatos nas lojas.
“Faço sapatos sobretudo para aquelas senhoras que têm os pés grandes. Quando aparecem aqui eu produzo”, refere Abílio, que tem o sonho de ensinar o ofício aos jovens desempregados do seu bairro.
“A arte é uma riqueza sem preço. Podem levar-me para qualquer lugar e, onde se calçar sapato, vou certamente ter algum rendimento. Não sou homem de ser descartado”, garante.
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