Nenhuma visita ao Malawi pode ficar completa sem conhecer o lago Malawi, ou Nyasa, como é conhecido localmente. Este é o terceiro maior lago de África, um dos mais profundos do mundo e o coração pulsante de um país onde a agricultura e a pesca são predominantes. Separa o Malawi de Moçambique e da Tanzânia, seus vizinhos, oferecendo vistas deslumbrantes para as montanhas estrangeiras no horizonte deste imenso mar de água doce.
No sul deste lago, que também ganhou o nome do país que alimenta, a península de Nankumba é um local privilegiado. De praias rochosas e baías de areia, a colinas graníticas e lagoas, pântanos e ilhas de águas cristalinas, esta área oferece paisagens de uma beleza excecional e as mais ricas do Malawi.
Mais ainda, esta península montanhosa de solo vulcânico fértil é coberta de vegetação densa e grande biodiversidade, constituindo assim uma zona protegida. A ocupar a península, este Parque Nacional do Lago Malawi foi reconhecido nos anos 80 para proteger as espécies e habitats lacustres daquela região. Na realidade, a fauna vai mais além das centenas de espécies aquáticas endémicas, já que se podem encontrar no parque babuínos, antílopes, hipopótamos, crocodilos e dezenas de espécies de pássaros. Atravesso o parque de mota e vou-me deliciando com as centenárias árvores baobab e o contraste colorido das colinas redondas refletido nas águas do lago. Passear por este património natural da UNESCO faz-nos sentir pequenos.
Mas o que atrai mais os turistas a esta zona, e que a torna a mais visitada do lago, são algumas das vilas de pescadores, convertidas em resorts, onde as duas realidades coexistem e se cruzam.
Cape Maclear, ou a vila de Chimbe como é conhecida na língua Chichewa, é um destes locais. Uma rua de terra batida, paralela à costa, separa os hotéis virados para a praia das habitações familiares humildes e dos estabelecimentos locais que dão vida e alma à aldeia. Mas esta linha física entre as poucas centenas de nativos e os hotéis que, não sendo luxuosos (os preços por cama começam nos cinco euros), são exclusivos, dissolve-se com o nascer do sol. Não apenas porque os turistas atravessam esta estrada para usufruir dos restaurantes, tascas, mercados e bares locais, mas principalmente porque a praia, essa é de todos.
De manhã, ao abrir a porta do bungalow, a quinze metros da areia da praia, as vozes e os gritos divertidos que me despertaram ganham rostos. Junto à água, todas as manhãs, crianças correm e brincam enquanto se molham a si e às outras. As mães e irmãs mais velhas estão agachadas sobre alguidares de roupa e louça tratando das lides domésticas e os mais novos aproveitam para tomar banho semi-nus. Mais ao fundo, na areia, os homens arrastam trouxas de peixe dos barcos e estendem as redes de pesca ao sol. Ainda durante a manhã, todos de todas as idades regressarão à água com sabão e um pano para se lavarem naquele lago que é deles.
Em frente, as ilhas de Domwe e de Thumbi West são as maiores e mais impressionantes daquela zona do lago. Dois ilhéus redondos só de verde, em que uma viagem num dos barcos típicos leva a descobrir paisagens selvagens e ambientes aquáticos extraordinários, alguns dos melhores de água doce do mundo para mergulho.
De volta a Cape Maclear, é muito fácil encontrar outros viajantes e trocam-se impressões e dicas de sítios exóticos: uns vêm da África do Sul e Botswana, outros do Quénia e da Tanzânia, uns de mota, outros à boleia. Também se encontram expatriados que ali têm um negócio ou que vivem pelo Malawi, mas que se dirigem à península quando têm alguns dias de férias.
Se se quiser fugir às refeições cuidadosamente preparadas do hotel, bancas de madeira um pouco por toda a vila vendem legumes e fruta, peixe seco, pão e chamuças, que compõem um excelente piquenique na praia. Algumas mesas com frigideiras ao lume fritam batatas, frango ou ovos por menos de um euro, que são as comidas de rua favoritas dos locais.
Ao fim da tarde, o sol põe-se por trás de Domwe, de Thumbi e das montanhas no outro lado do lago, incendiando o céu em tons de dourado e carmim. Anuncia a noite que traz música e animação nos bares da rua, antes de cada um regressar ao seu lado da estrada, debaixo de um mesmo céu estrelado e na companhia do som da rebentação que à noite ganha força.
Antes de sairmos daquele paraíso peninsular, temos ainda tempo de passar uma noite em Monkey Bay, outra vila popular da região. O nome lembra um tempo em que os macacos povoavam aquelas paisagens mas explicam-nos que por esta altura os aldeões já correram com quase todos. Apesar de aparentemente menos turístico, oferece escalada, mergulho e viagens de barco a quem queira ali passar uns dias. Aqui será mais fácil para quem chegue não ter contacto com os locais, já que os únicos resorts são mais distantes da vila e com praias privativas. No nosso caso, escolhemos uma estalagem no centro da vila, a mais barata que encontrámos.
À noite, visitámos um dos bares onde se juntam principalmente homens e mulheres solteiras para beber, ver futebol e jogar bilhar. Ali, a música está sempre alta, as amizades são fáceis e a bebida barata. Circulam alguidares de carne de porco, bebem-se pacotes de cerveja artesanal de milho e vende-se gin malawiano ao preço da chuva. Muitos vêm ter connosco, os brancos. Trocam cumprimentos, apresentam-se, perguntam como estamos, sorriem, pedem bebida, pedem conversa, tudo várias vezes e nem sempre por esta ordem.
No dia seguinte despedimo-nos do lago. Despedimo-nos da península de Nankumba. De Cape Maclear e de Monkey Bay. Das colinas verdes e do índigo lacustre, dos banhos matinais e dos sorrisos fáceis. Há qualquer coisa de especial naquela península, naquelas rotinas, naquela gente. Ali é mais fácil ser-se feliz.
Projeto Prá frente
O Projeto Prá Frente foi criado por dois jovens engenheiros, com a intenção de conhecer (e partilhar) uma perspetiva completa do Sudeste Africano, focando-se não só no seu património deslumbrante, mas também nas suas pessoas e naquilo que tem para oferecer para o futuro.
Para saber mais siga o Instagram: @projeto_prafrente
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