Um desses locais é junto à estrada (N379-1), num pequeno miradouro para o estuário do Sado e onde também temos uma vista de conjunto do convento.
Fica ao lado de uma das várias ermidas que descem a serra. As que se situam no topo da encosta da serra estão próximo do Convento Velho.
São as primeiras construções dos frades franciscanos. Algumas são celas escavadas nas rochas. Viveram ali quatro frades durante dois anos. Sem mais nada. Apenas em contacto com a natureza e protegidos pelos tradicionais trajes franciscanos, com um capuchinho. A vista e o contexto consubstanciam bem o sentido da frase pobreza franciscana.
Outro exemplo é já no Convento Novo. São várias construções no meio da encosta e na fachada da igreja vemos uma estátua de um frade. Está em cima de um globo terrestre e a pisar um dragão. Os olhos estão vendados, está de braços abertos em forma de cruz. Numa das mãos tem um círio, na outra um cilício.
Na boca tem um cadeado e no coração uma fechadura. Simboliza uma escolha, “eles viviam em função do silêncio e da penitência. Aquela era a vida que eles queriam e gostavam de viver.” A frase é de Joana Fonseca, diretora-adjunta do Museu do Oriente, da Fundação Oriente, a entidade proprietária do convento desde 1990.
No interior da igreja vemos uma imagem de Nossa Senhora da Arrábida e que remete para uma lenda do século XIII que adensa a serra da Arrábida como um lugar sagrado. “A Arrábida etimologicamente deriva do árabe e tem como significado cadeia de montes. É um lugar sagrado, um sacro monte, onde começaram a ser construídas ermidas que na fase original eram grutas."
A lenda da salvação de um naufrágio graças à imagem da santa originou a construção da capela da Memória e iniciou um processo de religiosidade que, acompanhado de isolamento, tornou o lugar ideal para os frades franciscanos.
“Frei Martins da Cruz quando chegou à serra terá exclamado: se não estou no Céu estou nos seus arrabaldes. Quando estamos ali, quando olhamos à nossa volta para aquela paisagem toda verde, em silêncio, parece que chegámos ao paraíso.
Os primeiros frades que foram viver para esta terra procuravam exatamente um local como aquele: um sítio ermo e longe das zonas urbanas, do que era então urbano. Podiam viver ali de acordo com as diretrizes da regra religiosa a que pertenciam.”
No percurso pelas várias construções, ligadas por escadarias, fontes ou pequenos patamares que projetam o olhar para o estuário do Sado, um ponto comum é a ausência de luxo, ou mesmo de conforto.
Os dormitórios, pequenos cubículos com uma janelinha, o refeitório, os lavabos, são espaços de grande austeridade.
“Era um espaço despojado. Na fase inicial ainda mais do que aquilo que vemos hoje. Não havia conforto. Eles queriam aquela vida de sacrifício, de devoção a Deus. Os cilícios aparecem com frequência nos conjuntos azulejares dos conventos da Província da Arrábida. A dor física que eles infligiam a eles próprios. Para eles aquilo fazia sentido. Viviam a religiosidade e a fé até ao ínfimo da sua existência.”
Algumas peças de arte, a maioria muito posteriores à fundação do convento, é que já revelam algum apreço por outros valores para além da fé. “Existem esculturas de grande qualidade que serão dos séculos XVII e XVIII. As mais bonitas estão associadas à representação de Cristo no espaço da Via Sacra. Temos também algumas pinturas. Uma que se destaca é a representação da Virgem Maria, será da autoria de Fernão Gomes e é do século XVII”.
A tese de Mestrado de Joana Fonseca é sobre os azulejos do Convento da Arrábida e restantes conventos da Província Franciscana da Arrábida. “O Convento de Santa Maria da Arrábida era a casa mãe da Província dos Frades Franciscanos da Mais Estreita e Regular Observância.
As principais temáticas que aparecem nos azulejos, que de facto são do convento, porque foram colocados posteriormente outros azulejos, têm a ver com a religiosidade da ordem. Temos, entre outros, a representação do Santíssimo Sacramento, o Pano de Verónica e uma representação muito bonita na Capela do Senhor dos Aflitos, no Convento Velho. O frontal do altar é do século XVII, em tons azul cobalto e amarelo, com vários símbolos da Paixão. É fabuloso.
Em algumas capelas há ainda a representação destes frades eremitas em oração no meio da natureza. Muitos deles vestidos com o traje franciscano, o capuchinho, roupa remendada e o cinto dos franciscanos. Consegue-se encontrar a essência da religiosidade neste suporte decorativo dos azulejos.”
Um dos conjuntos mais interessantes que podemos observar na visita ao Convento Novo é no corredor escuro de acesso à igreja. “Originalmente eram 14 painéis agora estão 13. É como se fossem estátuas dentro de nichos. São representados santos da Ordem Franciscana, santos espanhóis da corrente Observante e frades capuchos que viveram na Arrábida. Eles estão ali como modelos a seguir e inspiração para os frades que lá viviam. ”
Nós, visitantes, apetrechados com tecnologia e habituados ao conforto, sentimos um arrepio ao projetarmo-nos na rotina dos frades. Na opinião de Joana Fonseca, a descoberta destas vivências é um dos traços mais cativantes para os visitantes. “Há muita procura para conhecer o convento. Temos tido muitas visitas. Acho que as pessoas saem maravilhadas.
É um espaço único que nos enche a alma. As pessoas ficam surpreendidas não só com a história do local, como também com o simbolismo do convento, quem foram os frades que ali viveram e como viveram.”
Com o fim das ordens religiosas, em 1834, o convento sofreu pilhagens e ficou ao abandono. As principais obras de recuperação apenas tiveram lugar nos anos 40 e 50 do século passado. Desde 1990 o convento é propriedade da Fundação Oriente.
O conjunto está classificado como Imóvel de Interesse Público. As visitas ao Convento Novo realizam-se quartas, sábados e domingos, mediante marcação prévia.
No Convento da Arrábida descobre o que é a “pobreza franciscana” faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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