O TUI Field to Fork - Alentejo Regenerativo, lançado em Mértola no final de outubro, ainda se encontra a dar os primeiros passos no país, mas espera promover práticas agrícolas com resultados regenerativos, fortalecer a economia local e revitalizar as dinâmicas sociais do Baixo Alentejo.
Antes do lançamento deste projeto e durante uma viagem ao Peru onde ficamos a conhecer o TUI Colours, o Forests Peru e o Qosqo Maki, o SAPO Viagens conversou com Manuel Gil Ferreira para ficar a conhecer melhor a organização e os seus valores.
Fala-nos um pouco sobre o teu percurso e como é que chegaste até à TUI Care Foundation?
O meu background profissional é em ONGs. Depois da universidade, trabalhei na AIESEC, que é a maior ONG gerida por jovens no mundo. A experiência fez-me perceber que me faltavam bases de gestão – acho que é algo que falta em muitas organizações filantrópicas: saber trabalhar como negócio. Deste modo, fiz um mestrado nesta área e fiquei com vontade de trabalhar em organizações internacionais. Tive um ano na Comissão Europeia e percebi que o setor público é bastante regulamentado e que não mexe muito rápido. É muito reativo, não é proativo – característica que aprecio nas ONGs que, contudo, têm a parte negativa de não terem acesso a fundos, nem muita liberdade, porque dependem muito de doadores. Portanto, decidi: quero trabalhar no setor privado, mas ainda relacionado com algo do meu interesse, que é na área filantrópica.
Juntei-me à TUI através do International Graduate Program, que é um programa para jovens licenciados e veio a pandemia. Tive em furlough, que é como se fosse uma interrupção e aí apareceu uma oportunidade de recrutamento interno para a fundação. Pensei: é perfeito para mim, porque era exatamente o que estava a procurar, é aquele intermédio entre ser uma organização caritativa, mas, ao mesmo tempo, dentro do setor privado. Portanto, dá-nos bastante foco na implementação. Juntei-me à TUI Care Foundation há quatro anos e acabei por ser recrutado para gestor de parcerias, porque a fundação depende de parceiros locais que operacionalizam a nossa agenda.
E trabalhas com quantos projetos? Explica-nos um bocado a estrutura
Na equipa de programas da TUI Care Foundation estamos divididos em desenvolvedores que fazem todo o trabalho de "diligence" de parceiros, de encontrar projetos e de co-criar projetos que estão de acordo com a nossa estratégia.
E sempre em lugares turísticos ou que têm potencial turístico
Exatamente, se pensarmos nisso, qualquer país tem esse potencial. Temos alguns focos geográficos, mas, sim, virtualmente, qualquer um tem. Uma coisa que nos perguntam muito é se só trabalhamos em países onde a TUI opera. Não. Também temos um projeto em Moçambique, onde a empresa não está presente.
Mas, prosseguindo: depois dos desenvolvedores chegarem a acordo de parceria, o mesmo é assinado e passa para os gestores de parceria. Somos dois gestores e todo esse portefólio de mais de 50 projetos, dividimos entre os dois. É muito com base em skill set. Por exemplo, eu falo português, espanhol e francês, por isso, fico com os países que falam estas línguas. A minha colega tem mais Ásia e África, África do Sul e de Leste. Eu tenho mais Américas e África Ocidental.
E és o único português na equipa?
Sim, sou o único português.
E, no total, são 12?
Sim, somos 12 pessoas. Eu sou o único português, mas não sou o único lusófono. Temos uma cabo-verdiana na equipa.
E como é que é o teu trabalho no dia a dia, o que é que implica e, no fundo, qual é a tua missão?
A minha missão assenta em três pilares: o primeiro é monitoring and evaluation, tudo o que é administração de projeto. Nós fazemos relatórios de seis em seis meses para os projetos. Cada projeto tem indicadores específicos que tem de alcançar e eu faço o acompanhamento. Isto implica também fazer o update com os parceiros, analisar relatórios, evidências financeiras de como é que gastam o nosso dinheiro, por exemplo. Este é primórdio: administração e monitoring evaluation. O segundo pilar é o valor adicional, porque não queremos ser só uma organização doadora, queremos sempre encontrar o valor adicional que podemos trazer. Isto inclui ligações com a indústria turística. Por exemplo, muito do meu trabalho passa por contactar hotéis para fazerem parte do nosso programa TUI Field to Fork, que é a base para criar uma cadeia alimentar sustentável em destinos. E o terceiro pilar é a comunicação. Todas as nossas doações são 100% dadas por clientes da TUI ou por negócios da TUI e, claro, temos de prestar contas aos nossos doadores.
Apesar de fazerem parte da TUI acabam por ser independentes
Completamente independentes. Temos um Board of trustees que é maioritariamente externo e eles é que tomam decisões sobre os projetos que são aprovados. Portanto, sim, somos completamente independentes, mas também dependentes, porque o nosso orçamento vem da "casa".
normalmente um sponsor ou doador não se envolve tanto nos projetos
Em relação aos projetos no Peru que conhecemos, há quanto tempo é que começaram e quais é que têm sido os maiores desafios?
O Colorful Cultures está há mais de dois anos e o TUI Forests há um. Os principais desafios, diria, do meu lado, é não ter contacto direto com os beneficiários – os parceiros operacionais acabam por ser os nossos intermediários. É difícil conseguir um testemunho dos beneficiários virtualmente. No caso do projeto da floresta é tudo a long term, visto que as árvores que plantamos, as polylepis, crescem milímetros por ano. Claro que vamos criar uma estrutura sustentável para que a floresta sobreviva após o programa terminar, mas só daqui a 20, 30 anos, é que vamos ver mudanças significativas. Outro desafio é o de mostrar que o valor da TUI Care Foundation é mais do que um doador. Acho que as pessoas, os portugueses, ficam um bocado surpreendidos connosco porque normalmente um sponsor ou doador não se envolve tanto nos projetos como nós.
E, a nível pessoal, o que é que te deixa mais feliz no dia a dia ou o que é que te faz sentir mais realizado relativamente à tua função?
Quando tenho oportunidade de ver os projetos, falar com os beneficiários, acho que é tão importante. Muito do nosso trabalho é muito virtual. Há dias em que passo oito ou nove horas à frente do computador. Acho que é quando tenho a oportunidade de falar diretamente com os beneficiários, como com a Clara Augusta, a líder das artesãs, aqui no Peru. Só a conhecia por vídeos e relatos que utilizei no passado para fins de comunicação. Foi a primeira vez que a vi ao vivo.
Ainda não tinhas vindo visitar estes projetos?
Não, nunca tinha vindo. Foi a primeira vez que estive cá fisicamente. Acho que foi uma oportunidade única de estar com os beneficiários. Também é importante para mim, saber que o meu trabalho faz sentido, que eu tenho valor em trazer valor para as pessoas.
E como é que te sentiste quando as comunidades agradeceram o vosso apoio e qual é a sensação de veres o teu trabalho a nutrir efeito?
Sinto-me muito humbled, especialmente em momentos como quando o líder das comunidades de Rumira-Sondormayo ofereceu a mim e aos meus colegas cachecóis. Eu sei o esforço, o trabalho e o tempo que demora a fazer uma peça destas. Ainda por mais é feito por pessoas que nós estamos a lutar todos os dias para terem oportunidades adicionais de acesso a oportunidades económicas. Claro que significa muito para mim. Este tipo de gesto é bastante emocionante.
Ao criar oportunidades económicas e parcerias com hotéis, acabam por incluir as comunidades locais no ciclo do turismo. Na tua opinião, achas que este pode ser um caminho mais sustentável para o turismo?
Sim, absolutamente. O turista está de férias, está preocupado em ter momentos de descanso, de relaxamento. Não posso apontar o dedo e dizer: está a fazer isso mal, está a fazer aquilo de forma errada, tem de mudar isto e é agora, enquanto está de férias. O que podemos é dar oportunidades ao turista para perceber que é fácil fazer turismo alternativo. Por exemplo, por que não, em vez de nas lojas dos hotéis, termos souvenirs made in China, termos este tipo de materiais com uma indicação de onde é que vem e onde as pessoas sabem que, mesmo pagando valor adicional, faz sentido.
Estão também a contribuir
Exato. Estão a pagar um trabalho justo, de qualidade e sustentável. Acho que isso é muito importante. A TUI não tem hotéis aqui no Peru, mas no Belmond encontram-se produtos nossos em exposição. Foi um tipo de acesso ao mercado que nós demos aos produtos. Em países onde também há o Colorful Cultures tentamos fazer este tipo de ligação, assim como com hotéis da TUI, claro.
No caso dos projetos relacionados com a reflorestação, como é que podem incluir, por exemplo, na TUI?
Os clientes alemães, holandeses, austríacos e britânicos têm a oportunidade, quando marcam férias, de adotar uma árvore. Este esquema de adoção permite que contribuam diretamente para a floresta – é uma adoção simbólica. Os clientes podem fazer isso logo quando marcam férias, mas também é possível qualquer pessoa adotar através do site da TUI Care Foundation. São sempre parte integrante do processo de reflorestação e podem contribuir diretamente para as nossas florestas.
o Colorful Cultures do Peru é exatamente o que é a sustentabilidade em turismo
E tens algum projeto preferido ou que te tenha marcado mais?
Sim, nem preciso de sair daqui. Acho que o Colorful Cultures do Peru é exatamente o que é a sustentabilidade em turismo. Para mim, é um projeto bastante completo. Não é só sobre vamos despejar aqui dinheiro, comprar raw materials, tentar vender o que há e depois o projeto termina e vamos embora. Não, nós ajudámo-las a criarem a sua própria cooperativa, a fazerem o registo e a fazerem o planeamento financeiro para a cooperativa. Assim, têm capacidade de gerir a sua própria cooperativa, mesmo quando o projeto acabar. Estão inscritas nos national contests, para terem seed capital funding para os seus próprios materiais e não terem de ser dependentes do projeto. É um objetivo transversal a todos os projetos da TUI Care Foundation: entramos como doadores, trazemos esse valor adicional, mas também queremos capacitar. O nosso objetivo é que os nossos projetos acabem. Podemos renovar uma ou duas vezes, por ainda fazer sentido para fazer upscale do impacto do programa, mas não queremos criar dependência. Queremos que as organizações parceiras sejam completamente independentes.
Isso também vos permite procurar novos projetos
Absolutamente. E, neste projeto, uma coisa que também acho que é a chave de sucesso é a força dos stakeholders. Acho importante dizer que o nosso parceiro de projeto principal é a Lima Tour Foundation, mas também a Associação Turismo Cuida, que inclui o Inca Royal, e mesmo a Lima Tour Foundation. É importante ter uma rede de stakeholders que acreditam no projeto e que vão dar nome e uma reputação. Isso abriu-nos muitas portas para conseguirmos encontrar parceiros fortes.
E deve ser muito difícil chegar a estas comunidades mais remotas sem acesso à internet
E mais a barreira linguística. As supervisoras, que foram treinadas, falam espanhol, mas o resto é tudo em base de quéchua.
Mértola precisa por ser um dos sítios mais secos e desertificados da Península Ibérica
E agora também começaram um projeto em Portugal?
Sim, o TUI Field to Fork é um projeto em Mértola com a associação Terra Sintrópica. É muito interessante e é sobre agricultura regenerativa, algo que Mértola precisa por ser um dos sítios mais secos e desertificados da Península Ibérica. É um projeto muito interessante, porque não é só dar treino a agricultores locais, mas também envolve hotéis no processo. Queremos que este tipo de awareness chegue aos clientes dos hotéis. Existe também, por exemplo, o PREC em Mértola, que é um centro que está a ser transformado em restaurante e em espaço de retalho para este tipo de produtos provenientes da agricultura regenerativa. Para além disto, queremos fazer uns Lighthouse Farms, que são quintas onde se empregam processos de agricultura regenerativa e que servem como local de instrução para outros agricultores ou outros visitantes.
Fora isso, ainda em Portugal, também estamos a planear o lançamento da segunda edição do TUI Futureshapers que é um programa de apoio ao empreendedorismo, de incubação de projetos em inovação social. Isto será com uma organização chamada IRIS, que é Incubadora Regional de Inovação Social, e que nos ajuda a capacitar pessoas que querem fazer projetos em turismo e, especificamente, com a componente de inovação social. Quando eu digo isto é inovação social ou ambiental, portanto, que seja mais numa base de negócio em turismo com o modelo de social entrepreneurship.
E Portugal é um caso muito interessante, porque não só é mercado de origem da TUI, nós temos clientes TUI portugueses, como também é país de destino para clientes de outros países. Tal como Espanha, tem uma dinâmica bastante interessante no contexto da empresa.
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