Ficámos a conhecer o João Sintra em abril, pouco antes de iniciar o Pacific Crest Trail (PCT), um trilho mítico que atravessa toda a região oeste dos EUA. Aos 33 anos de idade, o enfermeiro lisboeta ambicionava por um desafio físico onde pudesse aplicar toda a experiência que adquiriu na Força Aérea Portuguesa e ao qual pudesse associar uma causa solidária (neste caso, o apoio à Liga Portuguesa Contra o Cancro).

Em julho, fizemos check-in com ele numa altura em que já enfrentava o calor abrasador que marcava o sul da Califórnia. No final de outubro, agora rodeado de neve, o "Wind Breaker" (a alcunha que "ganhou" no PCT) completava a sua caminhada de 4 mil quilómetros na fronteira com o Canadá. Regressado a Portugal, colocámos-lhe algumas perguntas sobre o feito pessoal que alcançou.

SAPO Viagens: Antes de mais, parabéns, João, pelo teu feito. O que achaste mais difícil nesta aventura?

João Sintra: O mais difícil foi passar por um processo de luto durante o percurso. Eu decidi também levar esta iniciativa para a frente pela condição clínica do meu avô, que sofria de cancro, mas sempre tive a esperança de terminar e ele conseguir presenciar a minha chegada e ficar orgulhoso do meu percurso, mas infelizmente assim não aconteceu. Foi um abalo na minha confiança e um desmoronar de certos objetivos, pelo que tive de gerir todo o sentimento de perda e de me voltar a reinventar para ganhar força para continuar.

Foram 155 dias a caminhar, "fora do mundo". Do que vais sentir mais falta nesta experiência?

É difícil individualizar uma só coisa, visto que esta experiência nos rodeia com uma envolvência especial, composta por vários fatores. Sem dúvida que irei sentir muita falta dos meus companheiros de viagem, por terem sido uma verdadeira família para mim, visto que passámos um longo período juntos, 24 sobre 24 horas. Partilhámos as nossas dificuldades, receios, assim como celebrámos as nossas conquistas e sucessos. Em relação ao caminho, sentirei falta da liberdade nómada, das paisagens e da vida selvagem.

Na "reta" final, sentiste a pressão do tempo? Ou isso não chegou a ser uma condicionante?

O visto [de permanência nos EUA] era válido durante 6 meses, de modo que perante qualquer ocorrência, ainda tínhamos um espaço temporal para tentar gerir a situação da melhor forma. A única pressão que senti, e penso ser transversal a nós os três, era somente a ansiedade de terminar, visto que as condições meteorológicas estavam cada vez mais adversas e, por consequente, a nossa segurança poderia ficar comprometida. A fadiga acumulada ao longo de todo este tempo, em conjunto com o querer estar de novo com a minha família, também foram fatores difíceis de gerir nesta última secção.

Como vai ser voltar à rotina?

Voltar à rotina vai ser desafiante. Será fazer o processo inverso àquele que foi o da minha ida. Terei de habituar o meu corpo a um novo fuso horário, retomar hábitos de alimentação saudável e treino regular e gerir todas as emoções que ainda estão à flor da pele com o facto de estar de volta. É tempo de descansar e recuperar fisicamente, aproveitar o tempo com a família e amigos e aceitar de coração aberto os frutos de toda esta experiência. A nível profissional, também estarei na expectativa para saber que portas se abrirão, seja a nível de enfermagem ou algo diferente.

João Sintra
João Sintra O João junto à primeira etapa do PCT, no sul da Califórnia, no início de maio créditos: Instagram.com/unknown_eta_road/

O que pensas que se segue para ti em termos de desafios físicos?

Perante o que acabei de completar, torna-se impossível não começar a pensar numa próxima aventura. Um dos desafios por agora será recuperar algum peso, ganhar rotinas saudáveis e ter um bom ponto de partida para começar a trabalhar no próximo objetivo. Num futuro próximo gostaria de mostrar alguma versatilidade e fazer algo diferente. Embora não sabendo quando vai ser possível, dado a grande despesa financeira que todo o projeto do PCT envolveu, estou a pensar arriscar a minha participação na "Marathon des Sables" no Deserto do Sahara.

E o que dirias a alguém que esteja a pensar repetir a tua façanha?

É comum vermos alguns testemunhos relativos ao PCT em que não dão importância à preparação física. Pessoalmente, acho que foi uma mais-valia aquilo que foi uma preparação intensa, regular e atempada, que me permitiu reforçar músculos e articulações e evitar o aparecimento de lesões. A nível mental, considero igualmente importante fazer algum trabalho de casa, isto é, saber exatamente o porquê de se estar a propor a isto, questionar-se acerca de todas as dificuldades que possam surgir e começar a pensar em estratégias para ultrapassar psicologicamente os dias mais difíceis. Por último, é fundamental, visto que percorremos zonas completamente remotas, reconhecer que aquele não é o nosso lugar natural e que nós é que somos o "ser estranho" ali e devemos respeitar a natureza, a vida animal e cumprir com todas as indicações "Leave no Trace".

Podem continuar a acompanhar as aventuras do João a partir do seu instagram.