"Sem turistas, Veneza é uma cidade morta", lamenta Mauro Sambo, um gondoleiro de 66 anos que, desde 1975, oferece passeios pelos canais do "Sereníssima".
"Mesmo que levantem o confinamento, quem quer sair de gôndola? Sá os estrangeiros, moradores, não", reconhece este homem elegante, de barba aparada, enquanto limpa a sua gôndola em frente ao Palácio Ducal.
A atmosfera crepuscular e o silêncio ensurdecedor também reinam no Grande Canal, onde circulam apenas os "vaporetti", o transporte público aquático.
Todos os magníficos palácios que revestem as duas margens - e que abrigam instituições culturais e hotéis de luxo - estão com as janelas fechadas.
A indústria do turismo representa 13% do PIB e 15% dos empregos em Itália. Na cidade dos Doges, a percentagem é ainda maior; quase toda a economia depende do turismo.
"Cerca de 65% da população trabalha no turismo", diz a responsável pelo setor no municipio, Paola Mar, em entrevista à AFP.
"O impacto do coronavírus tem sido muito forte, pois 85% dos turistas que visitam Veneza são estrangeiros", enfatiza, diante de uma das piores crises da sua história recente.
Até a União Europeia teve de pedir aos seus membros na quarta-feira que abram as suas fronteiras internas para evitar o colapso do setor de turismo.
"Começamos a receber pedidos para saber quando e como se pode vir", diz Paola, com um tom otimista.
"Uma cidade aberta ao mundo"
"Nós sobrevivemos às guerras, porque, na verdade, é uma guerra, então também vamos sair dela, graças ao nosso espírito empreendedor", afirma Francesco Pecin, empresário da construção civil de 47 anos, enquanto caminha perto da Ponte dos Suspiros.
Pecin reconhece que está "assombrado" diante dos canais desertos.
"Não existem mais venezianos legítimos, apenas hotéis e apartamentos para alugar", lamenta.
Uma análise partilhada por Enrico Facchetti, joalheiro de 61 anos, que passeava o cão perto da Basílica de São Marcos.
"A cidade vive de uma monoeconomia baseada no turismo. Pode ser um erro, mas não temos outra opção. Sem turistas, não vamos sair desta!", desabafa.
"Historicamente, Veneza sempre foi uma cidade cosmopolita aberta ao mundo. Olhe para esta basílica! É de estilo bizantino. Os cavalos de bronze na fachada vêm de Constantinopla", partilha Facchetti.
No centro histórico de Veneza, moram apenas 52.000 habitantes, de um total de quase 260.000, e o êxodo para terra firme continua, devido ao menor custo de vida e ao desejo de mais conforto.
O bairro de Cannareggio, entre os menos turísticos, é um pouco mais animado: os moradores saem de máscara e luvas, fazem fila em frente a bares, supermercados e padarias.
E, embora poucos moradores falem sobre isso, viver com turistas nem sempre foi sereno.
A pressão do setor de turismo no mercado imobiliário é notável: além de transformar os apartamentos em residências temporárias para turistas graças à plataforma Airbnb, as instalações que abrigam atividades artesanais também são cobiçadas.
Na ilha de Murano, conhecida pelas fábricas de vidro, "estão a transformar uma vidraria num restaurante-hotel", diz o empresário Dimitri Tiozzo, de 53 anos.
"Não se faz mais nada artesanalmente", desabafa.
A fuga de turistas em Veneza começou, na verdade, antes mesmo da propagação do novo vírus.
"Estamos a sofrer desde novembro", diz Paola Mar, devido às inundações incomuns causadas pela maré alta, que puseram em crise o criticado turismo de massa.
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