Pública ou não? A chamada Privates Beach (praia privada), situada na costa de Santa Cruz, é alvo de uma intensa batalha legal que irá decidir sobre este tema. A uma hora de carro para norte, acontece a mesma coisa com Martin's Beach, onde surfistas e membros da comissão do litoral lutam há uma década para preservar o acesso público face às intenções de um magnata do setor informático.

Desde que comprou uma propriedade de mais de 21 hectares em 2008 (por 32,5 milhões de dólares), Vinod Khosla, cofundador da Sun Microsystems, procura por todos os meios impedir a passagem para a praia através dos seus terrenos, e acaba de apresentar o caso ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos.

Ambos os casos são ilustrativos dos obstáculos permanentes entre o cidadão comum e a costa californiana, cujo livre acesso é garantido desde 1976 por uma lei do estado. "Não pára, é uma pressão constante", lamenta Pat Veesart, que supervisiona a implementação desta lei no norte da Califórnia. "As pessoas que têm dinheiro suficiente para comprar uma propriedade à beira-mar estão sempre a procurar maneiras de isolá-la ainda mais".

Paraíso perdido

Toda a costa da Califórnia está envolvida nesta questão, particularmente Malibu, no sul, onde muitas celebridades têm casa na "praia dos milionários" e recorrem a todo o tipo de artifícios para complicar o acesso às pessoas comuns.

Privates Beach, California
créditos: AFP or licensors

Vigilantes privados, falsas placas de proibido estacionar, cones de trânsito colocados ao longo das vias ou procedimentos judiciais intermináveis: segundo Linda Locklin, diretora do programa de acesso ao litoral do estado, "alguns não spáram perante nenhum obstáculo para evitar a passagem do público".

Em sua defesa, os proprietários alegam o direito à tranquilidade, acusando os visitantes de deixarem lixo, cometerem atos de vandalismo e causarem outros problemas.  "Desde que existe este caminho, é como se as portas do inferno estivessem abertas", queixa-se o cineasta Michael Lembeck, apontando o acesso pedestre a partir da estrada para a praia de um lado da sua propriedade em Malibu, aberta em 2015.  Antes, "isto era um paraíso. Muitas pessoas  mudaram-se, e nós poderemos ser os próximos", afirma à AFP.

Para o agente da polícia Sean Johansen, a cerca e o direito de acesso "não são grande coisa". "Se houvesse um acesso aberto, isso provavelmente atrairia à praia pessoas pouco recomendáveis, 'sem abrigo' e talvez até mesmo pessoas que consomem estupefacientes", diz Johansen, que acaba de surfar com um colega na Privates Beach de Santa Cruz. Tal como várias outras pessoas entrevistadas pela AFP na praia, considera que quem não quer ou não pode pagar os 100 dólares por ano simplesmente tem que ir embora. "Há muitos outros lugares para onde ir", acrescenta Jeff Lebeouf, um morador. "Sempre foi assim, e acho que deveria continuar a ser".

"Um pouco da nossa alma"

Nem Vinod Khosla nem os seus advogados puderam ser contatados pela AFP. Mas o empresário explicou recentemente ao The New York Times que as suas ações se deviam a "uma questão de princípios", mais que ao apego à casa  que tem a sul de San Francisco.

Os defensores do direito ao livre acesso também não desistem, mas temem que o recurso ao Supremo, se for admitido, crie um infeliz precedente. "A praia é um pouco a nossa alma. Aqui, é de de facto, tradicionalmente, um lugar de encontro", diz a californiana Noaki Schwartz, porta-voz da Comissão Costeira.

Por enquanto, Martin's Beach segue aberta ao público. Mas os surfistas que a frequentam sabem que isso pode mudar da noite para o dia se a ação avançar nos tribunais. "Isso permitiria aos indivíduos extremamente ricos comprarem os terrenos ao longo da costa e, pouco a pouco, transformar um espaço público em propriedade privada", insiste Eric Buescher, um advogado que representa a Surfrider Foundation, que se opõe a Vinod Khosla. "É como se alguém comprasse todos os edifícios à volta do Central Park de Nova Iorque, e depois declarasse: 'Bom, agora o Central Park pertence-me!'"

Fonte: AFP