Uma longa fila de pessoas enchia a Rua das Carmelitas, numa manhã de sol no Porto. É assim, há vários anos, desde que a Livraria Lello se transformou num dos sítios mais turísticos da Invicta, atraindo todos os dias milhares de visitantes que, devido a uma conjugação de fatores, querem cruzar as portas do edifício neogótico.
Neste dia 13 de janeiro, contudo, o ambiente da livraria era um pouco diferente do habitual. Havia flores e cartazes a assinalar a data, sob o mote: "119 anos a viver histórias de amor". É impossível entrar no espaço e não sentir-se envolvido por toda a atmosfera criada pela arquitetura trabalhada em madeira, os livros alinhados na longas estantes, o vitral no teto e, claro está, a escadaria escarlate, qual joia reluzente que atrai o olhar.
A 13 de janeiro de 1906 talvez tenha sido esta uma das sensações vividas pelos muitos intelectuais e políticos que participaram na inauguração da livraria aberta pelos irmãos José e António Lello. 119 anos volvidos, a Lello assinalou o aniversário nesta segunda-feira com entrada livre aos visitantes, uma vez que, desde 2015, é cobrado ingresso que pode ser descontado na compra de livros.
Depois de ter sido referenciada várias vezes como uma das livrarias mais belas do mundo e de ter entrado no mapa dos fãs de Harry Potter, a Lello converteu-se numa das atrações turísticas mais famosas do Porto. "A alma da livraria faz com que ela seja a mais bonita do mundo", afirmou ao SAPO Viagens Aurora Pedro Pinto, administradora da Lello.
"É uma arquitetura belíssima, é uma arquitetura que, mais do que ser bonita, constituiu à data um desafio, uma loucura, um arrojo de quem decidiu criar numa sociedade do início do século XX, em que a maioria era analfabeta, um templo para ser livraria", considerou a responsável. "É este carácter que no início teve esta casa e que hoje voltou a ter que lhe dá a tal alma, o tal carisma, a tal vontade de entrar e sair com um livro na mão", enfatizou Aurora, sublinhando que a missão atual da Lello "é pôr o mundo inteiro a ler".
E os números comprovam que muitos viajantes são "transformados" em leitores depois de visitarem o espaço. Em 2024, a Lello recebeu cerca de 1,2 milhões de visitantes. "Mas, mais importante do que isso, em cada dez pessoas que entraram nesta casa, sete saíram com um livro, e, portanto, vendemos cerca de um milhão de livros", referiu Aurora Pedro Pinto. "Somos o maior exportador de literatura portuguesa para o mundo e isso é motivo de orgulho", concluiu a administradora.
"Aqui sentes-te dentro de um livro"
O bulício dos visitantes preencheu os vários espaços da livraria, entre o sobe e desce nas escadas à procura da fotografia perfeita. Interessada nas obras do único Nobel da literatura português, numa sala dedicada a José Saramago, encontramos Valerie Centi, da Bélgica, que, numa feliz coincidência, também celebrava nesta segunda-feira o seu aniversário.
A professora de literatura infantojuvenil que adora livros recebeu a viagem ao Porto como um presente de aniversário por parte do marido e não poderia deixar de visitar a Lello. "Já tinha ouvido falar como sendo uma das livrarias mais belas do mundo, e, portanto, eu queria vê-la", conta Valerie ao SAPO Viagens. Além disso, é uma grande fã de Harry Potter e, mesmo sabendo que J.K. Rowling não se inspirou na Lello para criar Hogwarts, a professora belga fez questão de visitar o espaço e já levava dois livros debaixo do braço, um da saga Harry Potter e outro do escritor Edgar Alan Poe.
A pensar no público internacional, a Lello disponibiliza edições em vários idiomas. Espanha, França, Brasil, Estados Unidos da América, além de Portugal, são os países de onde vêm a maioria dos visitantes, contudo, pessoas de todo o mundo procuram conhecer o espaço.
A olhar de forma entusiasmada para o ambiente que se vivia na livraria, Ignacio Martich, da Argentina, disse ao SAPO Viagens que visitar a Lello fazia parte dos planos da viagem ao Porto. "Sabia que a livraria era muito conhecida por causa do Harry Potter, mas, como adoramos livros, queríamos visitar e vimos também que era o seu aniversário".
"Estou encantado com o ambiente, sinto que existe um respeito aos livros, o que é importante, mesmo com tantos turistas, mantém-se este respeito à cultura e aos livros, o que não se encontra em qualquer parte do mundo", afirmou. Natural de Buenos Aires, cidade de uma das outras livrarias mais belas do mundo, El Ateneo Grand Splendid, Ignacio considerou que "tal como no El Ateneo de Buenos Aires, aqui sentes-se dentro de um livro". O viajante iria levar para a Argentina a edição em inglês da fantasia épica "A História Interminável".
2025, um ano dedicado ao amor
O amor, celebrado em diversas formas, será o mote para o ano de 2025 na Livraria Lello. O aniversário teve gosto de "Romeu e Julieta", ou melhor, "Simão e Teresa". Rebatizar a sobremesa tradicional portuguesa com os nomes dos protagonistas do romance "Amor de Perdição", de Camilo Castelo Branco, foi o desafio lançado pela Lello à a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP).
Além da participação de vários estabelecimentos nacionais, Aurora Pedro Pinto apelou a que também "nos nossos lares" seja possível rebatizar o nome da sobremesa. "Vamos servir no outono e no inverno, quando se começa a sentir o cheirinho da marmelada, Simão e Teresa, vamos falar dos nossos autores, vamos falar dos nossos livros", sublinhou.
Aproveitando a ocasião do bicentenário de Camilo Castelo Branco, "começamos com o amor romântico e , ao longo do ano, vamos explorar outras formas de amor", disse a administradora.
A união entre literatura e gastronomia "faz todo o sentido", constatou ao SAPO Viagens Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP. São duas formas de cultura que andam de mãos dadas, até porque "a gastronomia é retratada em diversas obras literárias", de Eça de Queirós a Fernando Pessoa, referiu a responsável, revelando que nos próximos tempos podem surgir novas iniciativas entre a associação e a livraria.
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