Reportagem Andrea Cruz / Lusa

Annastasiia Zakharova fugiu da guerra na Ucrânia há dois anos e meio e, em Viana do Castelo, sentiu “orgulho em desfilar entre as mil mulheres na Mordomia, na Romaria d’Agonia.

“Sei que esta é uma festa especial [para Viana do Castelo]. Mostra muita história e herança. Eu queria participar e representar esta cidade maravilhosa”, afirmou a médica de 31 anos à agência Lusa no Palácio dos Cunhas, antigo Governo Civil de Viana do Castelo de onde, todos os anos, partem as mordomas.

Em Portugal, Annastasiia, que desfilou com o traje de morgada lavradeira rica, usado por mulheres casadas, encontrou “simpatia e aconchego” que ajudaram a amenizar os tempos difíceis que viveu em Kharkiv, ainda estudante de medicina.

Saiu da cidade onde nasceu, com o filho de oito anos e, a mãe. Deixou marido, familiares, a casa e, os animais: “a vida quis que viesse para Portugal”. Estagiou no hospital de Gondomar, distrito do Porto e atualmente trabalha no hospital de Santa Luzia, em Viana do Castelo, cidade onde espera passar a viver. “Quero muito vir viver para a Viana do Castelo. Voltar à Ucrânia só rever família, mas não para viver. Não quero para o meu filho um futuro com guerra”, sublinhou.

“Esta festa faz parte. Faz parte da nossa alegria. Sem isto não seria a mesma coisa”

Emigrante em Paris, Albina Malheiro, de 47 anos, desfila desde criança, mas por estar fora do país nem sempre consegue marcar presença na Romaria d’Agonia. Este ano, sentiu necessidade de “matar saudade”.

Com o fato de mordoma, meia senhora, outrora usado nas casas senhoriais, o ouro que reluz ao peito é “da família”.

“Algumas peças eram da minha avó, outras são da mãe e outras minhas. Vamos adquirindo aos pouquinhos”, explicou, adiantando que espera passar o testemunho aos três filhos, sobretudo às duas meninas.

“Esta festa faz parte. Faz parte da nossa alegria. Sem isto não seria a mesma coisa”, reforçou.

Desfile da Mordomia, da Romaria d’Agonia, Viana do Castelo
Desfile da Mordomia, da Romaria d’Agonia, Viana do Castelo créditos: EPA/ESTELA SILVA
Desfile da Mordomia, da Romaria d’Agonia, Viana do Castelo
Desfile da Mordomia, da Romaria d’Agonia, Viana do Castelo créditos: EPA/ESTELA SILVA

Francisca Afonso foi, este ano, a mordoma mais nova. Com apenas 14 anos, decidiu que participar no desfile da mordomia ia ser “emocionante” e porque queria deixar a família orgulhosa ao dar continuidade à história dos seus antepassados.

As mordomas Ana Beatriz, de 25 anos, da freguesia de Barroselas, Joana Silva, de 29, da Meadela e, Diana Passos, de 33, de Darque, aguardavam ansiosas o início do desfile.

Para Joana, a Romaria d’Agonia “é tradição, alegria e, cultura”, espírito incutido pelas famílias desde tenra idade.

Já Ana Beatriz destacou a “uma grande emoção” por percorrer as ruas da cidade e constatar “toda a alegria, cor e música”, que inunda a cidade e que deixa em êxtase os milhares de visitantes que todos os anos assistem a este número das festas.

Viana do Castelo “é o grande palco da ourivesaria em Portugal”

Do total das mil mulheres que desfilaram, 760 mordomas são do concelho de Viana do Castelo e as restantes de várias cidades de Portugal, de França, Estados Unidos da América, Suíça, Andorra, Luxemburgo, México, Brasil, Canadá e Países Baixos.

Para Ana Beatriz, Joana Silva e, Diana Passos, a participação de mulheres de outros países “significa que Viana do Castelo chega ao coração de todos e além-fronteiras”.

Desfile da Mordomia, da Romaria d’Agonia, Viana do Castelo
Desfile da Mordomia, da Romaria d’Agonia, Viana do Castelo créditos: EPA/ESTELA SILVA

Nem o calor intenso que se fazia sentir durante a tarde de sexta-feira, nem o peso dos mais de seis quilos de ouro que as três mordomas exibiam ao peito lhes tirou o ânimo.

“O ouro da família simboliza o dote. Quando uma moça chega à idade casadoira tem de mostrar o seu dote para arranjar quem queira casar com ela”, afirmou Diana Passos.

Para Rosa Maria Mota, professora na Universidade Católica, no Porto, que estuda a ourivesaria popular portuguesa, Viana do Castelo “é o grande palco da ourivesaria em Portugal”.

“Quando se estuda ourivesaria popular portuguesa é imprescindível vir a Viana do Castelo ver o ouro popular. Viana do Castelo fez aquilo que outras regiões não fizeram. Enquanto a ourivesaria deixou de se usar noutras zonas, Viana do Castelo tomou essa realidade e fê-la crescer”, destacou.