O final da linha do elétrico nº28, um dos mais utilizados pelos turistas em Lisboa, tem a última paragem na rotunda em frente do cemitério.
Disse-me um funcionário do cemitério que, por dia, são dezenas de turistas que o vão visitar.
Alguns seguem a informação de um guia, outros, mais por curiosidade, derivam no amplo espaço, em particular entre a igreja e o enorme portão de entrada.
Já oferece uma ideia da variedade de jazigos, símbolos, estatuária, flores, e pequenas frases que pretendem sintetizar o sentido de uma vida. Um vasto património que está em vias de classificação.
Um passeio mais prolongado encontra outras manifestações culturais e religiosas.
É igualmente “um espaço verde, com sossego. Apesar da passagem dos aviões, é como se não estivéssemos na cidade. É bom para passear, refletir e é um momento de relaxamento.”
É a opinião de Bruno e Ana Raquel que passeavam numa alameda dos 12 hectares do cemitério dos Prazeres. Fazem este passeio com alguma regularidade.
Há quem dê sinal de outras rotinas, como passear o cão.
Bruno e Ana Raquel estavam próximo de um grupo de gatos que vagueiam pelo cemitério.
Junto ao portão de entrada percebemos pelos vestígios que há gente que lhes leva comida. São os “convidados” de um espaço que, desde a origem do cemitério em 1883, após uma epidemia de cólera, preserva a tradição da aristocracia e das elites da cidade.
“Consegue-se ver a história da cidade de Lisboa. Pessoas que ouvimos falar e que estão aqui representadas nos seus túmulos.”
Jazigos de gente famosa do passado recente recebem rosas e outras homenagens.
A aristocracia faz-se notar pelos títulos, efeitos decorativos ou pela imponência como é o caso do jazigo dos duques de Palmela, com 12 metros de altura.
É o maior da Europa, mais alto do que alguns prédios vizinhos. Está recheado de símbolos maçónicos.
No interior estão os restos mortais de duas centenas de pessoas e no exterior, algumas dezenas de empregados, estão enterrados na terra que ladeia o caminho de acesso ao jazigo.
Outro jazigo que se destaca é o do Visconde de Valle Flor. Também é enorme, no exterior tem várias plantas e é cuidado várias vezes por semana.
Como afirma o antropólogo Bruno Magalhães, com frequência, os cemitérios são mais o espelho dos vivos do que dos mortos. “Os enterramentos mais do que refletirem quem eram as pessoas enterradas refletem quem os enterra.”
Ao percorrermos as alamedas definidas pelas centenas de ciprestes tomamos ainda conhecimento da evolução da língua portuguesa, da simbologia de muitas profissões e da surpreendente estatuária. Representações de objetos, símbolos, natureza, figuras mitológicas ou humanas.
Uma característica apreciada por Ana: “gosto do ambiente arquitetónico dos vários jazigos". "Gosto da estética. Há pessoas que acham que é tétrico, está relacionado com a morte, mas eu considero que há beleza em cada um dos locais que as pessoas escolheram para deixarem os seus entes queridos.”
Bruno destaca também a representação das nossas rotinas diárias e das relações afetivas. “O cemitério tem esta relação entre a vida e a morte e nem tudo é simbologia maçónica ou 'para o além'.
Às vezes também há a representação de ambientes de família. Por exemplo, há muitos com representação de animais de estimação ao lado dos túmulos.”
A diversidade de elementos, o evoluir dos gostos de vários grupos sociais, a representação da morte, dos valores, das profissões e da arte, faz com que o cemitério seja um museu ao ar livre e até com um miradouro para o rio Tejo.
Realizam-se visitas guiadas gratuitas e há várias iniciativas culturais ao longo do ano sobre os cemitérios. Inclusive sobre fotografia.
Também se pode visitar de forma livre e o acesso é igualmente gratuito.
O cemitério dos Prazeres é um museu ao ar livre faz parte do programa da Antena1 Vou Ali e Já Venho e a emissão deste episódio pode ouvir aqui.
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