É a ilha mais antiga dos Açores, foi a primeira a formar-se e a ser habitada, porém, não é das mais populares, nem das mais visitadas. Difere das demais a nível de clima – que é mais quente –, paisagem e atrações, contudo, passa despercebida e, por isso, muitos dizem que ainda é um segredo bem guardado desta região autónoma.
Mas tal como as restantes, a ilha tem produtos e tradições únicas que se podem começar a descobrir no Museu Santa Maria. Este lugar leva-nos até ao passado deste território que já teve uma importante indústria de olaria devido à abundância de barro. Vêem-se assim várias peças criadas a partir desta matéria-prima que permitiam transportar e armazenar alimentos.
Situado na freguesia de Santo Espírito, o Museu ocupa um edifício do início do século XX que, depois de restaurado, mantém alguns elementos característicos da arquitetura rural mariense como as duas chaminés tubulares e a forma bojuda do forno. Espera-se, deste modo, preservar a identidade da ilha ao partilhar-se com os visitantes desde elementos banais do dia a dia como loiça de cozinha e trajes típicos a importantes eventos culturais como as Festas do Império do Divino Espírito Santo.
No museu, ficamos também a perceber porque os marienses são conhecidos como “cagarrinhos”. Em tempos, os habitantes da ilha alimentavam-se de cagarros, ave típica do arquipélago e das mais antigas que existem no mundo. Hoje, as aves que serviam de alimento (habitualmente comiam-se fritas ou cozidas), encontram-se protegidas.
Mas nem só de cagarros se alimentavam os marienses e, atualmente, cooperativas unem pequenos produtores e ajudam a preservar quer a agricultura, quer os produtos artesanais tradicionais. Também a Incuba+ está a abrir portas a pequenos negócios e a dar lugar a novos produtos que promovem a bandeira dos cagarrinhos.
É o caso da AgroMarienseCoop que procura promover a produção agrícola do território. Começou, em 2006, apenas com produtores de meloa, mas, hoje, abrange os da apicultura e os de carne, não fosse o gado a atividade principal da ilha.
Duarte Moreira, presidente da cooperativa, fala-nos da importância do selo Marca dos Açores. É graças a este selo – que procuram ter em todos os produtos –, que conseguem comunicar a autenticidade dos seus produtos cujo sabor singular deriva do processo de produção.
Os curiosos podem degustar e comprar os produtos da cooperativa na Loja Mariense que também conta com espaço para inovações. Este mês, a AgroMarienseCoop vai lançar um vinho que nasce do projeto Santa Maria Wine Lab.
Da capital mundial da cerveja para Santa Maria
Foi aos 22 anos, em 1992, que Marc Oliver, natural de Munique, Alemanha, visitou, pela primeira vez, os Açores e encontrou o lugar que iria chamar de casa, construir família e produzir cerveja com sabor a meloa.
Oliver, que viajou por todas as ilhas do arquipélago, encantou-se com Santa Maria. Apesar de jovem na altura, o alemão ansiava “sair da vida antes de entrar na vida” e, por isso, decidiu comprar uma casa na ilha do Sol. Para tal, começou a trabalhar na sua terra natal, a capital mundial da cerveja, como taxista. “Trabalhava meio ano e depois ficava em Santa Maria o resto do tempo. Como ainda morava em casa da minha mãe, conseguia poupar para pagar a habitação”, explica.
Com a vida entre Munique e Santa Maria, conheceu, em 1994, a atual esposa, a mariense Graciete. Depois de darem o nó, em 1997, ainda viveram três anos em Munique. Regressaram para a ilha em 2000, após o nascimento do primeiro filho.
Hoje, o casal gere um restaurante, A Travessa, em Vila do Porto, que atrai locais e turistas. E foi aqui que Marc, em 2019, começou a produzir as suas primeiras cervejas artesanais. “Os clientes gostaram e deram-me vontade para continuar”, partilha, acrescentando que, devido à procura, precisou de arranjar um espaço maior. Encontrou o lugar certo na Incuba+ Santa Maria.
Atualmente, o alemão produz cerca de uma dúzia de estilos de cerveja, das quais se destaca a de meloa por causa da ligação à terra. Parte do que produz é vendido no seu restaurante, enquanto a outra exporta para São Miguel, Faial e Terceira. “Só por causa da cerveja temos tido pelo menos 25% ou mais 30% de clientes”, comenta. De acordo com o produtor, a cerveja artesanal abre muitas portas e possibilidades, porém, produz de acordo com a sua capacidade, uma vez que trabalha sozinho.
Apesar da Incubadora + ser uma estrutura de apoio para empresas nas suas primeiras etapas de vida, Marc Oliver vai continuar a trabalhar a partir da mesma. “Eles querem que continue aqui porque é um projeto piloto que chama muitas pessoas”, partilha.
Sem mão de obra não se vai ao longe
A ideia de recuperar receitas antigas e de dar nova vida à doçaria tradicional mariense era um sonho antigo de Rosa Cabral. “Fui para fora”, conta-nos, “por questões profissionais do meu marido, mas a ideia do projeto manteve-se. Até que, 20 anos depois, decidi regressar à terra e colocá-lo em andamento”.
É, deste modo, que nasce, em 2017, A Cagarrita. “Foi um percurso difícil,” desabafa a fundadora. “Isto é uma ilha pequena, não é fácil de entrar no mercado”, conclui, explicando que iniciou o negócio aos poucos, ao juntar o dinheiro que ia fazendo a partir de encomendas para amigos e familiares.
O gosto pela cozinha e doçaria começaram cedo na vida de Rosa, aos 9 anos, altura em que a irmã, hoje com 49 anos, nasceu e a mãe adoeceu. A situação fez com que a doceira tivesse que ajudar em casa, incluindo, cozinhar e fazer pão. Terá sido graças ao elogio do pai, que disse que nunca tinha comido um pão tão saboroso na vida a propósito do primeiro que fez, que ganhou interesse e gosto em descobrir receitas antigas.
Ao longo do tempo, foi fazendo um levantamento de receitas antigas. “Algumas pessoas já faleceram, infelizmente. Ainda bem que fui a tempo e fui adquirindo algumas receitas e técnicas que eram usadas”. Para a empresária, faltava igualmente na ilha um produto com uma imagem bonita para apresentar aos visitantes.
Atualmente, a Cagarrita produz os famosos biscoitos de orelha, júlias, dedos de dama, entre outros. “A ideia foi trazer o que já estava desaparecido, colocar no mercado para termos uma maior oferta, dar uma boa imagem para termos um produto valorizado, dar-lhe nome e trazer ao de cima a nossa doçaria".
Ideias e receitas não faltam a Rosa, que vai criando novas iguarias como os fósseis doces, que homenageiam o geoparque da ilha, e os biscoitos de cerveja. “Há a possibilidade de lançar mais, mas por falta de mão de obra já me contive”, lamenta. “Neste momento, está escassa”, afirma, acrescentando que não está a conseguir dar resposta a todas as encomendas que recebe.
“Estou a ver a área de artesanato em que estou malparada, dado que ninguém quer aprender”, desabafa. Ainda que pessimista quanto ao futuro da pastelaria e doçaria artesanal mariense, Rosa não pensa em desistir. A responsável pela Cagarrita assegura que continuará enquanto for possível, defendendo que há muito mais para descobrir. “Eu fiz pesquisa, andei de porta em porta e percebi que Santa Maria tem muito mais do que aparentemente nós vemos. Há muito mais para explorar”.
“A base está atrás e é sempre boa”
Rosa Cabral, que trabalha todos os dias, “sem folgas”, promove workshops no espaço do projeto pelo menos uma vez por ano. Durante os eventos, aproveita para partilhar pratos ou sopas que já são muito antigas. Tudo para que não caiam no esquecimento e possam ser reproduzidas em casa ou em restaurantes.
Ainda assim, encontra muita resistência. “Costuma dizer-se que em equipa que está a ganhar não se mexe. É a ideia que eles [restaurantes] têm”, refere. “Se o novo está a vir ao de cima, vai se caminhando para o novo. As pessoas, por vezes, esquecem-se que a base está atrás e é sempre boa”.
Para Rosa, “os Açores ainda têm muito que aprender”. A empresária, que trabalhou na área da restauração na Madeira, considera que o território pode se inspirar no arquipélago vizinho. “Lá eu consegui ver a diferença, a forma como eles trabalhavam e tentei trazer isso para cá sem copiar”.
Mais para descobrir em Santa Maria
Quem quiser, também pode provar os biscoitos de orelha na Cooperativa de Artesanato de Santa Maria, na freguesia de Santo Espírito. Tal como na Cagarrita, os biscoitos são todos feitos à mão.
Nesta cooperativa pode-se igualmente ver a sala de artesanato onde se criam colchas e malas conforme a arte de saber fazer mariense.
Este mês, a 15 de maio, o “Só Atelier”, em Vila do Porto”, celebra um ano. O projeto, criado por quatro amigas Márcia Santos, Tânia Barros, Sofia Moreira e Leonor Pimentel, nasceu com o objetivo de trazer mais vida a Santa Maria.
“Aos poucos, vamos tentando reavivar o interesse das pessoas pela arte em geral. Queremos ser um espaço de agregação de histórias, saberes e diversão”, explica Márcia.
A importância da identidade para atrair turistas
Em 2023, os Açores receberam 1,2 milhões de hóspedes, segundo dados divulgados pelo Serviço Regional de Estatística (SREA). Apesar do valor recorde – superior em 14,8% em relação a 2022 – , o impacto do turismo varia de ilha para a ilha.
Para Gilberto Vieira, presidente da Associação Casas Açorianas, que falou durante a sessão de abertura da conferência "Açores: mais ou melhores turistas", que teve lugar em março na ilha de Santa Maria, o arquipélago continua a poder crescer em número de turistas, visto que a maioria visita o arquipélago nos meses de verão e se concentra nas ilhas principais: São Miguel e Terceira.
Para que o turismo continue a crescer e a expandir-se para as outras ilhas, o Presidente acredita que é importante "cuidar do turista, para que regresse, e do território".
Recordando que "os Açores estão sempre a ser destacados como destino sustentável", Gilberto defende que é preciso "valorizar o território, a gastronomia, o serviço e o turista", que deve ser o embaixador do destino.
O SAPO Viagens visitou Santa Maria a convite da associação Casas Açorianas
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