O cavalo alado na mitologia grega simboliza a imortalidade. O que foi desenhado por Júlio Pomar na parede do café Central das Caldas da Rainha tem sido a garantia da continuidade do café ao longo de 70 anos.

Café Central, Caldas da Rainha
créditos: andarilho.pt

O mural retrata três cavalos e um dos que sobressai, um unicórnio, é o que dá nome à obra produzida em 1955. A data está ao lado da assinatura de Pomar.

O azul de fundo tem uma tonalidade viva e o traço do baixo relevo é dourado. O significado do mural não se esgota na beleza artística.

Café Central, Caldas da Rainha
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Há muitas outras mensagens e enredos que atravessam a obra e que nos foram recordadas por Custódio Freitas.

Logo na fase inicial. “O Pomar vem com a Alice Jorge fazer o mural. Pela amizade que tinha com o meu tio. E diz vou fazer aqui o pégaso. O café tem de ter uma dinâmica completamente diferente. É assim que ele aparece com a primeira mulher a fazer o pégaso e o cavalo alado.”

Café Central, Caldas da Rainha
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A escolha de Júlio Pomar para conceber a decoração interior do café não foi por acaso. O pintor esteve na mesma prisão política com o tio de Custódio Freitas. No Aljube, em Lisboa. Na mesma altura de Mário Soares. Várias gerações da família Maldonado Freitas estiveram associadas à oposição do antigo regime.

Café Central, Caldas da Rainha
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Quando adquiriram o café, em 1955, já havia o propósito de criar um ponto de encontro da oposição e, por isso, não se estranhava a reputação e a vigilância da polícia política. “O café tinha um estigma por uma razão: pertencia aos Freitas e ali começaram a reunir pessoas que pertenciam à oposição.”

Café Central, Caldas da Rainha
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Júlio Pomar ficou encarregue da decoração e a tarefa de se fazer o mural não foi fácil. Custódio Freitas recorda-se da observação de Júlio Pomar quando iniciaram a obra.

“Tens um problema. A parede onde vai estar o quadro é de tijolo e é também da loja do outro prédio. Foi isso que nos obrigou a obras e a comprar o andar onde está o café.”

Café Central, Caldas da Rainha
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O Unicórnio de Júlio Pomar acabou por ser o elemento central da renovação do café e arrastar outras decisões e também a abertura.

“Foi expectante. A Alice Jorge tinha o condão de trabalhar muito bem o azul anilado em cima de um travessão” e a produção da obra de arte obrigou ao atraso da abertura.

Café Central, Caldas da Rainha
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Hoje os clientes sentam-se numa bancada de sofás que corre a parede e quase que estão em contacto com o mural que terá cerca de três metros de comprimento.

O café, um dos mais antigos das Caldas da Rainha, fica num edifício verde, com uma fachada redonda, num dos lugares mais simbólicos da cidade, a Praça da Fruta.

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A família Maldonado Freitas vendeu o café em 1995 e o painel de Júlio Pomar foi, entretanto, restaurado pela Fundação Espírito Santo.

Café Central, Caldas da Rainha
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Curiosamente, se no passado o Unicórnio foi um dos testemunhos da resistência ao antigo regime, no presente tem sido o símbolo da continuidade do café.

Foi equacionado serem desenvolvidas outras atividades comerciais, mesmo com a salvaguarda do mural, mas, a população e o município manifestaram oposição.

Café Central, Caldas da Rainha
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Com algumas interrupções o café mantém-se de portas abertas e continua a surpreender-nos com uma fabulosa obra de arte. Júlio Pomar faleceu em 2018.

Café Central, Caldas da Rainha
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A imortalidade do Unicórnio de Júlio Pomar no Café Central das Caldas da Rainha faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.