A história começa em fevereiro, quando vândalos fizeram um rasgão na vedação do jardim zoológico do Central Park, o parque no coração de Nova Iorque. Pressentindo uma oportunidade, um bufo-real escapou pela abertura e tornou-se, da noite para o dia, numa micro-vedeta mediática.
Nascido em cativeiro e batizado de Flaco, o bufo-real era residente do zoo desde 2010, onde tinha como vizinhos leopardos, macacos-japoneses e pandas-vermelhos. A sua raridade em estado selvagem, aliada às circunstâncias da sua fuga, colocaram-no imediatamente no centro das atenções dos muitos observadores de aves de Nova Iorque, como mostram os ajuntamentos de curiosos que suscita nas ruas e as sucessivas atualizações no Twitter sobre o seu paradeiro e bem-estar.
O bufo-real está entre as maiores aves de rapina noturnas do mundo e pode ter uma envergadura de 2 metros. Comum na Europa e Ásia, os seus compridos penachos e olhos num tom laranja-avermelhado tornam este bufo inconfundível. Segundo o jornal The New York Times (NYT), não era conhecido, até agora, nenhum exemplar desta espécie em estado selvagem no continente americano.
As expetativas em relação às hipóteses de sobrevivência de Flaco nas ruas de Manhattan não eram elevadas, depois de um cativeiro de 13 anos com refeições à hora certa, sem a competição ou o assédio de outras aves e animais (como os esquilos). Passado um mês, e abandonadas as tentativas de recaptura pelo jardim zoológico, a ave parece estar no seu elemento.
"O bufo-real tem bastante capacidade de adaptação", conta-nos Rui Lourenço, investigador na área da Ornitologia da Universidade de Évora. "Se não for alvo de perseguição humana, pode existir em habitats muito variados. Isto inclui zonas urbanas, áreas desérticas ou pedregosas com pouca vegetação, zonas agrícolas, montados, florestas de produção entre muitos outros habitats. Os elementos principais que precisa é uma quantidade razoável de presas disponíveis e um local com pouca perturbação para nidificar", explica.
Escapar da curiosidade dos birdwatchers, todavia, pode revelar-se difícil a Flaco. No Twitter, os avistamentos da ave são documentados em permanência pela conta Manhattan Bird Alert. O seu autor, David Barrett, é citado pelo NYT com uma teoria sobre a popularidade do bufo junto dos nova-iorquinos: "Quem acaba de chegar à cidade precisa de desenvolver rapidamente novas competências para sobreviver, e por isso precisam de se adaptar um ambiente muito diferente daquele de onde vieram. Muitos acabam por se rever no sucesso de Flaco, ou a tirar inspiração da sua história, para obstinarem em viver nesta cidade."
O bufo-real em Portugal
O bufo-real tem o estatuto de "quase ameaçado" em Portugal, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, publicado pelo ICNF em 2005, com um estudo de 2009 pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) a apontar para uma ligeira recuperação no seu declínio populacional.
"Apesar da aparente situação estável, a diminuição das populações de presas potenciais (coelhos, lebres, perdizes e outras aves e mamíferos de médio porte) poderá causar uma nova tendência negativa", ressalva Rui Lourenço.
Embora não seja uma ave fácil de avistar nas cidades portuguesas, sobretudo durante o dia, não é totalmente inaudito. "Existem registos pontuais em várias zonas urbanas, sobretudo na proximidade de áreas não urbanas (zonas agrícolas, matos, florestas)", conta o investigador, que participou num programa de monitorização de aves noturnas. "Nestes casos, os bufos-reais aproveitam edifícios altos onde encontram locais sem perturbação para nidificar e deslocam-se até zonas não urbanas adjacentes para se alimentarem", explica.
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