[O autocarro  Carmona – Margão – que esperávamos – chegou.  Entrámos].

É um autocarro local, viajamos com e como fazem os locais. Não havia nenhum turista. Apenas nós, em família.

O barulho, os solavancos do piso que ainda se faz de terra incerta, as janelas de vidros partidos, os lugares separados para homens e para mulheres. A música – na altura mais generosa que alguma vez tinha experimentado num autocarro – a lembrar-me os (tantos) filmes indianos que ainda ia buscar ao videoclube, quando ainda era essa miúda que já sonhava com a Índia.

[Estamos na Índia, vou repeti-lo aqui como o fazia para mim, lá, enquanto sentia todas as coisas].

As mulheres que, sem qualquer palavra e usando apenas olhos e gestos, insistem para que ele se sente ao meu lado. A regra é esta: os lugares do lado direito são para as mulheres, mas, a partir do momento em que o marido acompanha, se a mulher se sentar ele terá de sentar-se ao seu lado, assim que outros homens entram elas tornam-no bem claro e quase obrigam o Nelson a sentar-se, enquanto ele teimava em oferecer o lugar a outra senhora. Seguimos viagem, os três sentados, com os olhos todos postos em nós.

[Estamos na Índia, vou repeti-lo aqui como o fazia para mim, lá, enquanto sentia todas as coisas].

Aqui estamos ainda longe dos avanços tecnológicos que conhecemos em Portugal, não há qualquer painel que avise – por escrito – a próxima paragem; também não há nenhuma voz computorizada e formatada que se repita todos os dias, de todo os meses, de todo o ano. Mas eu conto-vos como sabemos qual o autocarro certo, e qual a paragem onde queremos sair:

São assobios e palmadas nas portas para o autocarro parar. Um ou dois homens anunciam os destinos dos autocarros repetidamente, sem parar, até ao autocarro voltar a andar. Lá dentro são esses mesmos homens que gritam cada uma das paragens e enquanto o fazem abrem as portas que, depois de todos saírem, voltam a fechar. Não me parece ser possível adormecer num autocarro local na Índia, como tantas vezes acontece em casa.

[Estamos na Índia, vou repeti-lo aqui como o fazia para mim, lá, enquanto sentia todas as coisas].

Chegámos ao nosso destino.

***Continua***

Este artigo foi originalmente publicado em Menina Mundo.