Foto: João Leote

Chegamos à ilha do Pico a partir da ilha do Faial. Aventuramo-nos num ferryboat e foi por pouco que não chegamos ao nosso destino “encharcados”. Ainda assim, valeu a pena, pois através desta curta viagem de barco (cerca de 30 minutos) – e económica –, vimos o famoso “Triângulo” do Grupo Central do arquipélago.  Ali estava o Pico todo imponente e, à esquerda, o encantador dragão São Jorge. À medida que nos aproximávamos da gare marítima da Madalena, fomo-nos despedindo do Faial.

Mal saímos do terminal marítimo, cruzamo-nos com uma estátua dedicada a Gilberto Mariano da Silva. Um desconhecido (na altura) para nós, mas popular entre as gentes daquele território açoriano. Gilberto Mariano da Silva, mais conhecido como “Gilberto das Lanchas”, havia dedicado a vida ao canal Pico-Faial. Dia após dia, em tempos sem internet e em que as distâncias pareciam maiores, este homem humilde transportava e entregava encomendas, valores e mensagens do Pico para o Faial e vice-versa. O seu trabalho ajudou muitos habitantes, tanto que acabou por ser homenageado pela Câmara Municipal e por vários cidadãos anónimos com a estátua. Gilberto viveu de 15 fevereiro de 1909 a 11 de maio de 1991.

Ao olharmos para trás – a partir do local onde está a estátua –, vemos um pontão que se estende para o mar e chama-nos a atenção um lenço rosa que cobre a cabeça a uma senhora. Lá está ela, com um cenário incrível à sua frente, sentada em cima de um balde enquanto segura uma cana de pesca que lançou para o mar. Ficamos a observar até porque parece existir tempo. Decidimos desfrutar da paisagem que o lugar oferece. A costa é enfeitada por rochas vulcânicas que fazem com que o azul do mar salte à vista. No meio do mar, entre o Pico e o Faial, vemos os ilhéus da Madalena, o Deitado, com 52 metros e o Em Pé, com 59 metros.

Começamos a regressar (com o olhar) para o lado da terra. Dos ilhéus, seguimos o contorno desenhado pelas rochas até ao pontão, onde ainda se encontra a pescadora do lenço rosa. Aqui saboreia-se o tempo. As poucas pessoas que vimos a passar não pareciam estar numa azáfama e no Largo Jaime Ferreira, onde se encontra o popular Snack Bar Simpatia Madalena, existiam pessoas a conversar sem estarem a olhar para o relógio.

Saímos do pontão e vemos, mesmo ao lado, uma pequena rampa que desce até ao mar e que fazia parte do antigo porto. Na época em que funcionava, existia uma capelinha dedicada a Santa Madalena que foi substituída pela atual Igreja de Santa Maria de Madalena, o maior templo deste destino insular. Fundada no século XVI, guarda tesouros no interior como os painéis de azulejo e os altares laterais.

Depois de pequenos aguaceiros, o sol impõe-se convidando a banhos nas piscinas naturais da Areia Funda. Há quem se aventure, mas nós temos que continuar a nossa viagem. E no Pico é assim. Ora chove, ora faz sol. São raros os dias de céu completamente limpo. “O clima é muito húmido”, partilha Daniel Assunção, técnico superior de ecoturismo, acrescentando que a humidade média varia entre os 70 e os 80%. Diz-nos que é possível “apanharmos as quatro estações num dia.” Por outro lado, o tempo também varia conforme a altitude em que nos encontramos.

Rumamos para a Vila das Lajes, o concelho mais antigo do Pico que nos oferece passeios para observar cetáceos, que acabam por ser uma adaptação da tradição baleeira aos novos tempos. A baleação só foi proibida nos anos 80, por isso, ainda é um tema vivo. Quem quiser saber mais sobre esta prática pode visitar o Museu dos Baleeiros.

Pelas estradas do Pico: uma experiência a não perder

Da Estrada Transversal seguimos para a Longitudinal que vale por si só como uma atração. Já íamos deslumbrados com a paisagem ao longo do caminho sobre quatro rodas, contudo, ali seguia-se uma reta com cerca de nove quilómetros. Esta é a maior reta dos Açores e uma das maiores de Portugal. Ao longo do percurso, fizemos algumas paragens para fotografar a montanha do Pico que se apresentava descoberta. E não, não vivemos a “experiência açoriana” de ter de parar por uma vaca estar a ocupar a faixa de rodagem. Porém, vimos imensas a pastar nos mantos verdes que nos ladeavam.

Entretanto, chegamos à Lagoa do Capitão que é um autêntico postal da ilha. Junto à lagoa, fomos surpreendidos por um grupo de patos que, por sinal, estavam habituados à presença de humanos. Sentimos que entramos num cartão-postal pois aquela paisagem parece saída de um mundo de fantasia. Estávamos perante uma obra da natureza que mais depressa enquadraríamos no surrealismo do que no realismo, no entanto, aquele azul quase celeste rodeado por um verde exuberante com a montanha em segundo plano é real e eterno, pois fica imortalizado na memória de quem o visita.

A Lagoa do Capitão faz parte de um dos vários trilhos pedestres existentes na ilha. Segundo Daniel, só no concelho de São Roque, do qual a Lagoa faz parte, existem 70.

A tour prossegue e estacionamos perto de um miradouro de onde vemos a ilha São Jorge e eis que somos surpreendidos por um sorriso de pedra do projeto da artista Helena Amaral, que, desde 2015, tem colocado esculturas perto de atrações da ilha. Assim, ao seguir os sorrisos de pedra, também estará a descobrir o Pico.

A rainha açoriana das piscinas naturais

É ao viajarmos pela Avenida do Mar que descobrimos as Poças de São Roque. Por ser de origem vulcânica, há muitas piscinas à volta desta ilha cinzenta. Na verdade, o Pico tem o maior número de piscinas naturais do arquipélago.

As Piscinas Naturais de São Roque, também conhecidas por Poça Branca, servem de praia e não é de estranhar, pois as suas águas cristalinas são convidativas.

Outro ponto de interesse turístico é o moinho que se encontra ali perto e que foi recuperado recentemente, mantendo a traça original. Para além de servir de miradouro para a orla costeira que tem como pano de fundo o canal entre o Pico e a ilha de São Jorge, mostra a ligação desta freguesia à produção de cereais.

Caça à baleia

Saímos do Pico a conhecer bem a sua tradição baleeira. Depois do Museu dos Baleeiros, visitamos o da Indústria Baleeira, que está instalado na antiga Fábrica de óleo, farinhas e vitaminas das Armações Baleeiras Reunidas Lda. É o primeiro museu de arqueologia industrial aberto ao público dos Açores.

E se ainda existiam dúvidas quanto à importância da caça à baleia para a ilha, este museu dá-nos os argumentos. A baleação teve grande impacto económico para a ilha, visto que a partir dos cachalotes se produziam óleos e farinhas.

Paisagens únicas para saborear com vinho e aguardente

Na ilha do vulcão adormecido, o vinho vem das pedras e nada melhor do que visitar o Lajido de Santa Luzia para perceber a cultura da vinha picoense. Se incluirmos o Lajido da Criação Velha, a Paisagem da Cultura da vinha picarota ocupa 154 hectares. Esta paisagem singular cativou a UNESCO que, em 2004, declarou-a Património Mundial.

O reconhecimento veio dar nova vida a vinicultura local que, hoje em dia, é igualmente atração turística. Vale a pena descobrir os lajidos, poços de maré, rilheiras centenárias ou adegas.

Visitamos o Lajido de Santa Luzia, um lugar tão ímpar e emblemático que, de algum modo, personifica a resiliência do homem do Pico que não se deixou vencer pela natureza. Naquele terreno que era considerado incultivável, plantou bacelos de vinhas nas fendas de rocha e passou a produzir vinho. Aqui, as vinhas de casta verdelho conseguiram condições únicas de maturação. A cultura da vinha na ilha da montanha tem séculos. Começou no final do século XV e conquistou vários países da Europa e da América, tendo chegado, inclusive, à mesa da corte russa. As vinhas plantadas em chão de lava são enquadradas por apertadas paredes de pedra solta, conhecidas como “currais” ou “curraletas”, que as protegem do vento marítimo ao mesmo tempo que permitem que entre o sol preciso para a maturação.

Para além do centro de interpretação e armazém de pipas, pode visitar em Santa Luzia um alambique comunitário, onde ainda é feita, de acordo com os métodos tradicionais, a também famosa aguardente de figo.

Aproveitamos para visitar o Museu do Vinho, na Vila da Madalena, que, para além de exposições interativas que nos dão a conhecer a história do vinho na ilha do Pico, tem uma vista agradável e apaziguadora para os vinhedos. É neste museu que se encontram os maiores dragoeiros da Macaronésia.

Um “até já” a partir do ponto mais alto de Portugal

Um fim de semana será suficiente para conhecer o Pico? Diz-nos Daniel que “no mínimo deve ficar nove dias para conhecer a essência do Pico”.  E confere. Faltou-nos explorar a Gruta de Torres, que é o maior túnel lávico de Portugal, ver baleias e golfinhos, visitar o Farol da Ponta da Ilha e o Parque Florestal Prainha do Norte.

Conseguimos beber um cocktail no Cella Bar que, em 2016, recebeu o prémio da Archdaily de edifício mais bonito do mundo. A gastronomia fica para uma próxima viagem onde também poderemos descobrir novas lagoas e a Furna do Frei Matias.

Cello Bar
Cella Bar Ana Oliveira

Certo é que não podíamos ir embora sem subir a montanha que dá nome à ilha. Seduziu-nos ao longo de toda a nossa estadia com o cume descoberto. Hipnotizou-nos mal entramos no ferryboat na Horta. Serviu de cenário de fundo em tantas das nossas paragens que tínhamos mesmo que conhecer a majestade do Pico, o seu único vulcão ativo. Ainda por mais, as condições meteorológicas jogavam a nosso favor.

Ver o nascer do sol a partir do ponto mais alto de Portugal antes de regressarmos a casa pareceu-nos a melhor forma de dizer “até já”. Por isso, por volta das duas da manhã encontramo-nos com o guia Renato Goulart, conhecido como o “rei da montanha”, afinal, o número de vezes que subiu a montanha é superior a 2531 – a altura da montanha.

Começamos a subir a pé aos 1200 metros, a partir da Casa da Montanha e poucas foram as paragens até chegarmos ao topo a tempo de ver o sol a nascer. Apesar do frio e do cansaço – andamos o dia todo em tour –, a sensação de realização pessoal e o testemunhar do nascer do sol enquanto saboreamos um café acabado de fazer pelo nosso guia a partir do “Piquinho” faz valer cada cãibra muscular e horas não dormidas. A subida é acessível, mas a viagem pode ser intensa e exigente, especialmente quando se tem o tempo contado como foi o nosso caso.

Para quem vai com tempo, existe a opção de subir a montanha em dois dias. Quem opta por esta modalidade, vê o pôr e o nascer do sol. Se não tem experiência em subir montanhas, o melhor é ir acompanhado por um guia. O Renato é guia profissional desde 1994 e até já guiou uma senhora de 83 anos até ao cimo da montanha. Connosco realizou a subida número 2614. Se quiser saber mais sobre a nossa experiência, aguarde pelo próximo capítulo.

Onde ficar

O Hotel da Aldeia da Fonte é considerado como um dos hotéis mais ecológicos de Portugal. O alojamento encontra-se integrado na paisagem natural da ilha e conta com seis casas de pedra vulcânica. A partir do hotel poderá usufruir do mar, de jardins e de trilhos. Saiba mais aqui.

*O SAPO Viagens visitou a Ilha do Pico a convite das Casas Açorianas