No Dia Mundial do Livro, que se assinala esta quinta-feira (23), fomos ouvir viajantes que editaram livros. Na era das viagens de Instagram, em que tudo é instantâneo e efémero, ainda vale a pena editar um livro sobre viagens? Não há dúvidas de que a resposta é sim e estes viajantes concordam connosco.
O mundo visto pelas impressões de outras pessoas
Quando começamos a ler um livro que narra viagens, sabemos que vamos encontrar uma perspetiva única de cada lugar – a visão do viajante. Mesmo que seja um lugar conhecido, ele pode ganhar uma dimensão totalmente nova à luz daquele autor.
“Para mim, o livro é uma consequência da viagem, e não o inverso. Eu fotografo e escrevo (por esta ordem de importância), e materializar em papel essas experiencias é algo que me dá um imenso prazer, e através do qual espero partilhar com o público as experiências que fui tendo o privilégio de viver”, conta ao SAPO Viagens o fotojornalista e viajante António Luís Campos, que já editou cinco livros.
O livro é uma consequência da viagem, e não o inverso
De uma viagem ao mundo das borboletas do rio Mondego a uma travessia fluvial pela Amazónia, o projeto mais recente de António foca-se em cinco anos de viagens pelas nove ilhas do arquipélago dos Açores, Crónicas da Atlântida. Veja abaixo algumas imagens do livro.
Ao traduzir as suas viagens em projetos editoriais, António pretende fazer com “que o leitor sinta tanto quanto possível o que eu vi, toquei, vivi, assumindo que, mesmo como jornalista, nunca serei totalmente imparcial - isso não existe”.
“Escrever sobre uma viagem é como viver a aventura uma segunda, terceira e quarta vez”, afirma Jorge Vassallo, viajante que já editou quatro livros e é autor do blogue Fui dar uma volta. Os dois últimos centram-se nas muitas peripécias que viveu durante as suas viagens pela Índia. De Vespa na Índia e o Marajá faz anos são os dois volumes já publicados que fazem parte de uma trilogia, Tudo é possível.
“Julgo que a magia do ato de escrever é o ato da partilha. Tentar colocar em palavras encontros e desencontros, emoções e vivências pessoais, fazendo com que o leitor possa sentir um pouco do mundo visto pelos olhos do autor e, com isso, viajar lado a lado com ele”, descreve ao SAPO Viagens o viajante Filipe Morato Gomes que editou o livro Alma de Viajante sobre uma volta ao mundo que fez durante 14 meses. O viajante de um blogue com o mesmo nome do seu primeiro livro.
Quando realizou esta viagem, da qual escreveu crónicas semanais para a revista Fugas, Filipe não tinha como intenção publicar um livro. Só quando regressou, depois de ter sido “convencido” por um amigo editor, é que partiu para o projeto. Também a viajante Mami Pereira publicou crónicas no Dinheiro Vivo e no Eco antes de ter decidido compilar cinco anos de “grandes aventuras em climas tropicais” no livro Mami Geographic – Crónicas de Viagens.
De acordo com a autora, o processo de escrita de um livro de viagens não é fácil e pode-se, facilmente, cair em lugares-comuns. “Acho que os livros de viagens podem cair naquela armadilha de estares a obrigar os teus amigos a ver as tuas fotos de lua-de-mel”, salienta. Para evitar isso, a autora revela que todas as suas histórias de viagens têm sempre muito “sentido de humor”.
A magia de reviver (e descrever) uma viagem
O processo de preparação de um livro tem “tanto de encantador como de duro”, considera António Luís Campos. “Decidir o que incluir e o que deixar de fora é angustiante, sobretudo no que toca à fotografia. Procuro que cada imagem e cada história contem algo relevante, sem redundâncias, dando o máximo de variedade, cor e profundidade ao resultado final”, relata o viajante.
“Pessoalmente, tomo sempre notas quando estou on the road, escrevo pequenos diários, guardo pensamentos e referências, gravo clips de som, tiro fotografias. É importante armazenar um pequeno arquivo de memórias para, mais cedo ou mais tarde, usá-las como base para aquilo que se vai escrever. Só assim consigo reviver uma aventura que fiz há 15 anos, quase com tanta precisão como acerca de outra ainda ‘fresca’”, indica Jorge Vassallo.
Sendo o processo de escrita um ato criativo, Filipe Morato Gomes acredita que não existem “regras ou algoritmos” a seguir. O importante é conseguir traduzir as impressões de viagens “com alma”.
Mami Pereira sempre escreveu diários de viagens e já ficou surpreendida ao reler estes relatos. “Do género ‘que raio, de onde é que aquilo saiu?’. Mas é um exercício maravilhoso ao serviço da memória e da nostalgia, ter que parar para escrever cristaliza a viagem. E ainda não inventaram fotografia ou vídeo que o consiga fazer tão bem”, considera a viajante.
Viagens que cheiram a livros
Quer seja através de palavras ou de fotografias, a verdade é que vai haver sempre espaço para os livros sobre viagens, acreditam os viajantes ouvidos pelo SAPO Viagens.
“Há algo mágico num livro de papel e, embora não se compare o alcance de um livro ao do Instagram, há uma nobreza no livro, na textura do papel, na lentidão implícita no manuseio de um livro que não pode ser alcançada ou substituída por suportes digitais”, defende António Luís Campos.
“Um livro é um livro, e isso fica para todo o sempre. É o oposto desse imediatismo instagramável - e haverá sempre adeptos de leituras menos efémeras”, acredita Filipe Morato Gomes, que este ano disponibilizou a versão online do seu livro de forma gratuita.
Há algo mágico num livro de papel
Para os amantes de livros, o prazer do ato da leitura e da exploração daquele objeto é, por si só, uma viagem. “Um dos maiores elogios que me fizeram aquando da edição do último livro, Crónicas da Atlântida, sobre os Açores, foi: “cheira a livro!”. E é verdade! O odor a papel é como uma máquina do tempo”, completa António.
A solução pode passar por equilibrar a atividade nas redes sociais e a publicação de histórias em livros, crê Jorge Vassallo. “Não têm de ser processos/soluções contraditórias. São formas de comunicar diferentes, e penso que é uma opção de cada autor, especializar-se apenas num, ou conseguir gerir um equilíbrio entre vários”.
“Foram os meus seguidores que tornaram este livro possível e que me compraram a primeira edição em menos de dois meses. E os feedbacks têm sido maravilhosos. Sim, as pessoas ainda leem e não há nada como o papel para o fazer. E agora, de quarentena, são as únicas asas que temos para voar. Há que aproveitar!”, conclui Mami Pereira.
Quero ler um livro de viagens. Por onde começo?
Para os leitores que querem aventurar-se na literatura de viagens, apresentamos abaixo algumas referências deixadas pelos nossos entrevistados - além das opções já apresentadas ao longo do texto. Boas viagens!
- Na Patagónia, Bruce Chatwin
- Rio de Sangue, Tim Butcher
- Viagem por África, Paul Theroux
- Caderno Afegão, Alexandra Lucas Coelho
- Disse-me um Adivinho, Tiziano Terzani
- Ébano, de Ryszard Kapuscinski
- Patagonia Express, Luís Sepulveda
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