A palavra como instrumento de relação com os outros, um instrumento de compromisso social que foi impulsionado num contexto pessoal, "venho de uma geração pós 25 de Abril e houve uma organização que me influenciou muito, o Centro de apoio às organizações de base.
Fui envolvido por um movimento de animadores culturais e o 'outro' passou a ser muito importante para mim.
Ao fim de pouco tempo, fazia mediação do livro e da leitura, da educação pela arte. Em lugares e com pessoas muitos distintas, como por exemplo, escolas, bairros, situações problemáticas, prisões e comunidades imigrantes."
Acrescenta Miguel Horta, "comecei a andar por aí, a contatar outras pessoas. Sou uma espécie de trabalhador da palavra. Um andarilho.”
É com a palavra que contribui para a formação de mediadores culturais, que passa o testemunho do poder da palavra, e é também com as historias "desenhadas com palavras" que encanta crianças e adultos. O encanto não passa despercebido, "é nos olhos que se nota.
No olhar. Uma vez estava a trabalhar com um grupo de leitura na biblioteca prisional de Montijo e surgiu a itinerância da Companhia Andante e eu olhei para a primeira fila e vi homens a chorar. Pensei para mim: 'o que o teatro é capaz de fazer e o poder da palavra!'"
Miguel Horta procura um diálogo permanente com quem o escuta. Tudo fala. O corpo, o sorriso, as pausas, as dúvidas que coloca à assistência. Não há o momento da história. É diferente, cada história tem o seu momento.
Vive muito dos apartes, da interação, do ambiente que se vive na sala. "O narrador quando mais livre se sente mais favorece a empatia. É uma correnteza de palavras. Sendo que o conto não sai igual ao dia anterior.
Por vezes fazemos uma alteração, noutros casos alguém na audiência sugere uma abordagem diferente, ou temos a companhia de outro narrador e decidimos pegar na mesma história e contá-la de modo diferente... Há liberdade mas também há encantamento de quem conta a história. Nós gostamos muito do que fazemos e quem está na audiência acaba por criar esta empatia e criar a escuta que é o mais importante."
Para se conseguir esta relação é preciso conhecer a audiência porque há comportamentos muito diferentes. "A escuta nas crianças é menor, devido às suas caraterísticas. Numa prisão é enorme, há uma dilatação do tempo." No entanto, regista uma tendência que é trasnversal: "a escuta tem-se vindo a perder na sociedade contemporânea.
A escuta perdeu para a visão e muitas vezes é mal feita, muito alta e com auscultadores, o que nos isola do mundo. Perdem-se escutas seletivas. Neste sentido, há também aqui um trabalho para se fazer. Uma sessão de narração oral contribui para isso. Mesmo com uma criança que não sabe ler já se está a criar uma competência da escuta. É uma espécie de pré-leitor. Ele próprio vai ganhando competências com a palavra. Vai aprender a desenhar com a palavra, ganha vocabulário."
Miguel Horta já desenvolveu vários projetos que foram distinguidos e pertence à Associação Cultural Laredo, uma organização sem fins lucrativos, sediada na Charneca da Caparica, no concelho de Almada.
Miguel Horta vai desenhar histórias com as palavras faz parte do programa da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
Comentários