Quem olha para a embarcação, hoje completamente restaurada, com uma cozinha equipada, dormitório, casas de banho e uma sala apetrechada com tecnologia que permite localizar os cardumes, não imagina que o Hermes II já celebrou um centenário e até atravessou a segunda guerra mundial.

Foi nesse período que este barco ajudou à retirada que ocorreu após um incêndio em Finnmark e Nord-Troms, também na Noruega, e, posteriormente, à reconstrução da área.

Construído por Nils Skandfer, o barco, frequentemente ancorado em Tromsø, segue pelas águas do ártico.

Ao leme está o jovem capitão Haakon Heie, que conta, na maior parte do tempo, só com a ajuda de Truls Iversen, que tem a história do barco de madeira na ponta da língua.

É numa manhã de outono que sobem à embarcação mais dois grupos de aprendizes. Turistas, chefes, técnicos ou simplesmente curiosos.

O dia, como é apanágio na Noruega, começa frio, pode chegar aos quatro graus negativos, mas o vento gelado e a ausência de chuva faz a sensação térmica cair a pique e nem o sol, que deu ar da sua graça, amenizou o clima.

Já as águas seguem bastante calmas e distantes de algumas realidades vivenciadas em Portugal, mas a viagem não começa sem as instruções de segurança, seguidas pelo rebate do sino. No topo do barco, a bandeira da Noruega.

“Se olharmos para este ecrã conseguimos identificar onde está o peixe. Aí, paramos o barco e lançamos as canas até ao fundo, depois damos três voltas [a uma espécie de bobine, que faz circular a linha] e vamos subindo a cana e depois deixamos que ela desça devagar”, explicou à Lusa o capitão Haakon Heie.

Resta saber se o peixe vai ou não morder o anzol, que não leva iscos animais, mas uma sardinha e malaguetas de plástico.

Bacalhau, arinca ou hadoque, halibute, peixe-lobo e algum peixe vermelho são algumas das espécies que mais se apanham nestas águas, disputadas por pescadores, gaivotas, águias e até baleias e orcas.

Haakon Heie lidera o Hermes II desde julho, mas foi aos 19 anos que começou nestas lides.

Quando viaja apenas com Truls pode levar a bordo cerca de 18 pessoas, a partir daí já é obrigado a ter uma ajuda maior.

Natural do Sul da Noruega, mas a viver por Tromsø há mais de uma década, Heie brinca ao dizer que “a maior dificuldade [a bordo] são os convidados com fome”, mas, logo de seguida, aponta o mau tempo e, sobretudo, o vento, como os piores inimigos.

Truls Iversen anda na faina no Hermes II desde 2019 e entre os seus recordes está um halibute de 22 quilogramas (kg) e um peixe-lobo de 10 kg, mas o bacalhau da Noruega continua a ser o rei da embarcação, pelo menos, para os visitantes, sempre curiosos pela espécie.

“Capturar peixe, por norma, não é difícil. Como podemos ver, todos podem apanhar peixe. A pesca no inverno é realmente boa, mas no verão também é”, apontou à Lusa Truls Iversen.

A bordo já estão vários peixes, sobretudo bacalhau, que vão acabar na panela, numa sopa, com natas e algumas ervas, servida a todos os visitantes em malgas brancas de esmalte.

Mas antes há que cortar uma das veias principais do peixe, de modo a que o sangue escorra e não fique acumulado dentro do animal, prejudicando a sua qualidade.

O arranjo fica a cargo de uma das ajudantes que hoje se juntaram à tripulação.

A cabeça e as vísceras são as primeiras a sair, depois são retirados os lombos, num corte específico para a sopa de peixe.

Segue-se a pele, que é posta de lado, com cuidado, e algumas sobras são devolvidas ao mar, mas por pouco, tempo. É hora de almoço das gaivotas e de uma águia, que, por vezes, sobrevoava o barco e acabava a repousar nas margens das águas, junto a pequenas casas de madeira, vermelhas ou brancas, e ao arvoredo que cresce entre os fjords (altas montanhas, com entradas de mar).

“Na Noruega é fácil encontrar pessoas que queiram trabalhar na pesca, quer seja nos barcos, como nas fábricas, onde é mais difícil ter lugar porque ninguém se despede. Do ponto de vista económico compensa, os colegas são bons e as pessoas adoram isto”, referiu.

Também não é difícil encontrar estrangeiros nestas funções. Há pessoas que vêm de Espanha, Lituânia, Letónia, Rússia, mas também de Portugal.

Para ser pescador, é preciso ter licença de atividade, mas, sobretudo, “é preciso ter a sorte de encontrar um trabalho”, rematou.

Na chegada ao porto, é Truls que faz a despedida: “falem de nós aos vossos amigos portugueses”. É preciso manter o barco a navegar, pelo menos, por mais 100 anos.

Segundo dados do Norwegian Seafood Council, em setembro, as exportações de produtos do mar atingiram quase 16.000 milhões de coroas norueguesas (cerca de 1.391 milhões de euros), quando no mesmo mês de 2022 estavam em 14.610 milhões de coroas norueguesas.

Reportagem: Pedro Emídio / Agência Lusa