"Isto dá voltas que ninguém imagina", disse José Leça à agência Lusa, realçando que para fazer brinquinhos há que ter "muita vontade e amor ao trabalho", caso contrário não é possível obter um instrumento de qualidade.
O artesão andava também às voltas na oficina, localizada na Quinta Grande, em Câmara de Lobos, de onde é natural. Entre a carpintaria e a sala de costura, o balcão das ferramentas e os amontoados de peças, mostrava, entusiasmado, como se constrói um brinquinho.
"Eu tenho 61 anos e vivo disto", disse, contando que aprendeu o ofício sozinho, quando tinha apenas 18 anos, embora só mais tarde, depois ter estado emigrado alguns anos, tenha decidido fabricar peças de vários tamanhos e em grande quantidade, numa época em que o produto era quase exclusivo dos grupos folclóricos e raro no mercado dos ‘souvenirs' (recordações dos destinos turísticos).
O brinquinho é constituído por um número variável de bonecos feitos de arame, vestidos com trajes típicos da região e dispostos em círculo numa base de madeira assente numa cana, normalmente em dois andares.
Os bonecos estão munidos de castanholas, penduradas nas costas, e tampas de refrigerantes espalmadas fixas debaixo dos pés. O som destes componentes é obtido puxando um arame que percorre o interior da cana e faz mover os bonecos.
No topo do brinquinho coloca-se mais uma figura (ou um par) que bate palmas com duas caricas e, por fim, o instrumento é engalanado com ráfia e fitas coloridas.
"No fundo, quem mais compra isto são os turistas e eu é que dei um avanço nesta atividade", salientou José Leça, consciente de que é o único fabricante de brinquinhos com oficina montada e pessoal a trabalhar diariamente.
As encomendas provêm, na maioria, das lojas de ‘souvenirs’, sobretudo ao nível das miniaturas, mas também dos grupos folclóricos e outras instituições ligadas à etnografia e às atividades tradicionais madeirenses.
"Já fiz um brinquinho que tinha três metros, nem cabia dentro da oficina, mas tocava", disse José Leça, lembrando, por outro lado, que também é muito solicitado para fazer reparações em instrumentos usados pelos grupos folclóricos, deixando-os "como novos".
Instrumento e mascote
Tecnicamente, o brinquinho é um idiofone de percussão indireta, sendo usado como marcador de ritmo, ao mesmo tempo que imprime uma sonoridade ímpar às músicas do folclore madeirense.
Na origem, porém, era usado apenas como mascote dos romeiros nas festas religiosas e arraiais da Madeira e apresentava grandes dimensões, normalmente três metros de altura, estando os bonecos vestidos com papel de seda.
A primeira referência iconográfica surge num quadro do pintor Henrique Franco, de 1923, que retrata uma romaria na Ponta do Pargo, na zona oeste da ilha.
O brinquinho é inspirado em peças africanas, por via dos escravos, e minhotas, levadas pelos primeiros colonos. Adquiriu a forma atual a partir dos anos 50 do século XX, com o ‘boom' dos grupos folclóricos.
A afinação do instrumento é feita na estrutura de arame dos bonecos, mas José Leça diz que também é preciso ter em atenção o tratamento que se dá às caricas, pois estas têm muita influência no som final.
"Fazer um brinquinho profissional, para os grupos folclóricos, é trabalho para umas três horas", explicou o artesão, que, apesar de ser o único a fabricar tais peças, não teme pelo fim da atividade: "Tenho a certeza que, depois de eu morrer, o meu filho vai orientar o negócio".
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