Durante 33 dias, entre a comuna francesa de Saint-Jean-Pied-de-Port, nos Pirenéus, e Santiago de Compostela, na Galiza, a agência Lusa dormiu em 33 albergues e contactou, na pele de peregrino, com a qualidade do serviço prestado.
Edifícios degradados, com mofo e humidade, limpeza deficiente, beliches deteriorados, divisões claustrofóbicas e sem ventilação, cozinhas pequenas e mal apetrechadas e casas de banho insuficientes são alguns dos aspetos negativos com que se deparam os peregrinos.
Estas condições foram verificadas apenas em alguns albergues, sendo por isso exceções, dado que a maioria dos abrigos no ‘camiño’ apresenta condições mínimas e alguns até superam as expectativas no que toca à relação preço/qualidade.
Os albergues disponibilizam ‘wi-fi’, tomadas elétricas junto aos beliches para os peregrinos carregarem os seus telemóveis, lanternas e relógios (‘smartwatch’) e há ainda alguns dotados de armários com chave para guardar os pertences.
Alguns albergues possuem máquinas de venda de produtos alimentares (bebidas, chocolates, sandes e café) e há ainda os que servem refeições completas, nem sempre económicas, e minimercado de produtos essenciais, como água, fruta e mercearia.
As regras nos albergues são simples. A admissão é feita com a credencial de peregrino, devidamente carimbada ao longo da rota, a permanência é de uma noite, o silêncio entre as 22:00 e as 08:00 (hora limite de saída) e botas e bastões ficam à porta.
Os peregrinos com mais idade, acima dos 60 anos, têm preferência pela cama de baixo do beliche e existem ainda alguns albergues, como em Carrion de Los Condes (Palência) e Cebreiro (Galiza), que disponibilizam camas térreas em dormitórios ao estilo de hospital.
Os albergues, independentemente de serem municipais ou privados, oferecem, na sua maioria, um espaço para refeições, com uma cozinha minimamente apetrechada, com fogão, micro-ondas e frigorífico, e uma zona de lavandaria e de lazer.
É nestes espaços que os peregrinos passam grande parte do seu tempo, em recuperação do cansaço acumulado nas pernas pelas centenas de quilómetros do percurso, convivem, trocam experiências e estreitam laços firmados ao longo do ‘camiño’.
Os abrigos municipais não permitem reserva e a admissão é feita por ordem de chegada, regra nem sempre cumprida, enquanto nos privados é possível guardar cama, que fica bloqueada até às 14:00, mas que será libertada se o peregrino não chegar.
Há ainda albergues privados, convertidos na sua grande parte de pensões e pequenos hotéis, que admitem os peregrinos em dormitórios, a preços atrativos, sem ser necessária a apresentação da credencial, explorando o filão do caminho.
O preço das camas (de beliche) nos albergues varia entre os cinco e os 14 euros para os municipais e religiosos e os oito e os 20 euros para os privados. Há ainda os que mantêm a tradição histórica de funcionar por donativo.
No ‘camiño’, tanto se pode pagar 20 euros por uma cama de beliche num quarto partilhado, sem janelas, do tamanho de um armário, de um edifício degradado, como por uma num quarto com casa de banho privativa, com varanda e num prédio renovado.
Nos albergues, a despesa aumenta ligeiramente quando o peregrino tem que pagar pelos lençóis descartáveis (um ou dois euros) ou pelas mantas (um euro).
Nos albergues por donativo, a génese do espírito da peregrinação está mais presente, com os peregrinos a serem convidados a participar na elaboração de uma refeição comunitária (gratuita), proporcionada com a verba recolhida no dia anterior.
Nestes locais, que cada vez são mais raros ao longo do ‘camiño’, existem ainda alimentos doados, pelo que todos os produtos nos armários e no frigorífico destes abrigos podem ser utilizados pelos peregrinos na confeção das suas refeições.
A regra do silêncio, ou pouco barulho, é difícil de cumprir num albergue, em que os beliches estão ‘colados’ uns aos outros, principalmente porque a maior parte dos peregrinos levanta-se cedo para iniciar a caminhada.
Uma boa noite de sono é fundamental para enfrentar o ‘camiño’, mas isso não depende apenas do colchão ou da cama, mas também de outras condições difíceis de controlar e prever, como os mosquitos e o ressonar dos parceiros de dormitório.
Os albergues disponibilizam ainda a possibilidade de enviar as mochilas dos peregrinos para o próximo abrigo no caminho, por empresas de transporte especializado (entre 4 e seis euros), mas esta atividade está longe de ser consensual.
Doze albergues da Federação do Caminho Francês (CFF), instalados nos hospitais medievais de peregrinos, deixaram já de aceitar malas com o objetivo de “proteger a essência” desta rota, que considera requerer “esforço, temperança e sacrifício”.
Os albergues da CFF em Estella, Los Arcos, Canfranc, Logroño, Navarrete, Nájera, Santo Domingo de la Calzada, Burgos, Astorga, Foncebadón e Ponferrada são os primeiros a proteger o ‘camiño’ do “contágio turístico” e da “banalização da tradição jacobeia”.
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