As mulheres sempre estiveram presentes nas aventuras marítimas, mas poucos saberão por exemplo, que o Infante D. Henrique levou uma moura como intérprete nas suas viagens a África ou que Bartolomeu Dias, no momento em que contornou o Cabo das Tormentas, tinha quatro mulheres na sua tripulação.

Sempre houve e sempre haverá mulheres corajosas e com espírito de aventura, isso todos sabemos, mas na época dos Descobrimentos, nem a sociedade estava preparada para essas audácias femininas, nem a lei o permitia. Contudo, algumas mais ousadas, cortavam o cabelo, vestiam-se de homem e embarcavam, enganando as autoridades. Se por acaso eram desmascaradas, a sorte destas mulheres dependia do capitão. Podiam ser castigadas, ficar prisioneiras num compartimento fechado ou toleradas com benevolência. Se ainda navegavam perto das ilhas da Madeira e Açores, geralmente eram deixadas lá.

Vasco da Gama, por exemplo, mostrou-se sempre muito rigoroso quanto à presença de mulheres a bordo e chegou a decretar que as passageiras clandestinas, encontradas nas naus da Carreira da Índia, recebessem açoites em público, logo que chegassem a Goa. Este castigo chegou a ser aplicado pelo menos a três mulheres aventureiras.

O castigo acabou por marcar negativamente Vasco da Gama que mais tarde se arrependeu e quis compensar as raparigas da humilhação sofrida. Deixou-lhes uma boa quantia em testamento que lhes serviu de dote e permitiu que arranjassem marido. Ficaram todas a viver na Índia.

Antónia Rodrigues é um dos casos mais conhecidos e documentados de entre as mulheres que se destacaram nessa época. Esta mulher, nascida em Aveiro numa família muito pobre, foi entregue pela mãe a uma tia que morava em Lisboa e que a maltratava muito. Antónia resolveu então fugir e tentar a sua sorte o mais longe possível. Cortou o cabelo, comprou roupas de homem e foi oferecer-se ao mestre de uma caravela que ia zarpar para o norte de África, carregada de trigo destinado a abastecer os portugueses que viviam no castelo de Mazagão. O mestre aceitou “aquele rapaz” que dizia chamar-se António Rodrigues e distribuiu-lhe tarefas de grumete.

Durante a viagem trabalhou com muito afinco e recebeu elogios de toda a gente. Ao chegar a Mazagão, porém, viu-se envolvida numa rede de intrigas e não pôde voltar para bordo. Como não era pessoa que se atrapalhasse, assentou praça como soldado e depressa se distinguiu pela sua destreza e valentia. O pior era à noite… a única hipótese de continuar a desempenhar o seu papel sem ser descoberta era dormir vestida. Deitava-se sempre de camisa e ceroulas.

Os bons serviços prestados valeram-lhe ser promovida a cavaleiro e nessa qualidade tinha de sair do castelo para combater em campo aberto. De arma em punho, notabilizou-se pelas proezas cometidas e ganhou fama.

Como associava à bravura uma simpatia natural e um trato amigável, começou a despertar paixões entre as poucas raparigas que viviam em Mazagão. Nessa altura é que tudo se complicou. Uma família que tinha uma filha solteira começou a convidar aquele jovem e amável cavaleiro para jantar e passar o serão, cobrindo-o de presentes, na esperança de que ele quisesse casar com a filha.
Receando ser descoberta, Antónia preferiu confessar toda a verdade. Um casal bondoso recolheu-a e as candidatas a namoradas tornaram-se suas amigas. Algum tempo depois arranjou noivo e regressou a Lisboa casada e feliz.

Filipe II tomou conhecimento da sua história e, de acordo com o mencionado no documento Alvará de Mercê do Rei, recompensou-a com uma tença (pensão vitalícia) de “cinco mil réis”, pelos feitos que durante cinco anos alcançou na praça-forte de Mazagão, em Marrocos, enfrentando os ataques diários dos mouros, como “espingardeiro de cavalo e de pé, em trajos de soldado”.

Se quiserem saber mais sobre as mulheres da época dos Descobrimentos leiam o livro “Mulheres Navegantes no tempo de Vasco da Gama da historiadora Fina d’’Armada — prémio Mulher Investigação Carolina Michaelis de Vasconcelos em 2005”.

Artigo originalmente publicado no blog The Travellight World