Uma tabuleta pendurada numa árvore à beira da estrada indica a saída para a Cachoeira Maravilha, na zona de Picos, interior da ilha de Santiago, em Cabo Verde, um oásis sazonal para fazer esquecer a seca.

É uma queda de água que só existe nos anos em que há chuva suficiente, como aconteceu em 2023 e como acontece agora, para compensar o que se passou antes: uma seca que se estendeu durante quase cinco anos.

Cabo Verde é um arquipélago árido, algumas ilhas até são desérticas, mas Santiago é uma daquelas em que há montanhas com nascentes que se renovam nos anos em que há época das chuvas (entre julho e outubro).

Anilton Fortes, 39 anos, deixou o carro na estrada de terra batida e está sozinho, de olhos fechado e calções de banho, debaixo da água que cai na Cachoeira Maravilha, encaixada num vale verdejante, que daqui a poucos meses estará de volta às cores áridas.

Mas, por enquanto, a paisagem é viçosa e só se ouve a água a cair e os pássaros a cantar, num cenário que, todos os anos, faz Anilton ficar “ansioso” pela época das chuvas, para poder aproveitar “o luxo de ter uma cachoeira”.

A breve vida das
A breve vida das Anilton Fortes, 39 anos, desfruta do “luxo de ter uma cachoeira” enquanto se banha na Cachoeira Maravilha, localizada na zona de Picos, na Ilha de Santiago, em Cabo Verde, 11 de outubro de 2024 Lusa/Elton Monteiro

De manhã, no horário certo, é como ter uma queda de água privada no meio da natureza, como agora, em que não há mais ninguém em redor.

“Todos os anos procuro uma cachoeira diferente. É a primeira vez que venho a esta”, descreve à Lusa, explicando que, depois de feito o reconhecimento, vai ser um novo local para convívios de família.

“Temos um intervalo de dois meses para aproveitar. É muito curto e este ano [a chuva] veio mais tarde. A cachoeira deve durar até dezembro. Se não houver mais chuvas, acabou”, refere, sendo certo que precipitação depois de outubro é rara.

Anilton goza de uma cachoeira”privada, mas à medida que o dia avança, em Longueira, São Lourenço dos Órgãos, há uma outra queda de água mais movimentada: há residentes da ilha em piquenique sob o arvoredo, turistas equipados para caminhadas e trabalhadores estrangeiros a gozar um dia de folga.

Todos os automóveis conseguiram vencer o caminho em terra batida até ao miradouro e – ainda mais desafiante – alguns fazem a descida a pé até à água, em argila escorregadia.

“Este sítio é muito fresco, verde e tranquilo, vim aproveitar o meu dia livre”, explica Nikola Marousova, checa, 19 anos, cabeleireira na cidade da Praia – chocada ao saber que o cenário só dura uns meses.

Éder Mendonça, 21 anos, equilibra-se nas pedras da margem do riacho, junto à queda de água: “Houve anos mais secos, mas o ano passado foi bom e este ano ainda melhor. Se continuar assim, está fixe”.

Num país árido, há uma atração pelas efémeras quedas de água, sempre que a meteorologia de cada ano permite que elas nasçam, entre setembro e outubro.

“Aqui, quando não há agua, isto não é Cabo Verde, fica Cabo Castanho”, ilustra Nilton Borges, 43 anos, guia nas trilhas de ecoturismo, desde 2007, em alternativa ao turismo de sol e praia.

“Á água corre diretamente das montanhas, cristalina e fresca. Estas águas, para mim, são sagradas. E raras, porque não as temos sempre e houve anos sem água”, descreve, na paragem junto à cachoeira de Longueira, durante uma caminhada com turistas estrangeiros.

E a agricultura, “será que está garantida”, pergunta, olhando para o céu, com nuvens a formarem-se e as previsões a apontarem para mais chuva nos próximos dias.

“Depois da cachoeira, a água vai para a barragem, para a agricultura e para alimentar poços”, explica Horácio Brito, 54 anos, a apontar pela encosta abaixo, a indicar o percurso “sagrado” desde o início da montanha, até ao mar.

Vai dar para plantar “muita coisa”, da batata e mandioca até ao incontornável milho, pelo que “cachupa não vai faltar. Nem xerém”, receitas à base de milho, parte da cultura gastronómica cabo-verdiana e reflexo do clima e paisagem.

Horácio Brito está de olho em duas crianças, os dois filhos que leva a brincar à Cachoeira Maravilha, “todos os dias, depois da escola” – todos os dias, “enquanto houver água”, corrige, otimista, esperançado em ter quedas de água até dezembro ou, quiçá, janeiro.

Aproxima-se o pôr-do-sol, mas no norte da ilha de Santiago o céu já está encoberto sobre a Barragem Principal, albufeira preenchida, com os descarregadores de cheias a dar origem a nova queda de água por cima do paredão - num vale fechado e cercado pelas imponentes montanhas da Serra Malagueta, que sobem a pique em direção ao céu.

Este é outro ponto de adoração e lazer enquanto duram as águas, mas não hoje.

Começa a pingar, há uma tempestade a caminho e já só se veem camponeses a arrumar material nas hortas: voltarão amanhã, como os apreciadores de cachoeiras, para aproveitar a dádiva da chuva.