“A ciência pode ser muito deprimente”, rematava o astrónomo José Matos, depois de conduzir mais de uma centena de pessoas numa “visita guiada ao céu”. Uma sessão de astroturismo, que aconteceu em Abreiro, concelho de Mirandela, integrada o Tua Walking Festival, o festival de percursos pedestres, promovido pelo Parque Natural regional do Vale do Tua (PNRVT) que junta às caminhadas muitos outros recursos do território.
Quem não sabia ficou a perceber que a Estrela Polar, a estrela mais brilhante da constelação da Ursa Menor, que está alinhada com o eixo de rotação da Terra, se apresenta sempre no mesmo lugar e por isso é apontada como referencial na orientação sobre a superfície terrestre.
Numa sessão condimentada com muito humor, o astrónomo apontava para grupos de estrelas que tradicionalmente o povo associa a figuras. “Estão a ver ali, parece um homem com uma foice a cortar silvas, mas daqui não se vê, só se vê do Alentejo que o vinho é poderoso”, brincava. A mesma explicação em relação à Cassiopeia que, com base na mitologia grega deu origem à crença de que as estrelas desta constelação desenham a imagem de uma rainha num trono, mas que “também não se vê a partir de Mirandela, só no Alentejo se consegue ver”, ironizava.
Entre brincadeiras José Matos foi “caminhando” à volta do céu até chegar à constelação do zodíaco. “Agora oiçam com atenção para poderem dar consultas em casa”, brincava. Entre explicações cientificas e piadas, foi explicando que o zodíaco é a área do céu próxima à eclíptica (plano em que o Sol realiza sua órbita aparente em relação à Terra), ou seja, é o caminho aparente pelo qual o Sol se “desloca” durante o período de um ano. Nesse caminho, o Sol “passa” na frente de 12 constelações: Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes. Aqui começa a “aula para dar consultas”. “Devido a um efeito de oscilação da Terra, as constelações foram-se afastando e, provavelmente, a maioria das pessoas pertence ao signo anterior àquele que pensa”, sustentava em tom de brincadeira a recomendar aos presentes para “lerem” o horóscopo do signo que antecede o seu, porque seria mais acertado.
Por fim a viagem chegou ao caminho de poeiras cintilantes, de um dos braços da Via Láctea. “Como é que nós vemos a Via Láctea se estamos dentro dela? Simples, vemos um dos braços, nós estamos noutro, na periferia, se desaparecer-nos ninguém dá pela nossa falta”.
Reduzindo a humanidade “grãos de areia” insignificantes encerrou a sessão, numa noite de lua nova, em Abreiro. Uma noite aberta, sem nebulosidade e sem qualquer tipo de poluição luminosa.
O astroturismo é um dos mais recentes e promissores produtos turísticos do PNRVT. Há pouco mais de dois anos que o céu do Vale do Tua conseguiu ser certificado pela Starlight Foundation como um “Starlight Tourism Destination” e desde então que trabalha o território e os operadores turísticos para poder usufruir e proporcionar aos visitantes e turísticas experiências de astroturismo. Os operadores turísticos começam a perfilar-se e a insistir na formação, porque uma “visita guiada ao céu”, com a espetacularidade e a profundidade como a que a desenvolveu o astrónomo da Universidade de Aveiro, exige muito conhecimento.
Tua Walking Festival vai continuar
Está decidido que o Tua Walking Festival vai continuar, pelo menos, nos próximos quatro anos.
Alijó é, este ano, o último município a receber o festival de percursos pedestres que ao longo do ano foi acontecendo em cada um dos cinco concelhos que integram o designado Vale do Tua. Começou em Vila Flor, seguiu para Murça, depois Carrazeda de Ansiães. No fim de semana de 23 e 24 de setembro aconteceu em Mirandela e a 7 e 8 de outubro encerra em Alijó.
O modelo foi sempre semelhante. Foi desenhado um programa para um fim-de-semana, no sábado o município desenvolve atividades diversas, nomeadamente provas de vinho e produtos regionais, workshops de saberes tradicionais, visitas ao património, concertos e até sessões de astroturismo; no domingo acontece a caminhada, num dos percursos pedestres homologados do PNRVT.
As comunidades locais são sempre diretamente envolvidas. “Este festival foi um sucesso, as inscrições esgotaram todos os concelhos com meses de antecedência, tivemos participantes de diferentes pontos do país que vieram não só às caminhadas, mas sim conhecer o território ficando por cá pelo menos dois dias”, refere o diretor do PNRVT, Artur Cascarejo.
O Tua Walking Festival é organizado pela empresa PORTUGALNTN que tem como filosofia envolver as comunidades locais em todas as iniciativas de animação do território que promove. “Só assim conseguimos que as iniciativas tenham sucesso, localmente tem de haver retorno, e é isso que acontece com este Festival, os participantes compram produtos, frequentam os cafés, restaurantes e alojamento, visitam o património e os espaços culturais, há uma enorme interação”, remata João Neves, um dos responsáveis pela empresa organizadora.
Comentários