Texto por Emília Matoso Sousa

Um dia, hei de percorrer um dos Caminhos de Santiago! E, entretanto, passaram 30 anos. 30 anos em que percorri outros caminhos, os que escolhi e os que tive de escolher. Razões para só agora o ter feito? Muitas, sendo a falta de tempo a justificação que surge em primeiro lugar. Tempo. O eterno culpado de tudo aquilo que, sucessivamente, vamos adiando. Até um dia… E esse dia chegou!

Tomada a decisão, começaram as indecisões. Que Caminho fazer? Quantos quilómetros? Que tipo de alojamento e como transportar a bagagem? Queria fazer o mais próximo possível de uma peregrinação a valer. A verdade é que 30 anos de espera posicionam-nos numa fase da vida em que, tenho de admitir, o back to the basics é muito bonito, mas impõe cedências para as quais já não estamos muito preparados. Além disso, a boa forma física também nem sempre foi prioridade.

A questão logística foi fácil de resolver. Albergues, não. Mochila às costas, sim. Já a forma física reclamou um pouco mais de atenção. A opção foi fazer o trajeto a partir de Valença do Minho, a distância mínima para obter a Compostela, documento que certifica a peregrinação.

Durante quatro meses, as palavras de ordem foram: treinar, treinar, treinar.  Literalmente, por serras, montes e vales, pisos bons, pisos maus, sempre ao sabor das condições atmosféricas do dia.

Foram 600 quilómetros percorridos por trilhos pedestres que me mostraram um país que eu não conhecia e que continuo longe de conhecer. Portugal por dentro é tão ou mais bonito do que por fora. Esconde tantos segredos! Aprendi tantas coisas! Recolhi tantas histórias! E descobri uma nova atividade que quero manter: o pedestrianismo.

Last, but not least, esta não foi uma aventura solitária. Desde o primeiríssimo momento, contei com a total solidariedade do meu marido, companheiro de vida e de andanças várias, sempre disponível para alinhar e acrescentar ingredientes a todas as loucuras. Obrigada, ZM, sem ti ‘isto’ não teria sido possível!

Acredito que, na vida, tudo acontece como e quando tem de acontecer. Grande parte da nossa existência passamo-la fechados numa bolha de responsabilidades que nos impede de tirar partido das tantas coisas boas que há para fazer ‘lá fora’. Quem me conhece, sabe que esta é uma frase muito minha… Pois bem, chegou a altura de sair da bolha e fazer aquilo que nunca se fez. Desafiar limites e surpreender. E não há nada melhor do que concretizar um sonho. Ainda que 30 anos depois…

O relato da Emília continua em Caminhos de Santiago: uma tradição milenar que pode começar num gastro bar

A Emília Matoso Sousa é a autora do blog Caminhos Mil, onde escreve sobre as suas caminhadas pelo país. "Apenas pretendo guardar algumas das histórias e memórias que trago desses percursos e partilhá-las com quem, como eu, aprecia as coisas simples da vida..", conta.