Saímos do autocarro que nos trouxe de Chiang Rai até Chiang Saen, cerca de duas horas de viagem. É uma cidade ribeirinha ancestral, uma das mais pequenas e das mais antigas da província de Chiang Rai.
Verde, rosa pálido, vermelho, verde água, lilás, podia estar a descrever-vos as cores dos lápis de cera da Mia mas não, é a ordem dos prédios por detrás dos autocarros, se os tratássemos pelas cores chamar-se-iam assim. Atravessámos a rua e parámos de frente para uma placa onde podemos ler: Mekong – 150 m; golden triangle – 9 km; Myanmar - 10km.
Todas as direcções parecem boas e nós que só temos dois pés cada um! Almoçamos primeiro, assim temos tempo de decidir o itinerário, ao ritmo de umas colheradas de sopa quente, que neste (como noutros) norte faz mais frio. A Mia come a dela e a do papá e vai dividindo com o chá servido em canecas de alumínio.
Saímos e voltámos à esquerda, decidimos conhecer um pouco de Chiang Saen antes de avançarmos para o triângulo. Não nos cruzamos com ninguém, parece uma cidade abandonada, feita de templos centenários abandonados, como afirmam as placas: ‘Abandoned temple nº. 6’ . Vamos percorrendo e visitando-os, ao mesmo ritmo com que ela rói uma maça vermelha. Alguns templos exibem-se já em avançadas ruínas, que quase apenas parecem tijolos empilhados desordenadamente, outros em importantes restauros, a Mia gostou sobretudo das galinhas e dos cães que os guardavam – correu atrás das primeiras e fugiu dos segundos. Entre as correrias dos seus pés pequenos as mãos iam-se enchendo de paus, pedras e folhas.
Depois comprámos um café e caminhamos à beira rio, revisitamos o nosso Mekong e aqui nos despediremos dele. Enquanto nos distraímos a ler: ‘Welcome to Chiang Saen – Land of Golden Triangle’ lá foi um trago de café preto passear pela Mia adentro: boca, faringe, esófago.
Para tudo:
– A miúda bebeu café.
O café devia estar a meio do esófago quando se iniciou a choradeira.
– Acham que não gostou? Nada disso, chorou porque estes pais lhe tiraram o café das mãos, impedindo assim um segundo gole.
Foi daqui, com o Mekong por testemunha, que seguimos para Sop Ruak, o lugar do triângulo dourado, num songthaew – espécie de táxi tailandês – dividido com outros passageiros.
E eis-nos face a esse pedaço de terra. A Mia, a mamã e o papá, os três face ao triângulo dourado: o lugar onde o Mekong e o rio Ruak confluem, onde o Mekong desenha, ao mesmo tempo, as fronteiras e os pontos de contacto entre a Tailândia, o Myanmar e o Laos. Facilitando a comunicação, as trocas, o comércio.
Connosco: mil vozes, passos, risos e rostos pequeninos; são crianças num passeio de escola, escolheram o mesmo dia para ver o famoso triângulo. Eles tocaram a Mia, a Mia tocou-os, trocaram olhares e sorrisos, quiseram fotografias dela, fotografias com ela. Brincaram e correram, ali, no lugar do triângulo dourado.
Daqui a uns anos, espero que tanto a Mia quanto cada uma destas crianças conheçam o outro lado deste triângulo: o que lhe deu o nome ‘dourado’, aquele que conta as plantações de papoilas e a produção de heroína na região e o seu pagamento – em ouro. O que fala do tráfico e da exploração dos aldeões, que trabalham nas plantações porque o dinheiro do cultivo da papoila é uma parte essencial da renda familiar, na falta de alternativas sustentáveis. É preciso conhecermos a história para evitarmos repeti-la.
Ali mesmo ao lado, subimos as escadas serpenteadas vimos e visitámos esse templo que fica no alto da colina – Wat Phra That Pu Khao. Fizemos sawadee kaa, a Mia, a mamã e o papá. Ali, nesse lugar entre a Tailândia, o Myanmar e o Laos.
Este artigo foi originalmente publicado em Menina Mundo.
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