Se a poesia viaja de comboio, como sugere a frase de António Viana, é possível que tenha lugar reservado à janela do MiraDouro, a bordo do qual podemos fazer a viagem de comboio mais bonita de Portugal.

Posto a circular em 2017 como oferta turística de verão, as suas carruagens em tons garridos de vermelho, laranja e amarelo são hoje um elemento constante da paisagem do Alto Douro, com vários serviços por dia a ligarem o Porto ao Pocinho ao longo do ano.

O comboio mais colorido da CP tornou-se, naturalmente, um dos alvos mais procurados pelas objetivas dos trainspotters, um grupo informal de pessoas que dedica parte dos seus tempos livres a fotografar estas máquinas, mas também estruturas e estações ferroviárias.

É um passatempo que combina o interesse pelos caminhos-de-ferro com o desafio da fotografia para produzir imagens que, muitas vezes, só podem ser feitas num espaço de alguns segundos. O estado do tempo, a altura do ano e a originalidade do enquadramento ajudam a tornar algumas destas fotografias irrepetíveis.

No caso da Linha do Douro, com 160 quilómetros de via férrea (grande parte ladeada por água), 23 túneis e 35 pontes, não faltam cenários para registar a passagem do MiraDouro. Fomos à procura de alguns deles pela lente dos trainspotters que partilham a sua paixão no Flickr.

Depende da dedicação de cada um

Nelso Silva é um dos fotógrafos portugueses com fotografias do MiraDouro partilhadas no Flickr. Uma das mais primaveris, incluídas na galeria acima, mostra o comboio a passar a ponte do Freixo de Numão com amendoeiras a florirem em primeiro plano.

“Para chegar a este local foi preciso andar quase 2km por uma estrada agrícola não pavimentada e depois descer 50m o monte densamente vegetado e acidentado com rochas, debaixo de calor, até se ter uma vista desimpedida para a ponte de Freixo de Numão”, conta Nelso, para ilustrar o esforço a que pode obrigar uma fotografia de uma máquina em movimento.

“Depende da dedicação e empenho de cada um, o quanto está disposto a dar de si para "a tal foto" com um ângulo diferente e/ou perfeito e exposição solar quase perfeita. Às vezes aparecem nuvens que tapam o sol na hora "H" e que estragam completamente uma foto!”, remata.

Quatro fotografias muito boas por dia

O trainspotting no Alto Douro também atrai a sua quota de visitantes internacionais, como o britânico Paul Molyneux-Berry, que visitou Portugal pela primeira vez no passado mês de outubro para viajar a bordo do MiraDouro e é um dos utilizadores no Flickr com mais fotografias partilhadas do comboio clássico. Regressou mais duas vezes em novembro e janeiro para o fotografar e faz planos para voltar em abril.

O engenheiro ferroviário atribui o seu encanto às cores do comboio. “As carruagens coloridas e o cenário natural dão muitas opções para uma composição fotográfica fantástica”, explica.

A beleza dos antigos comboios, todavia, não é só para a fotografia. “Também são perfeitos para viajar e visitar as várias vinhas, bares e restaurantes” da região, conta. “Só viajo de comboio ou a pé, por isso dá algum trabalho planear a deslocação até alguns dos melhores locais e estar no sítio certo para ver os comboios debaixo da luz ideal”, explica.

Tanto esforço é compensado, ao final do dia, com uma quantidade módica de imagens. “Tipicamente, consigo quatro fotografias muito boas por dia”, revela. “Algumas requerem caminhar quilómetros para alcançar os melhores locais, mas vale a pena”.

Os trainspotters

Podem ver mais fotografias pelos autores destacados na nossa galeria nas suas contas Flickr: José Pedro Botelho, Rob Bishop, Nelso Silva, Gil Ismael Braga Monteiro, Paul Molyneux-Berry, Fábio Pires, James Stearn e Mat Yardley.