
Vila de um conde ou Vila de Comité dividem opiniões quanto à toponímia da cidade. Estudos — e certezas — à parte, o consenso é unânime quando se trata de apontar Vila do Conde como uma cidade com forte potencial turístico e com características únicas, que carecem de visita mandatória e presença assídua em qualquer check-list de um viajante.
Comecemos pelo cerne, outrora centro da vila piscatória do século XVII, hoje centro histórico da cidade cosmopolita do século XXI: o Monte do Mosteiro.
No coração desta cidade do distrito do Porto, onde o rio Ave encontra o oceano, o histórico Mosteiro de Santa Clara ergue-se agora como um hotel, The Lince Santa Clara.

O espaço alberga o Centro Interpretativo de Santa Clara, com vestígios da primeira construção de 1318 e a reconstrução no século XVIII. A cronologia, exibida numa das paredes, dá conta dos grandes marcos do Mosteiro, com citações de José Régio, ilustre vilacondense, a adornar as seculares paredes do espaço. Artefactos e documentos, encontrados aquando da recuperação do convento, do mosteiro e da igreja de Santa Clara ocupam um lugar central na sala, com hologramas e histórias que importam preservar.
O piso subterrâneo é ocupado ainda pelo Restaurante Oculto, do chef Vítor Matos, detentor de uma estrela Michelin, à qual se junta uma wine cellar, com mais de 500 referências selecionadas. As visitas ao espaço podem ser coordenadas com o hotel e são de entrada livre.
Junto à entrada do hotel, espaço para a passagem do magnífico aqueduto, o segundo mais extenso do país, com cerca de oito quilómetros, até à Póvoa de Varzim. A construção, com mais de 300 anos, foi símbolo de poder e de riqueza, construído a mando da abadessa para servir em exclusivo o Mosteiro de Santa Clara. Reza a lenda que o aqueduto teria 999 arcos.
O adro do hotel é ainda um excelente spot para vislumbrar a paisagem vilacondense: o estuário do Rio Ave, a Igreja Matriz, a praça, e uma luz tão própria, tão bela, que escasseiam palavras para descrevê-la. Talvez, o melhor seja ir e confirmar com o seu olhar o que os adjetivos falham em classificar.
Seguimos pela calçada de São Francisco até avistar o mural dedicado aos 50 anos da morte de José Régio, numa evocação tão singela quanto particular.

Tempo para parar e entrar na Casa de José Régio, um património aberto ao público há 50 anos, com o espólio acumulado do escritor. De permeio, a casa dos pais de autor vilacondense, com a placa “Aqui nasceu José Régio”. Imóvel que separa o Centro de Estudos Regianos, que alberga, com frequência exposições, conferências e outras iniciativas.
Avistamos, ao longe, o edifício do BPI, projetado e desenhado pelo arquiteto Siza Vieira, que atrai estudantes de arquitetura e arquitetos dos quatro cantos do mundo. Se agendar a visita para uma sexta-feira, saiba que vai encontrar no remodelado Mercado Municipal, a feira semanal, com uma variedade de produtos.
Na Praça São João ergue-se magistralmente a Igreja Matriz, um edifício imponente, assoberbado de mil e uma estórias que só os séculos conseguem reunir. Sem querer alongar-me numa descoberta a ser feita em nome próprio, a história começa em 1502, envolve o Rei D. Manuel I, uma peregrinação a Santiago de Compostela e uma primeira missa celebrada em 1518. Da igreja, não deixem de apreciar o belíssimo pórtico de João de Castilho, a fachada de estilo manuelino, com os brasões picados - não pelo passar dos anos - mas propositadamente aquando das invasões napoleónicas. No seu interior, a imponente capela-mor e os excecionais vitrais com a história de João Batista: verdadeiras relíquias. Dizer que a torre sineira, construída a posterior, quebra algum do encanto da construção, não deixando de ser, ainda assim, um imponente espaço de culto.

Não há lugar mais conveniente para falar da festa maior do concelho, que irá decorrer de 31 de maio a 24 de junho, as Festas de São João. Sublinhar que, no dia 19 de junho, a festa do Corpo de Deus dá origem, de quatro em quatro anos (evento marcado para 2025) aos típicos tapetes de flores. Doze ruas da cidade, numa extensão de cerca de quatro quilómetros, são ornamentadas por elaborados tapetes de flores.
Seguimos à Praça Vasco da Gama, com um pelourinho, ladeada pelos Paços do Concelho, sendo que o edifício da Câmara Municipal é o mais antigo do país em atividade, e pela Capela da Senhora da Agonia.
É muito bom observar que muitas das casas das vielas que vamos percorrendo foram recentemente remodeladas, mantendo a traça original. Abre-se a Igreja da Misericórdia, edifício com mais de 500 anos, que alberga um deslumbrante órgão ibérico com um teclado.
Chegados ao Jardim Júlio Graça respira-se o romantismo do século XIX, circundado por palacetes e casas seculares. Ali realiza-se a Feira de Artesanato, com um dia dedicado à rendilheira de bilros, a Feira da Gastronomia e os mercados da Páscoa e do Natal.
Passamos pelo restaurado Teatro Municipal de Vila do Conde, com uma programação muito dinâmica, e seguimos pelo Largo dos artistas, até chegar à Casa do Vinhal, solar urbano do século XVIII, que acolhe o Museu das Rendas de Bilros e a escola das rendas de bilros, cuja existência ultrapassa os 100 anos. Exposta está a Vela de Nau, executada por mais de 150 rendilheiras, cuja dimensão lhe valeu a entrada para o Guinness World of Record. A fazer jus ao adágio antigo, "onde há rede, há rendas".

Ali perto viveu, por meses, o escritor Ruy Belo, que a este propósito tão bem escreveu o poema “Vila do Conde”:
O lugar onde o coração se esconde
é o novo passado a ida pra o liceu
Mas onde fica e como é que se chama
a terra do crepúsculo de algodão em rama
das muitas procissões dos contra-luz no bar
da surpresa violenta desse sempre renovado mar?
O lugar onde o coração se esconde
e a mulher eterna tem a luz na fronte
fica no norte e é vila do conde
Os passos guiam-nos até à esplendorosa Capela de Nossa Senhora do Socorro: Mausoléu dos seus fundadores, este templo mariano, “esconde” um indescritível painel de azulejos, que conta a vida de Jesus Cristo, cuja autoria se desconhece.

O Centro da Memória, local que alberga a Galeria Júlio | Centro de Estudo Júlio/Saúl Dias, é ainda Arquivo Municipal, gabinete de arqueologia e Núcleo Central do Museu de Vila do Conde. Com salão nobre e a Biblioteca Júlio, os vários espaços merecem visita compassada. Se passar lá por estes dias, pode visitar, para além da exposição permanente, a exposição “Palpitações Óticas | 3 Espasmos Musculares”, com curadoria de Juan Luis Toboso e colaboração de Cristina Grande, assim como a exposição de escultura “Convergências”, de Miguel Couto.
“Espreitamos” o Museu da Construção Naval, avistamos a Nau Quinhentista, o espaço museológico mais frequentado, e seguimos pelo Jardim centenário da República. A marginal é a paisagem ideal para abrir o apetite e sentar numa das esplanadas de um restaurante, como a Adega Gavina, espaço onde o peixe é rei, com sardinhas assadas ou robalo grelhado, que apuram os nossos sentidos.

Vila do Conde tem excelentes acessibilidades, tanto rodoviárias, como ferroviárias, incluindo uma linha de metro. Património classificado une-se ao rio e ao mar, para emprestar-lhe uma paleta de cores, para todos os gostos. Não há como não a visitar. No fim, nada como “ir a banhos” e deleitar-se com um sol que finalmente repousa, na linha do horizonte.

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