Bilhete-postal por Pedro Neves

Os sinais de que estamos perante uma atração de massas são dados logo na bilheteira da Universidade de Coimbra (UC): a visita à Biblioteca Joanina começa à hora marcada, a permanência no seu interior está limitada a 10 minutos e não é permitida a captação de imagens.

Uma das bibliotecas mais emblemáticas do país, a Joanina (como é carinhosamente referida na cidade dos estudantes) é mais um dos monumentos nacionais que, vítima do seu sucesso, foi obrigado a implementar uma série de medidas que visam garantir a sua conservação e as melhores condições possíveis de visita.

Mais monumento do que biblioteca

Além de um sistema de entradas por turnos horários (com um número fixo de visitantes autorizado a entrar a cada 20 minutos), o circuito da visita também ajuda a evitar grandes aglomerações. A admissão é feita por um acesso lateral do edifício que conduz ao antigo calabouço da UC. Há pouco para ver, além de duas celas despidas de quaisquer artefactos, mas a própria existência desta antiga prisão ilustra bem a autoridade que a instituição académica em tempos comandou.

imaginem uma capela em que as paredes se encontrem revestidas de livros e ficam com uma boa ideia da grandeza do piso nobre da Biblioteca Joanina

A seguir, o nosso grupo de 20 a 30 visitantes é autorizado a subir ao piso intermédio, onde funciona o depósito da biblioteca. Com apenas alguns expositores a servirem de divisórias, todavia, o espaço parece pouco preparado para responder à curiosidade dos visitantes sobre os livros exibidos ou trabalhos que ali são feitos.

Novo compasso de espera até a assistente de sala anunciar que está prestes a começar a visita àquilo que nos traz ali. Falta apenas subir uma pequena escada de serviço e dá-se o espanto: imaginem uma capela em que as paredes se encontrem revestidas de livros e ficam com uma boa ideia da grandeza do piso nobre da Biblioteca Joanina. Pensem no salão de um palácio real e já podem visualizar a sua dose de opulência.

Os tetos ricamente decorados e as estantes de madeira ornamentadas, os milhares de livros expostos e o tapete vermelho confirmam as recomendações: estamos num dos espaços de erudição mais impressionantes do país. E qual ponto final parágrafo, até conta com um piano de cauda preto ao fundo das três salas (usado em concertos e outros eventos especiais). No seu espalhafato barroco, não podia estar mais nos antípodas da típica biblioteca municipal.

Ser acolhido num local com esta majestade e não fazer uma fotografia sequer? É um teste à nossa atenção para repararmos no que temos à frente dos olhos.

Durante a minha visita, houve alguns visitantes a terem de ser relembrados pelos funcionários para a proibição de fotografias, mas ninguém parece ter ficado chateado com isso. Manter o telemóvel no bolso foi, para mim, um dos aspetos mais interessantes da experiência. Ser acolhido num local com esta majestade, cuja imagem já correu o mundo e não fazer uma fotografia sequer? É um desafio ao impulso mais repetido do nosso quotidiano e, sobretudo, um teste à nossa atenção para repararmos no que temos à frente dos olhos.

Importa, por isso, caminhar com calma, parar e olhar em volta. Fiquem atentos, por exemplo, a uma pequena porta, do lado direito de quem entra, com a palavra CIMÉLIOS por cima. É um sinónimo de preciosidades e assinala o gabinete onde se guardavam as obras mais valiosas da biblioteca, sobretudo bíblias, algumas delas ainda manuscritas.

O livro mais antigo?

A obra mais antiga guardada na Biblioteca Joanina é uma bíblia manuscrita com mais de 800 anos. Conhecida como "Bíblia Atlântica", terá sido produzida no ano de 1150, em Estrasburgo, e utilizada na liturgia das comunidades monásticas. É um dos 55 mil livros que formam a coleção da biblioteca, boa parte da qual em latim.

Quando os 10 minutos se esgotam, somos convidados a sair diretamente para a rua, através da grande porta de madeira do edifício, uma vez que não há átrio ou antecâmara a preparar o mais incauto visitante para a surpresa que o espera lá dentro. É mais um aspeto desta biblioteca que desafia a imaginação: quão intimidante seria, para um estudante universitário do século XVIII, aceder e consultar uma biblioteca com este fausto?

Teriam, certamente, mais tempo para o fazer do que nós, mais mirones do que leitores à procura de um um livro. Ainda assim, os minutos contados no interior da Joanina parecem ser suficientes para ficar com uma boa impressão do seu tamanho e suntuosidade. Só a passagem pelos pisos inferiores do edifício talvez pudesse ser melhor aproveitada para informar os visitantes sobre a história e o funcionamento atual da biblioteca (sim, há quem a use como tal), incluindo os motivos de conservação que explicam os cuidados especiais com a visita.

Biblioteca Joanina
Biblioteca Joanina Fachada da Biblioteca Joanina, no Paço das Escolas, em Coimbra créditos: Pedro Neves

Limitar o número de visitantes que podem circular em simultâneo no interior da biblioteca é fácil de entender se tivermos em conta que, antes da pandemia, o ex-líbris da UC chegou a ser visitado por quase meio milhão de pessoas por ano (qualquer coisa como 1.300 visitantes por dia). E é bem possível que esse valor volte a ser o novo normal, à medida que a fama deste templo do conhecimento aumentar, não obstante a sua aversão às selfies.

Sem fotografias, por favor

A restrição ao nível da fotografia parece ser, aliás, o maior motivo de dúvidas (e críticas). Desligar o flash é um pedido habitual em instituições que expõem objetos ou obras de arte delicadas, mas a proibição total à recolha de imagens é invulgar nos dias que correm. Nem o Museu do Tesouro Real, em Lisboa, cujo recheio é exposto, literalmente, numa caixa-forte, vai tão longe.

Segundo os serviços da UC, a interdição remonta à década 90 e, a par do impacto negativo da radiação ultravioleta emitida pelo flash fotográfico, a sua introdução prende-se com "a necessidade de respeitar os direitos de imagem, uma vez que o fluxo significativo de visitantes implica a salvaguarda do direito de imagem, evitando a reprodução e eventual publicação de imagens de terceiros".

A razão soa um pouco antiquada? Soa, especialmente quando os livros só podem ser observados de longe. Uma consequência imprevista da restrição, todavia, é que parece facilitar a forma como os visitantes circulam no piso nobre. Um grupo de 20 a 30 pessoas consegue movimentar-se ali bem, mas bastava que um punhado estivesse munido de tripés, e da vontade de tirar fotografias mais demoradas, para que a situação se complicasse. Ainda assim, a política de imagens motiva um dos reparos mais recorrentes ao monumento nas avaliações deixadas no TripAdvisor pelos seus utilizadores.

Seja como for, com ou sem fotografias, não restem dúvidas: uma visita à Universidade de Coimbra não fica completa sem a Joanina, especialmente se forem fãs (e utilizadores) de bibliotecas.

Como visitar

Se estão a pensar visitar a Universidade de Coimbra pela primeira vez, recomendo adquirir a modalidade mais barata de bilhete, que inclui a entrada na Joanina, no Palácio Real (a primeira residência real portuguesa, habitada por D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal), na Capela de São Miguel e no Laboratório Chimico.

No meu caso, optei pela modalidade que englobava o circuito científico e senti que faltou algum enquadramento às exibições incluídas. Vale a pena também notar que a entrada no Jardim Botânico da Universidade (absolutamente recomendado), é gratuita.