Acha que ainda existe, em Portugal, um certo estigma de viajar com bebés e/ou crianças pequenas?

Não só em Portugal mas em variados países, tendem a subsistir crenças geradoras de algum estigma em viajar com bebés e crianças pequenas. Ideias como "eles não se vão lembrar quando forem mais crescidos", "não vão aproveitar nada", "eles vão apenas incomodar os outros adultos e cansar os pais" ou "é desadequado e perigoso levar crianças tão pequenas a viajar".

Naturalmente que em alguns países e culturas este estigma e estas ideias pré-concebidas existem com mais prevalência, mas é uma realidade que podemos encontrar em vários países.

Há sempre quem diga: as crianças não se vão lembrar de nada. Esta frase tem algum sentido?

Esta frase assenta no facto de que a maioria das crianças a partir dos sete ou oito anos tende a esquecer as suas primeiras memórias, ainda que até lá as retenha. Num estudo assegurado por investigadores da Emory University, verificou-se que crianças entre os cinco e sete anos recordavam-se de 63 a 72% dos eventos ocorridos a partir dos seus três anos. Em crianças dos oito aos nove anos esta prevalência diminuiu para 35%, ainda que algumas crianças retenham memórias dos primeiros anos até à sua vida adulta.

Ainda assim, se pensarmos bem, este fator da memória não se aplica apenas às viagens. Também se aplicará às histórias contadas para adormecer e não é por isso que contar histórias deixa de ser uma excelente prática não só de criação de ligação emocional entre adultos de referência e a criança mas também de desenvolvimento da linguagem, treino de atenção e alívio de ansiedade, entre outros benefícios. As crianças também não se recordarão de todas as expressões físicas e verbais de afeto dos seus pais e não é por isso que deixamos de dizer o quanto os amamos e como essa prática fomenta uma ligação segura.

Mais do que aquilo que uma criança se lembrará mais tarde, sabemos que todas as experiências ocorridas impactam no seu desenvolvimento enquanto pessoa mas também no seu desenvolvimento a nível cognitivo, emocional e motor. As crianças pequenas aprendem o mundo sensorialmente pelo que quanto mais forem estimuladas adequadamente à sua faixa etária e ao seu perfil, mais seguras tendem a crescer, com interesse e curiosidade em relação ao que as rodeia.

Independentemente das memórias concretas que ficam, é indiscutível que todas as experiências precoces moldam os jovens e adultos que as crianças de hoje serão.

Viajar com crianças
créditos: Nikola Radojcic / Unsplash

Existem benefícios de fazer viagens com bebés e crianças pequenas?

Existem múltiplos benefícios de se viajar com bebés e crianças pequenas.

As experiências significativas, fora da rotina e com uma tonalidade emocional relevante em família, tendem a ser memoráveis por muito mais tempo e a contribuir também para a identidade familiar e para o reforço dos laços seguros entre os vários elementos da família.

Igualmente, quando o nosso cérebro, de crianças e adultos, é exposto a situações de novidade habitualmente há uma maior produção de serotonina, o neurotransmissor responsável pelo bom-humor. Se a este elemento de novidade, adicionarmos situações prazerosas a segregação deste neurotransmissor tenderá a ser ainda superior, pelo que podemos então perceber que viajar pode ser uma atividade geradora de felicidade e bem-estar.

Cada experiência de viagem em família tenderá a reforçar os laços seguros com as suas figuras de referência

A cada viagem, considerando os novos estímulos e circunstâncias diferentes da sua rotina habitual, muitas delas nem sempre totalmente previsíveis pelos adultos, as crianças também têm assim a oportunidade de treinar a capacidade de adaptação, bem como têm estimuladas a sua neuroplasticidade e a sua criatividade, ao explorarem novos mundos e ao conhecerem novas realidades. Cada experiência de viagem em família tenderá a reforçar os laços seguros com as suas figuras de referência, oferecendo oportunidades múltiplas de aprendizagem, crescimento e desenvolvimento cognitivo, motor, emocional e social. Viajar oferece uma oportunidade às crianças de se descobrirem no contacto com vários contextos, estímulos e atividades e de, em simultâneo, descobrirem mais mundo.

Existe alguma desvantagem ou ponto menos positivo?

Os aspetos que poderão ser menos positivos passam por algumas crianças terem mais dificuldades em adaptar-se à quebra de rotinas e em regular-se em contextos e circunstâncias diferentes, pelo que poderão usufruir menos da experiência de viagem, sobretudo nos primeiros dias. As diferenças horárias, a par das diferenças climatéricas e gastronómicas, poderão ser mais exigentes para algumas crianças, em função da fase de desenvolvimento em que se encontrem e do seu perfil individual. Por fim, a existência de alergias relevantes ou de outras condições de saúde poderão constituir-se mais limitativas de alguns planos de viagem. De uma maneira ou de outra, quanto mais as famílias ajustarem as suas viagens ao perfil das suas crianças e quanto mais procurarem respeitar as suas necessidades, ainda que treinando em simultâneo a sua flexibilidade e adaptação, mais positivas tenderão a ser as experiências e mais se esbatem as desvantagens potenciais.

Para a família, como um todo, pode ser uma atividade benéfica? Que aprendizagens pode trazer?

As viagens podem oferecer a possibilidade das famílias se unirem, descobrirem pontos em comum e diferenças tendo uma oportunidade de praticar o respeito por ritmos e gostos que podem diferir, o que lhes dá espaço para colocarem em prática empatia, compaixão, tolerância e comunicação eficaz.

As viagens treinam a capacidade de adaptação e resiliência dos vários elementos, são ótimas oportunidades para se treinar também a regulação emocional entre as variadas emoções e estados físicos que surgem momento a momento e são ainda verdadeiros bootcamps de resolução de problemas e de conflitos, quando se passam vários dias juntos, por entre todos os imprevistos que viajar acarreta.

Ao final do dia, as viagens podem constituir experiências agregadoras para as famílias, como uma cola de amor que os une e que decorridos meses e anos, prevalece associado a um sorriso perante uma memória de um determinado cheiro, som, imagem ou experiência sensorial.