Entre os retratos a preto e branco estão algumas caras conhecidas também dos portugueses. Artistas como Mateus Solano, Martinho da Vila, Débora Nascimento ou Mart'nália, que, nestas imagens, posam de forma simples em suas casas no Rio de Janeiro.
O objetivo deste projeto surgiu com a ideia de fotografar janelas de forma “despretensiosa e afetiva”. “Sair de casa para visitar amigos em tempos de quarentena não fazia muito sentido por conta do confinamento imposto pela pandemia. No fim de março, tive a ideia de visitar e animar minha mãe que estava confinada. Como eu estava com medo do contacto físico, resolvi visitá-la com o drone em sua varanda e comecei a fotografá-la”, explica Nil ao SAPO Viagens.
“As fotos causaram muita alegria na família e percebi que poderia levar essa alegria a alguns amigos que não estavam tão bem nessa quarentena. Pensei em criar uma conexão, levar um pouco de carinho e quebrar a rotina, ou a falta dela... foi então que a ideia de percorrer ‘janelas amigas’ para realizar ensaios fotográficos aéreos tomou forma”, conta Nil.
Desde então a fotógrafa, acompanhada pelo produtor Sérgio Martins, já registou 84 janelas, um número que vai continuar a subir, pelo menos, até as 100. “Temo que esse período de confinamento dure um pouco mais e talvez passe das 100 janelas”, prevê.
O resultado das sessões fotográficas já pode ser visto na exposição virtual do Janelas.art. Um projeto construído por afetos que também se poderia chamar "Janelas do Bem" ou "Janelas do Afeto", uma vez que todas as pessoas fotografadas têm alguma relação com a fotógrafa – “são pessoas que conheço, admiro, tenho carinho, ou que possuem alguma história comigo, seja de afeto, amor, trabalho, ou relação familiar”.
Sair de casa, com todos os cuidados necessários, passar por aquela “expectativa do encontro e emoção ao ver os amigos, mesmo que a distância” faz parte do processo e as reações têm sido as melhores.
“Não tinha ideia o quanto um simples gesto poderia cativar e emocionar tanto os amigos. Percebi, com o projeto, que retratar alguém é conseguir trazer esteticamente sua alma à superfície. Quando se tem amizade, admiração e afeto as coisas parecem fluir e aos poucos toda aquela troca de carinho me fez ver além das janelas... fachadas, arquiteturas, reflexos, pastilhas”, descreve Nil.
Quanto tempo vai durar o confinamento?
É interessante observar os pormenores das janelas e as poses dos “modelos” para as sessões fotográficas. Há quem aproveite para passar mensagens, há quem dê um toque de humor, suba ao telhado ou, simplesmente, abrace os seus entes queridos.
“Os ensaios fotográficos não tinham regras, os ‘modelos’ poderiam se apresentar como quisessem... sérios, deprimidos, sem roupas, fantasiados, protestando - o tema sempre foi livre”, refere Nil.
Numa altura em que os números de contagiados e mortes (mais de 1 milhão de casos e 50 mil mortos) no Brasil por culpa da COVID-19 comprovam a gestão desastrosa da pandemia, quem opta por fazer quarentena está também a demonstrar aversão ao estado atual do país.
“O Rio de Janeiro e o país há algum tempo padecem da estupidez e da incompetência de nossos governantes e a pandemia chegou para expor ainda mais esse abandono. É muito triste viver em um local tão maravilhoso e tão cheio de possibilidades e saber que estamos desassistidos e à mercê da própria sorte...”, lamenta a fotógrafa, que viu as suas rotinas de trabalho completamente alteradas. Deixou de ir trabalhar fisicamente na produtora e as saídas para ensaios fotográficos foram reduzidas ao mínimo para evitar o contágio.
Janelas, “portais do amor”
Com mais de três meses nesta situação e sem o abrandamento dos casos, Nil ainda não sabe quanto tempo este confinamento vai durar. Enquanto isso vai continuar os encontros através das janelas, mediados pelo drone e pela câmara fotográfica.
“Nessa pandemia as janelas se tornaram verdadeiros portais de acesso ao amor. Conforme mencionado no texto da curadora que apresenta o projeto, a artista plástica Patrícia Borges, as janelas se desdobraram em ‘membranas físicas’ que separam o dentro do fora, que nos dividem, mas que também são portais entre o mundo que vemos e o mundo que nos olha. Limite para o corpo, mas não para a mirada”, deslinda Nil.
“Descobri que a palavra ‘janela’ vem do termo latim ‘januela’, diminutivo de ‘janua’, que significa ‘porta’. Essas duas palavras remetem ao deus Jano, a divindade bifronte da mitologia romana. Uma de suas faces sempre voltada para a frente, o porvir, e a outra, para trás, em apreciação ao passado”, remata a fotógrafa.
No futuro, quando essa situação passar, conta em organizar uma exposição física do projeto, editar um livro e realizar um encontro entre todos os participantes. “Dar uma festa com todos os fotografados e fazer uma grande foto com todos”.
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