De cabelo rapado, sorriso simpático e mochila às costas, Margarida quer ser uma inspiração para os que desejam palmilhar o mundo. Respondeu-nos a estas perguntas a partir da Guatemala, o seu país número 62.
O sonho de percorrer os quatro cantos do globo está a ser concretizado por esta portuguesa natural de Azeitão que vai contando as suas aventuras através do Instagram e do Youtube. Em breve, vai poder acompanhar também aqui, no SAPO Viagens.
Como surgiu a ideia de ser viajante a tempo inteiro e como está a fazer para concretizá-la?
A ideia sempre esteve cá. Durante a fase da faculdade, trabalhei durante seis anos numa empresa sueca que me formou como pessoa e, assim que fechei essa porta, percebi que tinha que fazer algo. Foram inclusive as pessoas do meu núcleo mais restrito de amigos que me ajudaram a verbalizar que Portugal era muito pequeno para mim e que eu tinha que ser do mundo.
Fui para Inglaterra melhorar o meu inglês para poder concretizar o sonho de viver a full time num barco (cruzeiro) e visitar, de forma gratuita, países que nunca tinha pensado que existiam. E foi aí que tudo começou. Quando finalizei a vida de cruise ship, percebi que tinha que pensar num trabalho que gostasse de fazer e que fosse possível exercê-lo de forma remota em qualquer parte do mundo.
Nos cruzeiros, temos dois meses de férias entre contratos de 6 meses e, quando regressava a casa de férias, dei por mim a querer ensinar inglês a jovens da minha área de residência. Foi com esse insight que cheguei ao curso TEFL para poder lecionar inglês a todas as pessoas do mundo que tenham o inglês como segundo idioma. Fiz o curso remotamente através de uma escola nos EUA e, felizmente, depois de publicar os meus serviços numa plataforma para o efeito, os alunos começaram a aparecer e a gostar das minhas aulas.
Estava criado o cenário ideal para realizar o meu objetivo. No entanto, o mundo fechou-se devido à pandemia e foi em maio deste ano que finalmente consegui deixar Portugal e concretizar o meu sonho.
A minha alma é nómada. E o meu projeto de vida é saber como as pessoas vivem em todo o mundo!
Quais são as suas maiores motivações enquanto viajante?
Inspirar pessoas a fazer o mesmo. Provar que nós, mulheres, conseguimos chegar a todos os países tal como os homens. Aprender conhecimento geográfico, cultural e linguístico e poder transmiti-lo nas minhas plataformas a todos os que comigo partilham desse gosto. E, se algum dia, receber uma mensagem a dizer “comecei a viajar porque me fizeste ver que o mundo é seguro e que também posso conhecê-lo” já valeu a pena a minha partilha. Não sei se já existe alguma mulher portuguesa que tenha visitado todos os países do mundo, mas eu gostaria de a conhecer e fazer parte desse grupo.
Porque é que quer conhecer todos os países do mundo?
Há quem tenha a ambição de chegar ao topo na empresa onde trabalha, de ter filhos, de comprar uma casa, etc. Estes exemplos são desafios que não se encaixam na minha alma nómada e que muito provavelmente não iria conseguir concretizar.
A minha ânsia pelo desconhecido faz-me sempre querer conhecer mais e mais países. Os países motivam-me naturalmente porque nunca sei o que vou encontrar: se o primeiro taxista me vai enganar no primeiro contacto com o país e destruir, sem se dar conta, a minha ideia sobre o país dele. Ou, por outro lado, se encontro uma cultura tão educada e colorida que me faz ter vontade de ficar um e outro mês.
A minha ânsia pelo desconhecido faz-me sempre querer conhecer mais e mais países
Como tem sido o planeamento para conhecer o mundo?
O planeamento é sem planeamento (risos). A minha alma nómada sente-se totalmente em casa no continente asiático. A comida, a gentileza das pessoas e o clima fazem com que me seja confortável passar longas temporadas na Ásia. Por esse motivo e por todas as restrições impostas devido à situação pandémica que vivemos, obriguei-me a sair da minha zona de conforto e a conhecer o continente americano durante um ano. Sem nada muito definido, a viver cada lugar como se fosse único.
Como foi a passagem pelos EUA (país onde esteve anteriormente)?
Um dos únicos roteiros que tinha a certeza que queria concretizar era neste país (que não é novo para mim, porque, noutros tempos, já tinha sido a minha base de portos de navios cruzeiros) era atravessar os EUA de Nova Iorque a Los Angeles de comboio e ver todas as paisagens que via em filmes quando era miúda. Foi uma experiência incrível. Aprender os Estados e poder vê-los ao vivo. Passei alguns dias em Nova Iorque, que se vestia de Natal. E depois fiquei duas longas semanas em Los Angeles que tanto me ensinou. Nesta viagem tenho também o objetivo de "fugir do frio”, portanto já estou no meu 62º país, a Guatemala que está atrativamente mais quentinho e ameno.
Vai passar o Natal em viagem? Se sim, onde?
Vou passar o Natal em Guatemala, no Lago Atitlán. A Guatemala é um país surpreendente a todos os níveis e o Lago Atitlán é um shot de diversidade cultural.
Próximos planos e destinos?
Tenciono concluir a visita à América Central: El Salvador, Nicarágua e Costa Rica. Posteriormente, começar a explorar a América Latina: Colômbia, Suriname, Equador (onde farei uma paragem mais longa para fazer voluntariado, numa escola).
Como tem sido viajar durante a pandemia?
No início, antes da fase da vacinação, o facto de se ter que pagar para realizar um teste PCR não estava a facilitar a minha vida. Além disso, era, em simultâneo, como um bloqueio.
Foi durante os meses de julho e agosto, quando voltei a trabalhar na Grécia, que consegui ser vacinada e aí senti que tinha a minha liberdade de volta. Viajar de avião, comboio, autocarro é igual, mas com máscara. E nos hostéis também não há qualquer impedimento. Por isso e, felizmente para mim, a esse nível, é igual.
Escolher entre um país é como escolher entre um dos filhos
Dos 62 países que já visitou, quais foram os que mais marcaram?
Para mim, sinceramente, escolher entre um país é como escolher entre um dos filhos. Peço desculpa aos que são pais e se é uma comparação exagerada. Mas todos os países são diferentes e costumo pensar: se tivesse apenas 24h e se tivesse que escolher um país para passar essas horas onde seria? Escócia, China, Bósnia e Herzegovina, Singapura e, provavelmente, Guatemala, que já está nesse top também.
Dicas importantes para quem quer começar a viajar a tempo inteiro.
Primeiro precisam de encontrar um trabalho remoto e digital que vos permita conhecer o mundo da maneira que desejam sem terem que seguir o padrão de irem a um determinado local físico. No entanto, deixem-me dizer-vos que, sem trabalho remoto, também é possível fazê-lo.
Quase sempre em todos os locais por onde passo, Grécia, Croácia, Hungria, etc. existem ofertas de trabalho em hostéis, ou em bares (apenas por temporadas) que vos permite ganhar algum dinheiro enquanto conhecem o local, bem como outros viajantes que fazem o mesmo.
O facto de ter rapado o cabelo foi para testar como seria passar as fronteiras entre países
Ser mulher e viajar sozinha. Como está a correr? Acha que ainda existe algum preconceito e/ou medo em viajar a solo sendo mulher?
Claro que sim! O usual é ver-se duas mulheres a viajarem juntas. E os homens também me perguntam porque não viajo com uma mulher ou homem. Por uma questão de padrão.
Desde cedo percebi que, se queria viajar, teria de o fazer sozinha. Na primeira vez, com 23 anos, quando convidei as minhas amigas para me acompanharem na minha primeira viagem, responderam-me que era louca, que não tinham férias, que não tinham dinheiro e uma infinidade de desculpas, na minha opinião. E foi a minha primeira viagem a solo, no ano de 2009, a Malta, sem internet e com um mapa desenhado e alguns apontamentos num caderno.
Com isso sigo o que me ensinaram de tenra idade, que não vou despida para uma igreja nem de chinelos para um escritório. No fundo sigo o bom senso. Se sou convidada num país que não é o meu, sigo as suas regras culturais e aí a minha experiência será certamente melhor, muito mais enriquecedora e segura.
O facto de ter rapado o cabelo foi para testar como seria passar as fronteiras entre países. Não teve qualquer impacto. Continuo a ser bem recebida com o meu passaporte português. Já enquanto mulher é bem diferente. Deixei de receber comentários vindo de homens e adquiri mais respeito por parte das pessoas em geral. Sinto que a maior parte das vezes sou vista como a louca que não tem cabelo, e as pessoas olham duas vezes para mim, em silêncio. É, sem dúvida, um grande filtro. Só falarão comigo as pessoas que realmente interessam. Todos os outros, que de certa maneira se centram no aspeto físico, na sensualidade da mulher, ou no padrão que diz que a mulher deve ter cabelo comprido, independentemente do interior da pessoa, não são pessoas que me possam interessar de todo.
Creio que ainda exista um pouco de preconceito e só deixará de existir quando ainda mais mulheres viajarem sozinhas. Mas vamos conseguir.
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