Por Alina Dieste

Sheila Álvarez tem três filhos, três netos e um sonho realizado: sair no Carnaval do Uruguai. O que ela nunca imaginou foi que o acaso a transformaria numa inesperada protagonista da maior festa popular do país.

"O momento mais bonito da minha vida foi ter os meus filhos, e o segundo foi esse", contou à AFP numa noite quente de fevereiro, pouco antes de se apresentar como "La Sheila de Los Chobys", a protagonista do novo espetáculo desse grupo de humoristas.

A avó de 56 anos estava desempregada quando, no ano passado, soube de um sorteio cujo prémio era fazer parte dos Chobys. Sem formação artística, comprou apenas um bilhete de 100 pesos (2,25 euros), convencida de que, se fosse a vontade do destino, uma única chance seria suficiente.

Para ela, a atuação sempre foi uma paixão. Fez teatro numa igreja durante a infância, mas casou jovem, dedicou-se à sua família e o hobbie acabou por ficar em segundo plano.

Agora, os seus filhos ficam felizes que ela tenha tempo disponível para si, e a sua neta tem orgulho de vê-la na televisão.

"É realmente muito emocionante", diz Sheila com os olhos cheios de lágrimas. "É preciso viver isto para perceber".

Sheila pensava que seria apenas mais uma Choby, mas tornou-se a estrela de um show de 50 minutos, no qual dança, canta, imita uma conhecida senadora, faz piadas e desce para se misturar entre o público - que ri e aplaude.

Os Chobys, humoristas vencedores do Concurso Oficial de Agrupações Carnavalescas do Uruguai em 2020, 2022 e 2023, já foram coroados os melhores da sua categoria no Desfile Inaugural do Carnaval em Montevidéu.

A festa uruguaia do deus Momo começou em 25 de janeiro e durará até meados de março - uma das mais longas do mundo.

Na noite do Carnaval, Sheila recebeu uma menção como Figura Humorista. "Isto realmente não esperava!", exclamou, enquanto lembrava a sua alegria ao avançar num trono gigante pela principal avenida da cidade, o rosto cheio de purpurina e um sorriso enorme.

"Fazer parte da festa"

Conduzidos por Julio Yuane e Leo Pacella, os Chobys acreditam na "La Sheila" para renovar o seu título no Teatro de Verão - o templo do Carnaval uruguaio onde, este ano, competem 38 conjuntos, entre eles quatro do humor.

Pacella reconhece que criar um espetáculo a partir de um sorteio tinha os seus riscos: quem ganhasse poderia não ter tempo para ensaiar, sentir pânico no palco, desafinar ao cantar, esquecer os diálogos... Nada disso aconteceu com Sheila. Segundo ambos os diretores, ela captou rapidamente as instruções e integrou-se facilmente no grupo.

"Com essa ideia, o que fazemos é tentar permitir que qualquer pessoa que tenha vontade, desejo e paixão por estar no palco, que arrisque, que veja que pode fazer parte da festa", explica Yuane.

"Tivemos muita sorte de que Sheila tenha sido a vencedora", diz Pacella rindo.

Os Chobys são conhecidos por promover a inclusão, já que, durante anos, um elemento com síndrome de Down arrancava risadas por onde atuassem.

"Isto é uma demonstração do espírito que existe neste grupo. Acredito que acertaram novamente e, dentro da sua categoria, estão nas melhores condições para ficarem em primeiro lugar", disse à AFP Daniel Porciúncula, um jornalista que cobriu o Carnaval durante mais de 40 anos.

Com raízes europeias e africanas, o Carnaval uruguaio remete aos tempos da colonização espanhola e continua a ser a expressão cultural mais arraigada, com ênfase na capital embora com manifestações em todo o país.

Em 2023, 22% dos adultos uruguaios (594.000 pessoas) assistiram a algum desfile, e 21% (555.000 pessoas) foram a um palco de bairro, segundo o centro de estudos Ceres.

"O Carnaval uruguaio é incrível. Nunca ri tanto na minha vida", diz o venezuelano Pedro Villarroel, casado há uma década com Sheila e que a apoia nessa aventura.