Antes mesmo de lá chegar, é possível avistar a casa senhorial tipicamente beirã que se eleva à face da estrada como que a convidar aos que passam por ali a uma visita. A mansão de telhados recortados, uma casa de bonecas em ponto grande, será a nossa morada para a próxima noite – mas antes é necessário aproveitar bem o belo dia de sol que se apresenta.

Cruzamos, então, os portões da Quinta Lusitânia e somos recebidos pelos proprietários do espaço, Miguel Baumgartner e Christina Igler. Na sala de estar vamos observando os apontamentos da decoração cuidada que nos leva a viajar no tempo e vemos, em destaque, o brasão do Visconde de Valpaços, título pertencente a Miguel.

Christina, veterinária, professora de equitação e treinadora de cavalos, já estava pronta para levar-nos ao nosso batismo equestre, mas antes recebemos um breve enquadramento sobre a Quinta Lusitânia.

De casa senhorial a turismo rural com conceito diferente

A propriedade tem cerca de 210 anos e teve sempre um lugar de destaque em Couto do Mosteiro, localidade que alberga um antigo mosteiro fundado por cavaleiros templários franceses e que fica mesmo em frente à quinta.

Acredita-se que a propriedade tenha sido usada como casa de férias do Bispo de Coimbra, tendo sido também, ao longo dos tempos, local de reunião de personalidades intelectuais e artísticas da localidade.

O episódio mais marcante da quinta dá-se na altura das últimas invasões napoleónicas, quando as tropas portuguesas e inglesas explodem a antiga ponte romana de Santa Comba Dão, deixando as tropas francesas presas ali por um tempo. As tropas napoleónicas, comandadas pelo Marechal Masséna, viriam a ocupar a casa e enforcar cerca de 90 pessoas em Couto do Mosteiro, entre populares e soldados. Após deixarem Santa Comba Dão, as tropas francesas iriam acabar por ser derrotadas na famosa Batalha do Buçaco.

A quinta afirmou-se como uma próspera propriedade agrícola, até passar, na década de 1980, a residência privada. Quis o destino que Miguel e Christina comprassem a propriedade em 2018, começando, assim, o projeto Quinta Lusitânia.

Quinta Lusitânia: a nobreza de bem receber
O enquadramento da quinta localizada em Couto do Mosteiro créditos: DR

“O nosso conceito é um bocadinho diferente, é um conceito trazido de Inglaterra onde vivi praticamente toda a minha vida, no sentido de estas casas senhoriais antigas serem abertas ao público, mas abertas de uma forma diferente. As pessoas virem aqui não apenas dormir, mas virem para viver uma experiência”, explica Miguel.

Começaram a receber hóspedes nas seis suites no verão de 2019 e a pôr em prática este conceito de turismo rural em que as pessoas possam viver uma experiência diferente do habitual. “Seja nos retiros de yoga, seja nas clínicas de equitação, ou o chamado weekend party [festa de fim de semana]”.

Nesta última opção os hóspedes podem pedir uma experiência totalmente personalizada, que pode incluir: “ter um chefe que venha aqui cozinhar, fazer uma prova de queijos e vinhos, ter a experiência de equitação, percorrer a Ecopista, fazer trilhos, fazer uma massagem, sem ser no espírito de vir aqui só para dormir”.

Proporcionar aos hóspedes que se sintam a visitar a “casa de amigos” é um dos objetivos de Miguel que faz questão de estar sempre presente para receber quem chega.

Christina e Miguel são os anfitriões
Christina e Miguel são os anfitriões créditos: DR

Escola de equitação com cavalos lusitanos

Paralelamente, Christina desenvolve um projeto na área da equitação, a sua grande paixão, tendo por base o método da equitação natural. “É uma forma de comunicar com o cavalo para que ele perceba melhor. Ao invés de usar mais pressão ou mais força no cavalo, tentamos construir uma ligação, um sistema de comunicação que o cavalo pode compreender. Criamos, assim, uma melhor base para cavalgar”, descreve a médica veterinária especializada em cavalos.

A equitação natural é muito mais “horse friendly”, mais respeitadora e menos stressante. “É um trabalho bonito, sentimos que o cavalo fica connosco porque quer e não apenas porque é obrigado. Tenho alunos que já têm experiência de equitação, que vêm cá e experienciam esse método pela primeira vez e ficam surpreendidos”, salienta Christina.

De facto, quando nos dirigimos às cavalariças da quinta e contactamos com os cavalos, conseguimos sentir este ambiente de calma e confiança entre animais e humanos. Pelo caminho, somos saudados por Cookie, a amorosa cadela da quinta, e cruzamo-nos com dois dos cinco gatos que também habitam a propriedade.

Voltando aos cavalos, temos à nossa espera, já selado, Amanhecer, um puro-sangue lusitano branco, ou russo, como se diz no vocabulário equestre. Amanhecer é um dos oito cavalos da quinta, a maioria da raça lusitana, para os quais a quinta também tem licença de criação.

Quinta Lusitânia
Amanhecer, um puro-sangue lusitano créditos: Alice Barcellos

Outrora, conhecido por ser o melhor cavalo para usar em batalha, por ser ágil e lidar bem com situações de stress, o cavalo lusitano caracteriza-se por ser “um pouco menor do que outras raças warmblood”, descreve Miguel. É um cavalo inteligente, carinhoso, que “cria uma ótima ligação com o ser humano”. “São muito bons para a aprendizagem”, completa Christina. A sua elegância é ideal para a dressage, uma das modalidades da equitação.

Assim, com todo este enquadramento, sentimo-nos mais seguros quando montamos e começamos com o nosso batismo equestre. A experiência de andar a cavalo era quase nula, mas aquele nervoso miudinho de estar a experimentar algo novo desapareceu quando começamos a seguir as indicações seguras de Christina.

A acompanhar-nos estão Johanna e Malina, da Alemanha e Suíça, que participam num programa de voluntariado da quinta em que, durante três meses, têm aulas de equitação e alojamento em troca do trabalho de manutenção dos cavalos.

No picadeiro, somos introduzidos às noções básicas para começar a cavalgar: parar, mudar de direção, fazer ziguezague e até arriscamos um ligeiro trote. Antes de usarmos o toque físico, aprendemos a respirar e a posicionar o corpo. Sinais que o cavalo percebe - “os cavalos são muito mais sensíveis do que podemos imaginar”, diz Christina - e que fazem parte do método da equitação natural.

Feito o batismo de equitação, fomos conhecer a nossa confortável suite, cujo nome remete à primeira Viscondessa de Valpaços. Parte da decoração da casa é composta por objetos que fazem parte da família de Miguel há gerações.

Quinta Lusitânia
Suite Viscondessa créditos: DR

Gastronomia, vinhos e vistas

Também a remeter a outros tempos está o restaurante Cova Funda, uma referência na gastronomia tradicional na cidade. “Na mesma família há 42 anos, cozinhamos com as mesmas técnicas antigas, usando bons ingredientes, bons azeites, produtos locais”, afirma Helena, a proprietária, enquanto nos serve a típica chanfana, um generoso cozido e uma tenra vitela. A acompanhar, o vinho de qualidade, não estivéssemos nós na Região Demarcada do Dão.

Depois de conhecermos alguns pontos de interesse da cidade e avistarmos o início da Ecopista do Dão, cujo caminho teria de ser percorrido numa próxima visita, fomos conhecer o projeto Segredos Campestres que deu outra dinâmica à região através da distribuição de produtos regionais.

À nossa espera, Marco e Sérgio apresentam-nos alguns queijos e enchidos, a acompanhar com o vinho Dona Deolinda, produzido em Santar, o “coração” da região do Dão, de onde têm saído néctares premiados.

Segredos Campestres
Muitos vinhos na loja da Segredos Campestres créditos: Alice Barcellos

Nas prateleiras da loja, ficamos a conhecer parte dos produtos comercializados pela distribuidora. Os vinhos são uma das estrelas, juntamente com os queijos e os enchidos, mas também há espaço para biscoitos, azeites, mel ou licores. “Trabalhamos com pequenos produtores, fazemos a distribuição”, explica Sérgio.

Aproveitamos o bom tempo para conhecer a praia fluvial Senhora da Ribeira, localizada na albufeira da barragem da Aguieira, nas águas do rio Mondego. Um espaço que fica muito concorrido nos meses de verão, mas que neste dia de inverno com ares de primavera é um espelho de tranquilidade.

Praia fluvial Senhora da Ribeira
Praia fluvial Senhora da Ribeira créditos: Alice Barcellos

Rodeada pelas Serras da Estrela e do Caramulo, Santa Comba Dão tem paisagens bucólicas, sendo uma delas o percurso pela aldeia do Granjal, banhado pelo rio Dão. A última vista do dia seria para o rio Criz, na aldeia da Colmeosa, cujo percurso a partir da quinta pode ser feito a cavalo ou a pé.

Fica o roteiro completo com um jantar no Dão Catering, uma referência na região no serviço de catering e na realização de eventos. A gastronomia servida é portuguesa, de qualidade, com um atendimento e ambiente simpáticos.

Após um dia em cheio, somos embalados pelo silêncio para uma noite tranquila e na manhã seguinte um pequeno-almoço delicioso está à nossa espera, com pão fresco, frutas, queijos regionais, panquecas e compotas feitas por Christina com as frutas da quinta.

Quinta Lusitânia
Pequeno-almoço créditos: Alice Barcellos

Ainda tivemos oportunidade para dar mais uma caminhada, fazer festas à Cookie e a alguns dos cavalos que pastavam e se alimentavam livremente. Mais um dia de treinos começava no picadeiro, contudo, estava na nossa hora de partir.

Não tivemos tempo para um weekend party, mas conseguimos tirar o melhor partido desta experiência diferenciadora proposta pela Quinta Lusitânia.

O SAPO Viagens visitou o alojamento a convite da Quinta Lusitânia