Ainda na descrição do autor do Guia do Banhista, As Praias de Portugal, a praia, "batida do grande mar, tendo à direita a bonançosa baía de Buarcos e à esquerda os rochedos em que assenta o castelo de Santa Catarina, que defende a foz do Mondego, a vila da Figueira oferece aos banhistas incomparáveis condições”.
Mas, não há bela sem senão e, para o escritor natural do Porto, o desapontamento era a praia ser frequentada por gente da Universidade de Coimbra.
Mais grave, “os estudantes que frequentam a Figueira são ordinariamente os piores, os mais broncos, os que não saem de Coimbra, aqueles em quem os efeitos do vício universitário se desenha mais profundamente.
Estes senhores, com o seu afectado desdém, com o seu mau ar de críticos, com o seu espirito de troça, e, os senhores professores com a sua sobranceria catedrática, constituem o grande senão da sociedade da Figueira, sobre a qual distinguem a sua cor especial”.
Depois de percorrer o imenso areal da marginal até á praia encontrei João Pelicano que há quatro anos aluga toldos aos veraneantes. Muitos são de Coimbra e da Universidade. João tem uma opinião diferente de Ramalho Ortigão.
“Sinceramente discordo um pouco. Cada vez mais os clientes são mais abertos. Até connosco, respeitam o nosso trabalho, falam sempre connosco. Acho que é bom. Nos quatro anos que trabalho aqui tenho uma ideia bastante positiva deles. “ Incluindo os estudantes, “já são mais sossegados, não há problema nenhum.”
Dionísio Andrade nasceu numa povoação próxima da Figueira da Foz há cerca de 70 anos. Ainda se lembra de ir à Figueira de propósito para ver os estudantes da Universidade de Coimbra. “Vinham muitos estudantes. Eles tinham uma badalada danada. Vinham em cima do comboio. Iam aos cafés e tiravam as chávenas e as colheres e metiam nas capas... Valia a pena vir o pessoal de Coimbra até à Figueira da Foz, os estudantes.”
Hoje, o ambiente da Figueira da Foz no Verão é mais cosmopolita, há gente de muitas proveniências. A sociedade não está tão segmentada como há algumas décadas atrás.
Muito menos em comparação com o tempo de Ramalho Ortigão: “A população dos banhistas na Figueira consta de duas camadas diferentes. No fim de Setembro retiram-se as famílias de Coimbra e algumas de Lisboa, e sucedem-se as dos lavradores da Beira, que vêm para esta praia depois das colheitas, repousar dos trabalhos do campo.”
Há cerca de 60 anos atrás ainda era um pouco assim, “não era bem Figueira, era Buarcos. Alguns também iam para Gala, uma aldeia pequena ao sul da Fogueira da Foz, na margem sul do Rio Mondego. No entanto, a maioria ficava na Figueira e em Buarcos”, testemunha Dionísio Andrade.
Hoje, continuam a frequentar as praias, mas menos. “Em Setembro costumam vir, mas já não é com o mesmo impacto como era há alguns anos atrás. Chegam algumas famílias, mas já não no mesmo número”, refere João Pelicano.
A Figueira da Foz foi qualificada como a Rainha das Praias na zona Centro de Portugal. Está protegida dos ventos do Norte pela Serra da Boa Viagem e tem bons acessos rodoviários e ferroviários. Nada comparado com as 6 horas que Ramalho Ortigão demorou na diligência que partia de Coimbra, duas vezes por dia e cobrava “1$000 réis por cada lugar”.
Hoje, distingue-se também pela extensão do areal com passadiços de madeira que dão, de forma mais notória, a noção da distância da marginal até à beira mar. Uma caminhada que serve para cansar ou contar os passos, como diz João Pelicano que recebe os veraneantes à beira-mar.
“Ao longo dos anos o areal tem aumentado. Há banhistas que já não têm paciência para andar tanto tempo até chegar à água. A extensão é enorme e alguns preferem ir para o Cabedelo, que é uma praia mais pequena, ou para Buarcos.
No ano passado falava-se em 900 metros. Hoje, alguns clientes vêm a contar e já chegou aos 800 e pouco. Penso que este ano o areal recuou mas foi pouco”
Há 60 anos Dionísio Andrade também se recorda do areal, mas também das fortes marés. “A praia da Figueira era enorme. A gente cansava-se de chegar à beira da água. Mas também havia alturas, e eu lembro-me disso desde miúdo, que o mar batia na torre do relógio que está junto à marginal. Não era a onda a partir lá mas eram pedaços da onda a ir bater no paredão.”
O relógio é um dos símbolos da Figueira da Foz como também o forte que fica ao lado.
Escondida atrás dos novos edifícios da marginal, fica a Figueira mais antiga ou junto à estação dos caminhos de ferro.
A sociedade da Figueira da Foz em época de veraneio sempre foi associada a alguma elite e, citando uma vez mais Ramalho Ortigão, “a soirée é uma das grandes preocupações desta praia e não será por falta de contradanças que os banhistas deixarão de se regozijar neste sítio”.
Ramalho Ortigão, na azia que tinha pela Universidade de Coimbra, onde foi tirar o curso de Direito mas não concluiu os estudos, sublinha ainda que, quando visitou a Figueira da Foz era “proibido o ingresso dos burros no interior da vila, o que não obsta a que lá entrem muitos disfarçados.”
Figueira da Foz podia ser a melhor “estação dos banhos” em Portugal faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho, e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
Comentários