Estávamos sentados quase na beira da água ténue do Tejo. Parecia. É que, enquanto eu perguntava ao Duarte (@duartemmoura) sobre viagens… envergando um pedaço de papel e uma caneta para as minhas notas, captei o rio, a lua muito acesa e uma temperatura que não é normal numa noite de 1 de Novembro. Nós os dois, a escritora e o viajante de hoje, posicionámo-nos de frente para o Atlântico e começou a viagem de repente. O rio Tejo estava mesmo ali, assim como a música do “Lá no Rio”. Sim, em pleno volume da música do ‘sambinha’ neste clube, em Lisboa, decidi ‘mexer’ com as emoções dele e das suas viagens. Eu não esperava é que o Duarte, enquanto sorria sobre cada memória, me causasse também tanta emoção. Enquanto vos escrevo, revivo a nossa entrevista e só me ocorre que estávamos de facto a embarcar, no Atlântico. E do outro lado está, por exemplo, o Rio de Janeiro. Os olhos do Dudu brilham quando refere e mostra as imagens do Rio de Janeiro. Ele recorda-se do período que lá viveu e custou voltar, mas a voz da mãe foi mais forte.

A cidade maravilhosa para o Duarte tem uma energia que diariamente superava as suas expectativas. Acreditem que se ele o diz, é verdade! E desde Outubro as viagens para o Brasil estão facilitadas apesar do estado de calamidade COVID-19 que voltámos a viver. Já nos adaptámos, certo? Não, não nos adaptámos, mas temos de respeitar. Contudo para os viajantes natos que somos… estar só por cá é como uma prisão. As fronteiras portuguesas, subitamente, tornaram-nos refugiados do Mundo. Mas tem de ser! Eu conheço bem o Rio de Janeiro, mas só ele para descrever o que lá sentira. O sorriso escancarou-se ainda mais quando relembrou momentos lá vividos, a cada dia, com cada novo amigo, em cada caminho que fez.  E ele admira-se ainda hoje com a sua energia ‘gémea’ (o Rio de Janeiro). Haverá países a que possamos chamar alma gémea? Pensei nisto agora: vocês teriam um país-alma gémea? Uma coisa é a pátria que amamos, outra é a alma gémea. A do Duarte é o Rio de Janeiro.

E do Rio de Janeiro com o Cristo Redentor voltámos a colocar a vista no Rio Tejo e exatamente com o Cristo-Rei na frente. Seguimos embalados pela música brasileira bem atrás de nós, ali, que continuava a insistir na memória do Brasil enquanto o Dudu fazia scroll nas suas fotografias sobre o país que é nosso irmão, na língua e na saudade. Deste lado de cá, o Duarte relembrou outros destinos recentes que o maravilharam como a Costa Amalfitana e Nápoles. Tem lá imensas histórias sobre pessoas. Aliás este viajante quando clica no seu próximo destino tem um fito: pessoas e a sua cultura. Não interessa sobremaneira se é da praia ou dos templos que a terra é conhecida. Não! As pessoas são a viagem do Duarte. Mais: ele procura o amor das pessoas, a genuinidade, a dinâmica. Fico a questionar-me, qual a vossa ambição quando clicam num destino enquanto pesquisam a próxima viagem. Ou quando vêm ao SAPO Viagens?

Ele recomenda fortemente Nápoles por todos os motivos: as pizzas incríveis, as pessoas que se tornam família num momento só e o acolheram em todo o lado. Literalmente o Dudu foi ‘recebido’ por um senhor mais velho, na rua, que assegurou que o seu carro ficava bem estacionado (numa área em que poderia ser multado) e sobretudo garantiu que ele comia no melhor restaurante possível. De repente estava a família toda do senhor afável a indicar mil e uma coisas simpáticas para o turista português se sentir em casa. Sabem o humor e amor das famílias italianas… que nem sempre compreendemos se estão a gritar por estarem zangados, ou por amor a falar ‘mais alto’? Fez-me isto recordar um dos momentos do filme de Comer, Orar, Amar. Na parte do ‘Comer’ em Itália. Na parte do ‘Amar’ em Bali. Amar seja em todo o Mundo. Seja aqui.

Duarte confiou e seguiu as coordenadas depois de ter estacionado o carro. Quando deu por si, estava a jantar numa sala apenas reservada para ele e com uma vista ampla sobre o mar. Tudo tratado com o amor das famílias gritantes italianas. É bonito ser-se humano, não é? Mas isto tem mais que se lhe diga: o Duarte atrai de facto o que transmite e aquela sala enorme com um banquete saboroso e a melhor qualidade familiar italiana…era resultado dessa atração. É caso para colocarmos um enorme like nesta alma linda que é o Duarte. Eu sei que já referi amor de forma repetida, mas há que dizer algo também: muitas das viagens dele foram com outra forma de amor, paixão. E de entre essas viagens ele recorda, com carinho, viagens de mochila e tenda às costas pelo Sul de Espanha. Confessou-me que teve receio da viagem nesses moldes de tenda, mas foi das suas melhores viagens da vida. O parque de campismo onde aportou não era um mero parque de campismo. Tinha todas as acomodações hoteleiras, com tendas gigantes e muito bem guarnecidas. A dele até era bem pequena, mas foi das experiências mais fabulosas e que recomenda: Espanha, a sul.

Duarte costuma dizer que desde que veio da Cidade Maravilhosa, sente a energia de forma diferente. Nas viagens isto está a acontecer-lhe cada vez mais e nem precisou de se cruzar com outras culturas como o caso da viagem lindíssima que fez a Abu Dhabi.

Não há receios, não há desconfianças na hora de comunicar na rua com os nativos. E tudo flui. Uma coisa é pedir, outra é ocorrer naturalmente o que necessitamos. Outra sensação de pertença do Duarte a um país, mais especificamente uma cidade, foi Budapeste. Quando ele me fala de Budapeste e lança um sorriso ao céu, com os cabelos agitados, percebi logo a sensação dele. Diferente da minha. Eu já conheci Budapeste, cada cantinho. Buda e Peste, tão distintas e misteriosas. Gélida, contudo há algo muito próprio e que eu admiro bastante: a cultura humilde e assertiva de se querer ser culto. Para mim Budapeste é a ‘cidade de livro na mão’. Vi sempre pessoas com livros debaixo do braço, além de casacos, malas, guarda-chuvas. E bicicletas. Para o Duarte Budapeste encantou-o por se assimilar muito a Lisboa e porque ele encontrava ali duas formas de si próprio: estava hospedado num hostel simples, mas ia jantar ao melhor restaurante da cidade. Isto foi algo que a própria gerente do hostel notou no nosso português. Contrastes admiráveis.

Agora digo-vos eu: o facto de Duarte se ter sentido como ‘sendo dali’ é porque Budapeste tem esses dois lados de alma e nenhum dos lados é lunar. Tem a humildade educada e tem a cultura muito elevada. O Duarte (ele não sabe que eu vou incluir isto!) é isso mesmo: duas almas num corpo só. Ele é tão humilde quanto culto. Distingue-se nos seus grupos, sem dúvida. É sim um boémio apaixonado, mas com uma formação em Arquitetura e em Teatro que o tornam preparado para ser ‘pessoa’ do Mundo. Não porque estudou, mas porque tem um trato que só nasce com o caráter e com uma educação cuidada. Tem uma simplicidade que está à vista nas fotografias dele: ora foquem, nos vossos ecrãs, o sorriso dele. Façam zoom nas fotos em que ele dança subtilmente. A serenidade, a energia que ele diz ter trazido do Rio de Janeiro. Eu digo que essa energia já nasceu com ele. Alma bonita com palavra de confiança.

Perguntei ao Duarte sobre Portugal, voltámos a mirar o Tejo. Ele adora Portugal, aqui não se faz discussão. Mas fizemos uma viagem ao passado, nesta altura em que mais celebramos os entes queridos que já partiram num outro tipo de viagem. Ele falou de Trás-os-Montes e da casa de mais de cem escadas que o avô tinha. Recordou as correrias pelas escadas acima com o pai que já viajou para outro plano do Universo. E recorda-se das várias vezes que, no topo da casa, via as montanhas e também fogos. Captei esta palavra pois a música entretanto pareceu ficar mais alta. Ou eu fiquei mais emotiva, pois nesta data recordei também o meu pai e a sua ‘viagem’. Mas fiquei a pensar sobre a luz do fogo que ele tanto via. Significados de viagens contínuas de mais de cem passos/escadas! Também referiu que nessa região de Portugal e nessa casa da família…gostava de observar a fronteira Portugal/Espanha.

Mas o Duarte é uma pessoa sem fronteiras e os seus próximos posts provavelmente, quanto a viagens, serão sobre a Califórnia, Japão e Marrocos. Sente que falta conhecer muito destas zonas. Eu digo: falta-te conhecer também o pôr-do-sol do Camboja; por outro lado falta-te conhecer a soltura de Nova Iorque. O Duarte é artista de gema, não exerce agora pois até nisso ele é brilhante para compreender que há mais do que ser artista, tem outras formas profissionais e outra visão. Todavia tem todo o toque da arte, tem música no corpo. Ah e interessante que, antes de voltarmos precisamente à música da festa, ele referiu que ama Londres. Eu franzi a testa… Londres? Sim, Londres é muito atraente, mas o Mundo é maior! Mas logo percebi que o que ele ama é o que o define enquanto viajante: as pessoas, os amigos que lá fez e permanecem. Sobretudo quando fica ‘hospedado’ na casa de um deles que na verdade é uma igreja na terra britânica. Estranho? Não, afinal o Duarte é um artista. Os artistas superam-se.