Imagem: Facebook História Viandantes
“Queremos resgatar nove histórias destas ruas, quelhas e vielas, muitas delas degradadas, que ainda escondem moradores. Eles é que são os tesouros e a alma de uma cidade”, contou hoje à agência Lusa, Rui Coelho.
O biológico, de 29 anos, e a irmã, designer de comunicação de 24, estão a “dar vida a espaços escondidos” e esperam que as nove ilustrações que vão desenhar nas paredes da cidade antiga “ponham as pessoas a percorrer espaços escondidos, dando-lhes importância e acarinhando quem lá vive”.
O projeto Histórias Viandantes, um dos vencedores do prémio “Jovens com Talento”, promovido, em 2020, pela Câmara de Viana do Castelo, é também uma espécie de grito de alerta para a desertificação dos centros históricos das cidades, “vazios de gente e das suas histórias”.
“Preservam-se as fachadas, mas as casas que antigamente eram de famílias, onde moravam pais e filhos, de repente são transformados em apartamentos T0 e T1. Que famílias vão habitar estes espaços?”, questionou Rui.
“Se este projeto fosse realizado daqui a 50 anos o que haveria para contar? É tudo mais efémero. As pessoas moram nesses locais três ou quatro meses e mudam-se, querem ter filhos e saem”, insistiu.
Em 2020, o confinamento causado pela pandemia dificultou a investigação dos temas a retratar. O distanciamento social conduziu à consulta de bibliografia relacionada com a cidade. Mal o coronavírus permitiu o regresso às ruas, os irmãos voltaram ao contacto com as pessoas.
As nove histórias ilustradas nas paredes de quelhas e vielas foram sendo selecionadas, umas “ao acaso”, outras pela “emoção” que causaram aos dois irmãos, naturais e residentes em Viana do Castelo.
Apontou como exemplo a loja da artesã, a dona Esperança, que Rui recorda desde miúdo. “Acho delicioso a loja estar igual ao que era. Depois descobri que a loja, que hoje é de artesanato, foi uma mercearia”, relatou.
“Qualquer pessoa podia ter uma história nas paredes de Viana. Ao longo das nossas vidas, todas as pessoas têm um episódio que é literário o suficiente para merecer ser contado e ilustrado”, referiu o jovem.
A ilustração do ramo ou ramalhete azul, inspirada na loiça de Viana, foi a única com tema definido por estar desenhada numa parede do Museu de Artes Decorativas.
Pintadas estão também a Rua Major Xavier da Costa, a Viela da Cova da Onça, dedicada à drogaria 26, do pai do avô dos dois irmãos, que vendia de tudo, até aparas de chifre de veado para defumações contra a inveja, o mau-olhado e outras ruindades de nomes esquisitos.
A drogaria fechou em 1964, após morte do antigo proprietário, e hoje, com outro nome, é um espaço para tacadas em mesas de bilhar.
Já a Viela da Parenta conta a história da dona Marucas e a Rua da Amália, assim batizada em homenagem à fadista que celebrizou o poema de Pedro Homem de Mello “Havemos de ir a Viana”, ganhou vida com ilustrações de pombas, velas e candeias, inspirada no “Andar às vozes”, uma tradição antiga da Ribeira.
“Sempre que um barco de pesca se atrasava no regresso, alguma disputa familiar ou um amor mal resolvido ou um namoro que demorava tempo demais e não chegava ao altar reuniam-se três ou seis as mulheres respeitadas na comunidade dos pescadores, não eram bruxas, tinham uma fé muito aguerrida e pediam-lhes que fossem ‘Andar às Vozes’ a ouvir nas ruas da cidade”, explicou.
As “mulheres iam à capela da Senhora das Candeias, pediam os olhos emprestados à santa e depois andavam pela cidade a rezar, trinta e três credos.
Junto ao Senhor da Boa Lembrança, na Capela das Almas, atrás do prédio Coutinho, onde acabava o seu percurso, “contavam o que tinham visto e entravam em acordo sobre se era bom ou mau, regressando à Ribeira, onde o seu veredicto era esperado”.
A Rua da Amália, que chegou a chamar-se Travessa do Hospital Velho, Viela de Seitães e ainda antes disso Rua da Judiaria, era a única por onde as mulheres respeitadas não passavam, por ali funcionarem, em tempos, casas de prostituição.
O projeto Histórias Viandantes saiu do papel para as paredes de ruas e vielas em junho. A Palmirinha, figura icónica do centro histórico que morreu este ano, e que por entre pombas ou com a cesta à cabeça vendia a quem lhe quisesse comprar, foi a primeira a ilustrada.
O rosto da Palmirinha, mulher pequenina e de sorriso sempre rasgado passou a dar “vida e cor à Rua do Trigo, onde viveu com uma sobrinha”.
Cinco ruas já estão pintadas, algumas com mais do que uma ilustração. As quatro que ainda restam esperam pelo fim da burocracia que atrasa a autorização para pintar as paredes do centro histórico.
Se as condições climatéricas ajudarem e o tempo disponível dos dois irmãos o permitir, os trabalhos deverão terminar até à próxima primavera na Viela das Padeiras, na Rua do Tourinho, na quelha do Túlio e na Rua do Vilarinho.
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