Quando estas mulheres apontaram as bússolas à liberdade de viajar desafiaram também padrões sociais e contribuíram para a luta por igualdade. Foram pioneiras das viagens e conquistaram um lugar na história.
Conheça três mulheres que deixaram um contributo importante através das suas aventuras pelo mundo.
Annie Londonderry: Deixou marido e três filhos para dar uma volta ao mundo de bicicleta
Uma suposta aposta motivou Annie, uma imigrante letã a viver nos EUA, a partir numa viagem pelo mundo de bicicleta. Conta a história que dois homens de Boston lançaram uma aposta no valor de 10 mil dólares de que nenhuma mulher seria capaz de dar uma volta ao mundo de bicicleta.
Vivia-se, na época, um boom das bicicletas, meio de transporte que começou a ser utilizado por muitas mulheres, conferindo uma nova liberdade na forma como se locomoviam e, até, na forma como se vestiam – os bloomers, vestidos com calções por baixo, ganhavam cada vez mais adeptas.
Patrocinada pela Columbia Bycicles, Annie, que não tinha quase nenhuma experiência nas duas rodas, resolveu aceitar o desafio e partir numa viagem de volta ao mundo de bicicleta. Tinha 24 anos, casada e com três filhos.
Partiu de Boston no dia 27 de junho de 1864. Percorreu parte dos Estados Unidos, partindo depois, de navio, para França. Seguiu depois para a Ásia, com paragens no Egito, Sri Lanka, Singapura, China e Japão.
Com muitas peripécias pelo meio, Annie completou a jornada em um ano e três meses. Não fez todo o percurso de bicicleta, como é óbvio. Conseguiu fazer dinheiro durante a viagem através de cartazes publicitários que afixava nas bicicletas utilizadas. No fim, recebeu os 10 mil dólares da “dita” aposta que, na verdade, era uma jogada publicitária. Escreveu crónicas desta viagem para o jornal New York World.
"Sou uma jornalista e uma 'nova mulher', se aquilo que esse termo quer dizer é que acredito que sou capaz de fazer tudo o que um homem faz", Annie Londonderry
A jornada está descrita no livro Around The World On Two Wheels, cujo autor Peter Zheutlin recuperou a viagem da tia-tataravó.
Nellie Bly: Volta ao mundo em 72 dias – um recorde na altura
Elizabeth Cochran Seaman foi uma jornalista, industrial e inventora norte-americana. Começou cedo a trabalhar como jornalista, afirmando, aos 21 anos, que queria "fazer algo que nenhuma outra miúda havia feito antes".
Nellie Bly, como ficou conhecida, foi uma self-made woman que, entre outros feitos, completou uma volta ao mundo em 72 dias, "desafiando" o célebre romance de Julio Verne.
Este foi, aliás, o mote que Nellie Bly apresentou ao seu editor do jornal New York World para realizar esta empreitada. Navios e comboios foram os principais meios de transportes utilizados por Bly, que também teve que recorrer a riquexós e cavalos durante o percurso.
Partiu do porto de Nova Iorque no paquete Augusta Victoria em direção a Londres a 14 de novembro de 1889 - levava pouca bagagem, apenas o vestido que trazia, um casaco e trocas de roupa interior, bem como uma pequena mala com os essenciais de higiene. Levava uma bolsa à volta do pescoço com o dinheiro que usou durante a viagem: 200 libras em notas e ouro, bem como alguns dólares.
Inglaterra, França, Itália, Egito, Iémen, Sri Lanka, Singapura, Malásia, Hong Kong, Japão, China e São Francisco foram as paragens da viagem que ia sendo relatada por telégrafo para o jornal.
Quando da chegada em New Jersey, a 25 de janeiro de 1890, a volta ao globo tinha sido feita em 72 dias, o que valeu a Bly um recorde mundial. As aventuras desta viagem deram um livro: Round the world with Nellie Bly.
Além deste feito, Bly ficou conhecida por uma investigação jornalística em que se internou propositadamente num hospital psiquiátrico de Nova Iorque para mostrar os sofrimentos imputados às mulheres durante os tratamentos. A reportagem "Dez dias num manicómio" teve uma grande repercussão social. O hospital psiquiátrico de Blackwell's Island fez alterações mas ficou para sempre com má fama.
Bly foi pioneira no jornalismo de investigação. Fez também a cobertura jornalística na frente oriental durante I Guerra Mundial, bem como da luta das sufragistas.
"Eu disse que era capaz, e que ia fazer. E fiz", Nellie Bly
Jeanne Baret: Primeira mulher a circum-navegar o globo - disfarçada de homem
Para conseguir entrar na expedição que lhe trouxe o título de primeira mulher a circum-navegar o globo, a francesa Jeanne Baret teve que embarcar disfarçada de homem.
Baret trabalhou como governanta na casa do botânico Philibert Commerson, em Toulon-sur-Arroux. Os dois desenvolveram uma relação íntima, a qual mantiveram em segredo, mesmo quando se mudaram para Paris, após o falecimento da esposa de Commerson.
Em 1765, Commerson foi convidado para participar numa expedição do navegador Louis Antoine de Bougainville, tendo direito a levar um assistente que o poderia acompanhar e ajudar durante a viagem – mulheres estavam totalmente proibidas a bordo. Baret entrou na fragata disfarçada de homem, em 1766, e conseguiu esconder a sua identidade durante dois anos de viagem.
Antes disso, o botânico e o “seu” assistente, que tinham direito a uma cabine fechada no barco, passaram pelo Rio de Janeiro, Uruguai, Patagónia e Estreito de Magalhães, coletando rochas, plantas e animais, que eram estudados a bordo.
Os relatos sobre quando a identidade de Baret foi descoberta não são exatos, mas tudo indica que para se ver livre da acusação de ter uma mulher a bordo, o capitão Bougainville fez com que Commerson e Baret ficassem nas Ilhas Maurícias, durante uma das escalas da expedição. O casal acabou por ficar a viver nas Maurícias, continuando a viajar até Madagascar e Ilha da Reunião.
Até que Commerson faleceu e Baret ficou sem recursos para regressar a Paris e reclamar a sua herança. Só conseguiu regressar a França por volta de 1775, depois de se ter casado com um oficial do exército francês, terminando, assim, a sua viagem de circum-navegação.
Só na década seguinte, o contributo de Jeanne Baret foi reconhecido pela Marinha Francesa que lhe começou a pagar uma pensão. “Jeanne Baret, por meio de um disfarce, circum-navegou o globo num dos navios comandados por Sr. Bougainville. Dedicou-se, em particular, a ajudar o Sr. Commerson, naturalista e botânico, e compartilhou com grande coragem os trabalhos e os perigos desta jornada”, descreve um comunicado da época.
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