Bilhete-postal por João Lopes
Abrantes, 25 de Fevereiro 2023
Ao contrário de tantos viajantes a calcorrear continentes presos a malas, maletas, e mochilas por esse mundo fora, não preciso nada disso para sair de um lugar para o outro. Num veículo cheio de sobriedade percorro o concelho de Abrantes, área semelhante à ilha da Madeira, atravessando aldeias e lugares, em vez das malas vão livros. Objetos onde se arrumam histórias, mistérios, mentiras, tramas, e enredos onde as viagens são ação. Protagonizam destinos desconhecidos, lugares inóspitos, sítios onde já fomos felizes, detalhes ignorados ou que não demos importância. Outros há, que viajam com olhares diferentes e fazem perdurar a experiência nos livros.
A biblioteca ambulante, itinerante, como a queiram mencionar, o importante é o serviço que realiza a levar histórias aqueles que habitam lugares afastados, visitados por turistas, esquecidos, por desvendar ainda. Para além disto, gosto de observar este território ladeado pelo rio Zêzere e separado pelo Tejo, norte e sul, diferentes morfologicamente, as suas gentes, os dialetos, a doçaria (Palha de Abrantes, Tigeladas) e a arte culinária fundamentadas na terra e história abrantina.
Das muitas análises que envolvem as viagens e andanças com letras pelas aldeias da minha terra (como gosto de referir), há poucos dias num pequeno troço, uma descida vertiginosa cheia de contra curvas levando-nos a um lugar pequeno chamado Sentieiras do Souto.
No início, o casario, lá em baixo mais parece uma maquete, tal não é a altura, depois a precaução é boa conselheira, há pedaços do asfalto onde os raios solares não chegam, a caixa de velocidade engatada na terceira, e segunda, auxiliada com o pé no travão.
Atrás nas prateleiras, todas as vezes que desço a estrada, os livros vão agarrados uns aos outros, unidos para não caírem. Alguns não têm essa sorte, caem sem desmancharem a arrumação das palavras, assustam-me com o som do estrondo da colisão. Não têm conta as vezes que passei neste declive acentuado, onde a paisagem é o espelho da estação climatérica, exemplo é o braço do rio que traz a vida a este lugar, tem dias desalentados ou alegres. Foi assim que encontrei o lugar há poucos dias atrás, a terra, o homem, os animais e o rio num pacto mútuo.
O João escreve sobre as suas "viagens e andanças com letras pelas aldeias" de Abrantes no blog Histórias à beira-rio.
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