A vontade de viajar no tempo e a curiosidade sobre o passado é algo que certos lugares conseguem despoletar de forma sublime e o Lince Santa Clara é um destes sítios. Tarefa facilitada pelo facto do novo hotel cinco estrelas de Vila do Conde contar com mais de sete séculos de história que fazem parte do Convento ou Mosteiro de Santa Clara.
Ícone da cidade, o imponente edifício marca o horizonte, sobranceiro ao Ave, sendo uma janela privilegiada para a foz do rio. Basta ir a uma das varandas ou subir à mansarda, para contemplar a união do rio com o mar que, como um quadro vivo, vai mudando de cores, texturas e sons nos diferentes momentos do dia.
Tivemos sorte porque, durante a nossa estadia, ficamos hospedados num dos quartos deste último piso, com teto inclinado e grandes janelas que, quando abertas, deixavam entrar esta vista que não pede licença para ser bela. Nestes momentos de contemplação, o pensamento viajava até ao século XIV, quando o convento foi fundado por D. Afonso Sanches (filho bastardo do rei D. Dinis) e a sua esposa, D. Teresa Martins.
Os amantes da história de Portugal encontram aí terreno fértil para descortinar mais sobre a fundação deste convento, envolta em intrigas da família real e lendas, sendo que do edifício original pouco resta. Além dos antigos claustros, a igreja gótica de Santa Clara e o Aqueduto preenchem o outro lado da vista, criando o cenário perfeito para continuarmos a viajar no tempo.
Percorremos os longos corredores do edifício enquanto tentamos imaginar como seria a vida das freiras que ingressavam neste convento regido pelas clarissas, ordem religiosa de Santa Clara, fundada em 1212.
Não seria fácil viver em clausura e silêncio, mas, diz a história, que as clarissas mantinham fortes laços com a população local, havendo, até, uma lenda que aponta para uma época em que existia bastante relaxamento na vida religiosa das monjas. É a lenda da Berengária e pode aprender mais sobre ela durante a estadia, sendo que a mesma até serviu de inspiração para um cocktail de autor servido no bar Abadessa, um dos espaços do hotel – o antigo refeitório do convento, com tetos abobadados e púlpito.
A imponência e a grandiosidade da construção que vemos hoje remonta ao século XVIII, altura em que o mosteiro começou a sofrer grandes obras que só ficaram concluídas em 1940. Com a extinção das ordens religiosas, o edifício funcionou como reformatório e centro educativo.
Como uma delicada renda de bilros, passado e presente entrelaçam-se no espaço que, após obras de reabilitação no âmbito do programa Revive num investimento de 19 milhões de euros, volta a abrir-se à cidade, deixando para trás os tempos de clausura e convidando a momentos de requinte que podem ir desde o spa até um menu de degustação.
Do spa ao Oculto
Esta viagem no tempo é também facilitada pela reabilitação muito bem conseguida dos interiores do antigo convento. Com uma decoração sóbria e requintada, sem exageros, foram mantidos os traços originais e houve uma preocupação por deixar à vista pormenores da construção antiga, como tetos em tijolo, paredes em pedra, longos corredores, janelas gradeadas e grandes vigas de madeira que compõem o último piso.
Dos 87 quartos, aqueles que ficam nas mansardas são os mais irreverentes, onde a decoração da responsabilidade da Vilaça Interiores ousou mais nas cores e combinações de padrões. Como comprovámos durante a estadia, são habitações cheias de charme e conforto, onde as janelas convidam a apreciar a vista e os pormenores das enormes tochas de granito e da escultura de Santa Clara com um elefante (símbolo de castidade) que coroam o edifício.
Além do bar Abadessa, com muito espaço para conviver, ler um livro ou desfrutar de uma bebida, o hotel conta com mais ambientes para explorar, como uma sala de leitura com muita luz natural, uma loja, onde é dada primazia a produtos locais, dois restaurantes e um spa. Num futuro próximo, será aberto um centro interpretativo que irá mostrar peças recuperadas durante as obras de reabilitação.
Do lado de fora, há uma espetacular piscina com borda infinita para a foz do Ave, terraços também debruçados para a cidade e para o rio, um grande pátio que tomou conta dos claustros, acesso direto à igreja – que em breve deve passar por obras de reabilitação – e um amplo espaço verde que será preparado para receber eventos ao ar livre, como festas de casamento, por exemplo.
Por falar em casamento, outra lenda associada ao lugar é a dos ovos de Santa Clara. Diz a superstição que para ter bom tempo no dia da boda, bastava ofertar ovos ao convento. Uma lenda que persistiu no tempo e que ainda hoje é seguida por noivas que deixam ficar a oferenda na igreja ao lado do mosteiro.
Com muitos corredores e escadarias, precisamos descer ao piso menos três para descobrir um dos lugares mais convidativos do Lince Santa Clara, o Aqueduto Wellness & Spa by Sisley Paris. Numa tarde chuvosa, aproveitar o centro de bem-estar do hotel, com uma massagem de relaxamento e, depois, uma passagem pelo circuito termal, foi o plano perfeito para entrar num estado de serenidade.
O momento alto da noite seria revelado no piso menos um, num piso secreto descoberto durante as obras de reabilitação do edifício. Hoje, chama-se Oculto e é o restaurante de fine dining do hotel.
As paredes em pedra, os tetos com abóbadas de tijolo e o ambiente intimista fazem deste o espaço ideal para desfrutar das criações gastronómicas dos chefs Hugo Rocha e Vítor Matos que, juntos, desenvolveram dois menus de degustação. Um deles, Imersão, totalmente dedicado aos sabores do mar – a carne não entra na cozinha. E o outro, Flora, vegetariano.
Sem dúvida que a cozinha do Oculto é um laboratório aberto para as criações arrojadas destes chefs que cultivam uma amizade de mais de uma década. O menu de degustação é o culminar deste trabalho e experiência.
O Imersão é um mergulho profundo nos sabores do mar, com vários momentos de surpresa, mas também de conforto, de onde não queremos emergir, tal a envolvência provocada pela combinação dos pratos, bem como pela harmonização dos vinhos, que torna a experiência ainda mais interessante.
Num dos extremos desta sala oculta, há um outro espaço a descobrir, a Wine Cellar, uma adega com mais de 500 referências, lugar privilegiado para provas de vinho e para jantares vínicos.
A experiência gastronómica no Lince Santa Clara não fica completa sem uma refeição no outro restaurante do hotel, o Mosteiro, da responsabilidade da chef Júlia Oliveira que, há anos, se dedica a mostrar o melhor da gastronomia tradicional portuguesa, com ênfase na culinária minhota, nos seus pratos.
Uma refeição no Mosteiro volta a ser um convite para viajar ao passado, não só pela cozinha de conforto que faz lembrar a comida das nossas avós, mas também pelo menu, onde podemos descobrir parte da linguagem gestual utilizada pelas clarissas, em voto de silêncio, para pedir certos alimentos e bebidas.
Tal como as suas antigas habitantes, o hotel quer conquistar um espaço de relevo em Vila do Conde, estando, por isso, de portas abertas à cidade através da promoção de várias iniciativas que podem ser vividas pelo público em geral. É possível entrar para conhecer os espaços comuns, desfrutar de um chá como faziam as abadessas ou marcar uma refeição num dos restaurantes.
O SAPO Viagens visitou o Lince Santa Clara a convite do hotel
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