A marina da Horta é um dos ícones do Faial, ilha do grupo central dos Açores. Localiza-se no lado sudeste da ilha, na baía da Horta que funciona como um porto de abrigo natural, oferecendo proteção contra os ventos. É a marina mais importante dos Açores e a quarta mais visitada do mundo, sendo ponto de paragem para muitos veleiros que viajam entre as Caraíbas e o Mediterrâneo.

Assim, o Faial está intimamente ligado com este porto e marina, fazendo parte da ilha as histórias das viagens dos aventureiros e iatistas que, ao longo dos tempos, lançam a âncora dos seus barcos nestas águas abundantes em vida marinha e com vista para a montanha do Pico.

Foi, precisamente, isso que aconteceu com Tom de Dorlodot e Sofia Piñero quando, em 2018, chegaram, pela primeira vez, aos Açores de barco. Ele belga, atleta de parapente; ela, argentina, jornalista. Conheceram-se na Bélgica, mas quiseram partir à descoberta de lugares remotos num veleiro. Quando começaram a pensar onde se iriam estabelecer após esta “vida de barco”, conheceram o arquipélago português sobre o qual não sabiam quase nada.

“Sabíamos do anticiclone dos Açores e só”, contam-nos a partir da casa que, entretanto, construíram no Faial. “Passamos dois, três anos a viajar de barco em busca de um sítio. Ponderamos Maiorca, Menorca ou Canárias, mas eram sítios com muito turismo. Chegando aqui, encontramos o lugar ideal: tudo é verde, tudo cresce, ainda desconhecido, não há turismo de massa e as pessoas são tranquilas”, recorda Tom. “Uns amigos aconselharam-nos o Faial por causa da sua história muito importante e forte para os marinheiros”, refere Sofia.

Tom e Sofia
Tom e Sofia a navegar ao largo do Faial créditos: DR

Depois de passarem por Santa Maria e São Miguel, navegaram até às ilhas do triângulo e, quando se preparavam para aportar no Faial, Sofia descobriu que estava grávida do primeiro filho. “Neste momento [em que anunciava o teste de gravidez positivo], apareceu uma baleia. Foi mesmo especial”, evoca Sofia. “Chegamos ao Faial e, no dia seguinte, encontramos o terreno. Foi tudo muito rápido. Começamos a construir a casa e tivemos uma filha”, acrescenta Tom.

Atualmente, já com residência fixa na ilha, apesar de continuarem a viajar bastante, consideram que o Faial é um sítio “agradável e cómodo para quem tem filhos pequenos”. “Buscávamos tranquilidade, mas não queríamos ficar no meio do nada – uma perceção que algumas pessoas têm dos Açores. No Faial, com a marina, há muitas pessoas que vêm de todo o mundo e passam por aqui. É muito internacional”, afirma Sofia.

Cachalote ao largo das ilhas do triângulo
A baleia que Sofia e Tom viram quando chegavam ao Faial créditos: DR

Além disso, o facto de estarem no chamado triângulo é, para Tom, algo que marca a diferença. “Não tens a sensação de estar no meio do Atlântico sem amigos”. De facto, a ligação existente entre estas três ilhas, Faial, Pico e São Jorge, é única no arquipélago açoriano, que o digam o realizador Gonçalo Tocha e a produtora Sophie Barbara que escolheram viver no Faial para documentarem as singularidades das ilhas do triângulo.

No seguimento do trabalho que estavam a realizar sobre os Açores e após o lançamento do filme sobre o Corvo, a ilha mais pequena do arquipélago, decidiram que era o momento de se mudarem. “Queria filmar a ideia de arquipélago, a mesma identidade em vários territórios, apesar de separados pelo mar. Então, viemos para o triângulo porque é o sítio onde isso existe realmente. O triângulo é mesmo particular. A identidade cultural, as tradições, os rituais, há uma proximidade maior. Podia ser São Jorge, podia ser Pico, foi Faial por causa do vulcão e por causa do achado desta casa que estava abandonada”, relata Gonçalo, enquanto, durante a conversa, vamos observando o hipnotizante pôr do sol no vulcão dos Capelinhos.

Gonçalo e Sophie
Gonçalo e Sophie na casa com vista para o vulcão dos Capelinhos créditos: AvistaVulcão

A casa de Gonçalo e Sophie está muito próxima do vulcão, cuja erupção em 1957/58 mudou por completo a vida no Faial. Além de ter destruído casas e terrenos agrícolas, foi a primeira erupção submarina estudada e acompanhada pela comunidade científica e o “passaporte” de saída para milhares de açorianos com destino aos Estados Unidos. E foi ali, naquela casa, uma antiga propriedade agrícola, que a missão científica internacional que veio para os Açores estudar o novo vulcão esteve alojada.

Agora, tudo isso faz parte também da história de Gonçalo e Sophie que adquiram a casa, em 2016, com "20 anos de abandono em cima", salienta Sophie, mas com muito potencial, enumera Gonçalo: “estrutura antiga, uma casa típica açoriana, localização espetacular”. Mudaram-se em 2017 com os dois filhos, dando início ao processo de renovação da casa e ao projeto artístico e cultural a que chamaram de AvistaVulcão - Casa da Missão.

Foi também a vontade de iniciar um novo projeto que atraiu Sofia Gigante e Julien Floro ao Faial. O casal de biólogos marinhos já conhecia os Açores por conta da sua formação, mas decidiram mudar de área e começar do zero um projeto de permacultura, a Myrica Faial Permaculture Farm.

“Viemos cá visitar uns amigos biólogos e explicamos o nosso projeto, dissemos que queríamos ir para o Algarve implementá-lo e eles disseram: porque não aqui?”, conta Sofia. Em 2016, começaram a procurar um terreno e acabaram por encontrar um na zona do Capelo. “Chegamos cá com esta ideia de fazer permacultura e agricultura regenerativa”, declara, contudo, os primeiros anos não foram fáceis. “Vento forte e humidade, é um ambiente muito difícil para plantar. Todos os anos é uma aprendizagem”.

Myrica
Sofia e Julien na quinta Myrica créditos: Alice Barcellos

Hoje em dia, conquistaram um lugar cativo no mercado semanal da Horta, onde, todos os sábados, apresentam legumes, verduras e frutas cultivados de forma sustentável, além de disponibilizarem outros serviços, como cabazes, visitas à quinta e workshops.

Foi também no mercado municipal da Horta que Margo Pettiti e Many Largo começaram a ir vender os primeiros produtos que conseguiram cultivar numa antiga quinta faialense no ano passado. O casal veio para a ilha com o sonho de reconstruir a casa da família de Margo que se encontrava em ruínas desde que foi afetada pelo sismo de 1998. “A minha família é da Granja, Feiteira de Cima, e nós sempre viemos aqui durante a infância. Todos os verões íamos à quinta”, relembra Margo.

Many e Margo
Many e Margo na quinta que estão a reabilitar créditos: DR

“A minha mãe deixou-nos estas terras. Nós decidimos que queríamos mudar-nos para cá. Eu vendi a empresa que tinha nos EUA, Many despediu-se do emprego. Neste momento, estamos a reconstruir a quinta e vamos desenvolver um projeto de farm to table”, do qual já começaram a realizar jantares este ano com produtos cultivados na quinta e menus elaborados por Many. Para o próximo ano, contam ter as obras da Fazenda Granja concluídas e pretendem realizar várias iniciativas.

Margo tem formação em agricultura e Many é chef, a união perfeita para este conceito de “farm to table” (do campo à mesa) que ganha cada vez mais adeptos pelo mundo. Porém, tal como Sofia e Julien, também o casal norte-americano encontrou muitos desafios. “Quando se vem aqui durante duas semanas no verão, pensamos que se pode cultivar aqui qualquer coisa, o tempo é tão bom. Mas há tantas tempestades, vento e chuva, é muito diferente, mesmo tendo uma formação na área, isso não importa, porque não podemos controlar o tempo. Tivemos de nos adaptar muito. Ainda estamos em fase de adaptação. No primeiro ano, perdemos tudo que tínhamos plantado em março e abril. Tem sido o mais difícil”, confessa Margo.

De facto, ganhar consciência que se vive numa ilha, sujeita a condições meteorológicas adversas e outras limitações bem diferentes da vida continental, foi algo que surpreendeu Beréngère Gautier quando, juntamente com o companheiro Michael Guedes, se mudou para o Faial, seguindo o desejo conjunto de trocar de país – viviam na Bélgica – e também mudar de vida.

Depois de procurarem o lugar ideal para um recomeço, o casal – ela belga, ele português – acabou por encontrar este lugar nos Açores, no sítio que menos esperavam. "Todas as vezes que íamos de férias, procurávamos um lugar para viver. Ásia era muito longe; o sul da Europa é muito quente durante o verão. Havia sempre algo contra. Até que uma vez viemos aos Açores. E foi a primeira vez que disse: imagino-me a viver aqui. Na segunda vez que viemos, decidimos: vamos mudar-nos para aqui", narra Beréngère.

Michael e Beréngère
Michael e Beréngère créditos: DR

Atualmente, com dois filhos nascidos no Faial, Michael e Beréngère já apanharam o ritmo desta vida insular, mas ainda se lembram do período de adaptação – mudaram-se em janeiro de 2019. “A verdade é que a vida aqui é mesmo diferente. É uma ilha. Temos de viver com o facto de que não temos sempre tudo nas lojas e nos mercados. Temos de esperar, sou uma pessoa muito impaciente. A vida é mais devagar, e é melhor, sem o stress da cidade, quando te habituas”, refere a advogada que, atualmente, está a escrever guias turísticos em francês sobre os Açores e também realiza visitas guiadas nesta língua pelo Faial.

Muitos dos turistas que conhecem a ilha com Beréngère ficam surpreendidos com a história da Horta e do Faial, desde os primeiros colonos flamengos até à passagem dos cabos telegráficos submarinos que trouxeram à ilha várias nacionalidades. Há certos elementos históricos que fazem do Faial um lugar único. “Uma combinação de fatores que não é normal em muitos sítios”, afirma Pedro Escobar, um dos guias turísticos da empresa Our Island.

Nascido e criado na ilha, já viveu noutras partes do mundo, mas decidiu regressar. Reconhece que neste momento o Faial assiste a uma vaga de migração diferente do que já aconteceu. “Há 30 anos, muita gente veio para cá fazer vida, com 20, 30 anos, vieram trabalhar, compraram casas nos sítios mais baratos. Há dez anos, chegaram pessoas que se estavam a reformar, muitos dos que vieram para cá reformar-se eram pessoas que já tinham estado aqui, eram iatistas. Agora temos casais novos, com filhos, que se estão a integrar na comunidade. Muitos são nómadas digitais, desportistas ou realizadores”, explica.

Pedro Escobar
Pedro Escobar créditos: Our Island

“As pessoas aqui são mais abertas a outras culturas, pela história da cidade da Horta, dos cabos submarinos, dos aviões que paravam aqui, da parte da navegação. A história influencia como as pessoas são agora”, acredita Pedro, referindo que “a cultura pode ser agregadora”.

“Os Açores sempre foram um sítio de acolhimento de estrangeiros. Muita gente passava cá e ficava, sempre foi acolhedor”, corrobora Gonçalo Tocha. Talvez, por isso, a adaptação à comunidade não seja difícil para quem vem de fora.

“A minha família é de São Miguel e eu passava todas as férias de infância lá. Sempre tive este fascínio inocente, que é só de passagem, do que é viver numa ilha. Quando já estás a viver há sete anos, és confrontado com a quebra ou possível quebra deste fascínio. És confrontado com a dureza, esta espécie de claustrofobia social que pode haver. Isso é um confronto, mas não tirou o fascínio. Estávamos preparados, mas pode ser uma desilusão”, relata o realizador.

“As pessoas que nasceram cá, que conheceram o mundo, mas vivem cá costumam dizer: é um paraíso sofrido e é preciso saber sofrê-lo. Pessoas que estão cá desde sempre sabem que é precioso e é sofrido. Viver aqui, nada é garantido”, completa Gonçalo.

“A grande diferença foi a gentileza e a hospitalidade das pessoas. Estão a habituadas a viver em comunidade e a ajudam-se uns aos outros”, realça Beréngère que, no início, até desconfiava da simpatia das pessoas. Também Margo e Many notaram uma diferença gritante neste aspeto: “todos foram muito hospitaleiros connosco, tentam sempre ajudar, sentimo-nos muito bem recebidos”. A ausência de criminalidade também foi um aspeto que conquistou Beréngère e Michael.

“Para nós, a adaptação foi fácil porque tínhamos muitos amigos biólogos marinhos que vieram para cá trabalhar. Tínhamos encontrado aqui uma família”, diz Sofia Gigante.

“É mais fácil conectar-se com as pessoas e fazer algo que faça sentido para todos. Fazer parte de uma comunidade”, abona Sofia Piñero que, neste momento, está a trabalhar num canal de Youtube sobre “a vida nos Açores” que vai mostrar como é viver no arquipélago. Também Michael e Beréngère estão a pôr em marcha um projeto para lançar uma destilaria de rum. “A ideia é desenvolver a destilaria e ter uma produção local de cana-de-açúcar. O rum é uma bebida de marinheiros, piratas, algo que acompanha também a história da ilha”, explicam.

Tom e Sofia
Tom e Sofia créditos: DR

Para os que foram aumentando a família no Faial, há um sentimento em comum: é um lugar ideal para crianças. “Quando temos filhos, vemos a qualidade de vida que eles têm, de ir à praia, ao bosque, ver o mar todos os dias. Não poderiam fazer isso na Bélgica”, considera Tom que acabou por descobrir uma ligação genealógica com os primeiros colonos flamengos do Faial. “Por isso também me sinto em casa. É interessante porque aqui nos Açores toda a gente vem de fora. É uma mescla. Todos somos migrantes. É diferente, as pessoas tratam os estrangeiros como família também”, conclui.

O SAPO Viagens visitou o Faial a convite da Associação de Turismo Sustentável do Faial