É hora de almoço em Lisboa e o elétrico 25 da Carris segue invulgarmente vazio, com apenas dois passageiros, quando trava sem motivo aparente a meio da Rua de São Paulo, perto do Cais do Sodré. Voltando-se para trás no seu lugar, o guarda-freio aponta para a senhora sentada à minha frente. Pelo espelho, vira-a tirar a máscara com que entrou. “Venho à janela”, justifica-se, enfastiada, enquanto volta a cobrir nariz e boca. O elétrico lá retoma a sua marcha.
Nos últimos dois anos, esta foi apenas uma das muitas situações em que presenciei o zelo colocado pelos trabalhadores dos transportes públicos na ingrata tarefa de fazer cumprir o uso obrigatório da máscara pelos seus passageiros. O episódio a bordo do 25 está especialmente fresco na memória porque ocorreu ainda na semana passada, numa fase já avançada do nosso gradual desprendimento das restrições da pandemia.
Noutro episódio caricato, ocorrido em julho, testemunhei aquele que seria, porventura, o maior pesadelo de qualquer revisor esperançoso de um turno calmo na era Covid: a visão de uma multidão com dezenas de empoeirados e sonolentos festivaleiros, provenientes do Boom Festival, quase todos sem máscara, à espera para subir a bordo do nosso comboio regional.
É possível que ninguém reclamasse, se o fiscal tivesse optado por ignorar todas aquelas bocas e narizes destapados. Não o fez, e o ar coletivo de indiferença algo jocosa ao pedido de colocação de máscara deu gradualmente lugar ao nervosismo palpável entre os passageiros cobertos de pó. Mesmo sem falarem português, a cordial assertividade do funcionário da CP era clara: sem máscara, não lhes seria possível seguir viagem.
Naquele dia, tudo se resolveu a bem e ninguém ficou apeado (graças à generosidade dos passageiros que levavam máscaras a mais consigo), mas a história é exemplar do sentido de dever com que motoristas, revisores, comissários de bordo, e outros, encararam a inédita e espinhosa tarefa de controlar o cumprimento de uma regra de saúde pública. Dá para imaginar o suspiro de alívio coletivo que deve ter corrido o setor na semana passada com o anúncio do fim da obrigatoriedade.
Nunca me incomodou por aí além usar máscara para circular pela cidade ou fazer longas distâncias, e é muito provável que continue a socorrer-me dela perante autocarros e comboios muito cheios. Na realidade, enquanto foi obrigatória para todos, mais difícil do que usá-la, foi deixar de reparar mentalmente em quem optava por retirá-la já depois de iniciar a sua viagem.
Nessas ocasiões, a máscara foi mais um teste aos nervos do que ao conforto, embora seja preciso reconhecer que a esmagadora maioria das pessoas passou na prova de civismo. A exceção à regra, fosse por esquecimento ou vontade própria, deu sempre mais nas vistas por isso mesmo. E nesses casos, valeu-nos a atenção e o profissionalismo de quem nos transporta. Caiu a máscara, fica o reconhecimento.
Fotografia: Mário Cruz/LUSA.
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