A Ana e o Vítor são um casal de óticos de Vila Nova de Poiares que viajam juntos desde 2003. Depois de visitarem dezenas de países, começaram gradualmente a pensar numa forma de deixar a sua marca no mundo. Em 2019, aliaram a sua paixão por viajar àquilo que fazem melhor e começaram a entregar óculos graduados a pessoas com problemas de visão nos sítios por onde passam. Com a ajuda de algumas pessoas no terreno, identificam as necessidades mais prementes e, feitas as consultas de oftalmologia, asseguram a doação em mãos. Já realizaram quatro viagens em missão solidária, do Peru a Cabo Verde, agora na companhia dos dois filhos. Fomos conhecer a família Carvalho Martins.
Como surgiu a ideia de aliar as vossas viagens a uma missão solidária?
Vítor Martins: A nossa ideia surgiu ao fim de algumas dezenas de viagens, especialmente para América do Sul e África. Percebemos que viajando de forma diferente ao turista comum, ficamos a conhecer a verdadeira essência de cada lugar. A partir daí conhecemos pessoas, e é através delas que vamos à procura de verdadeiras carências oftalmológicas e financeiras. Trabalhamos em equipa, os nossos voluntários ajudam-nos na procura e na realização das consultas e nós tratamos do resto e vamos entregar a cada pessoa no terreno. Este tipo de Missão é pioneiro em Portugal, mas isso também não é o mais importante. Já percebemos que com a divulgação, inspirámos alguns óticos independentes a realizar missões semelhantes, e isso deixa-nos extremamente felizes, porque o mais importante é conseguir mudar a forma de olhar de alguém sem possibilidades para isso.
Tentam prestar ajuda muito concreta e direta a pessoas com problemas de visão. Porque optaram por este modelo de ajuda?
Somos óticos de profissão, adoramos viajar, conhecer as culturas no Mundo, e sentimos que seria algo único podermos aliar a visão à viagem. A visão é um dos mais importantes sentidos do ser humano. Ser privado dela por falta de condições financeiras foi algo que vivenciámos em vários países e quando conseguimos reunir as condições necessárias a uma Missão desta dimensão, decidimos investir e arriscar. Hoje, passadas quatro missões, e tendo entregue noventa óculos, ficando a conhecer a história de vida de cada pessoa a que entregamos, sentimos uma gratidão enorme por viver estes momentos únicos e impagáveis.
Por onde já passaram nas vossas missões solidárias?
As nossas Missões Solidárias começaram em São Tomé e Príncipe, onde entregámos trinta e dois óculos, seguiu-se o Peru, mais propriamente na cidade de Cusco. Foi a 3400 metros de altitude que mudámos a forma de olhar a quinze pessoas. Passado um ano fomos à Ilha de São Vicente e à Ilha de Santo Antão onde entregámos vinte e três óculos. Acabamos de regressar de Ohrid, uma linda cidade da Macedónia do Norte, onde entregámos vinte óculos. Esta missão foi um pouco diferente, cerca de dez óculos foram entregues a pessoas com doenças muito raras e extremas dificuldades de locomoção.
O que sentiram ao partirem na vossa primeira missão? Alguma apreensão, por estarem a aceitar a responsabilidade de prestar cuidados de saúde a pessoas que não conheciam em realidades muito distantes da vossa?
A primeira Missão foi a São Tomé e Príncipe e depois de na "bagagem" termos cerca de sessenta países, ir era algo normal. A enorme diferença estava em que iríamos mudar a forma de olhar a trinta e duas pessoas. Foi uma emoção muito grande, algo que, por mais anos que vivamos, nunca esqueceremos. A emoção das pessoas, a forma como nos agradeciam, quase todas diziam que nada tinham para nos retribuir, mas os seus sorrisos e a sua felicidade era algo que nos deixava tão felizes e realizados que nada mais precisávamos. Outra coisa que nos deram, foram lições de vida atrás de lições de vida ao nosso filho mais velho que tinha oito anos, e decidimos levar para conhecer uma realidade completamente diferente.
Mantém algum contacto com as pessoas que ajudam no decorrer das vossas missões?
Temos várias pessoas que continuamos a manter contacto. Estamos à procura de padrinhos que possam dar seguimento ao nosso trabalho, ajudando especialmente as crianças, como o pequeno Daniel, cuja história ficará eternamente gravada nos nossos corações. Passados quase quatro anos, fomos contactados novamente pela mãe do pequeno Daniel, e já arranjámos forma de o ajudar novamente.
Têm tempo para aproveitar as viagens que fazem no contexto das missões solidárias? Isto é, conseguem ter tempo de viagem para vocês enquanto família?
Viajar para nós, é conhecer a cultura e as pessoas de cada país. Portanto, não poderíamos pedir mais. Quando vamos em Missão, conhecemos a essência de cada lugar, a forma como vivem e acima de tudo conhecemos novas "famílias". É algo que não tem preço.
Que apoios têm nas vossas missões solidárias? Gostariam de ter mais? Têm algum projeto ou ideia em mente que faria sentido contar com mais ajuda?
A cada Missão vamos conseguindo cada vez mais apoios de parceiros que acreditam em nós. Pacientemente, estamos a reunir todas as peças para tentar fazer algo ainda mais grandioso. Gostaríamos de divulgar o nosso trabalho ao máximo de pessoas, pois estamos certos que iremos inspirar alguém, e se o conseguirmos, mudaremos a forma de olhar a mais pessoas, e é esse o nosso principal objetivo.
Podem acompanhar as viagens, e apoiar as missões solidárias, da família Carvalho Martins através do seu blog, O nosso olhar do mundo.
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